Sindicato dos Trabalhados vs Câmara Municipal de Setúbal: impugnação do ato administrativo.


Resumo do Acórdão

O Sindicato dos Trabalhadores representa o requerente, seu associado, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAFA), numa ação administrativa especial para impugnação de ato contra o Município de Setúbal. O requerente procura a declaração de nulidade ou anulabilidade do ato impugnado - despacho da Vereadora, com competência delegada da Câmara Municipal de Setúbal, que homologou a lista unitária de ordenação final do procedimento concursal comum de recrutamento para a carreira geral e categoria de assistente operacional (área de limpeza de espaços públicos) bem como do procedimento concursal, no segmento relativo à aplicação do método de seleção da entrevista profissional; Tal como, procura ainda, a condenação da entidade demandada a determinar e proceder à expurgação de todos os vícios e irregularidades do procedimento concursal, repetindo o mesmo.
Assim, o requerente defende que não estão devidamente fundadas as entrevistas profissionais de seleção, visto que os níveis classificativos do desempenho não permitem encontrar a justificação para a atribuição de classificações numéricas diferenciadas aos candidatos. Tal ocorre, pois, o júri limitou-se a informar quais as classificações que iria atribuir e os valores que lhes correspondiam, sem que tenha indicado os critérios diferenciadores de tais notas. De tal modo, requere a nulidade ou anulabilidade do ato.
Consequentemente, requere, então, a reconstituição da situação e reposição da legalidade concursal, sendo necessário fundamentar a notação da entrevista do candidato demandante, e de todas as demais entrevistas profissionais de seleção realizadas aos candidatos que ficaram graduados à frente do mesmo e que vieram a ser providos em face da ordenação definida pela lista de classificação e ordenação anulada.
Decisões: TAFA decidiu a favor do requerente, devendo o Município anular ato da vereadora e proceder a novas entrevistas. Após recorrer para Tribunal Central Administrativo Sul, onde ação foi dada como improcedente, o réu colocou recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que veio a concordar com as anteriores decisões e declarou todas as custas a favor do réu, o Município de Setúbal.
( 0287/17 de 26 de abril de 2018)
Matérias Relacionadas
Com este acórdão relacionam-se, então, as matérias da eficácia do ato administrativo, da invalidade, ilegalidade e dos vícios do ato administrativo, mais concretamente, o vício de forma, nomeadamente, a falta de fundamentação do ato administrativo – pretermite legal da atuação administrativa.
Viola-se dever de fundamentação dos atos administrativos, constituindo tal um vício de forma, produtor de anulabilidade do ato impugnado.

Requisitos de eficácia do ato administrativo
Primeiramente é necessário esclarecer que a eficácia consiste na efetiva produção de efeitos jurídicos pelo ato, a projeção na realidade da vida dos efeitos jurídicos que integram o conteúdo de um ato administrativo. Para o ato ser eficaz tem de cumprir todos os requisitos de eficácia exigidos pela lei.
A ineficácia, pelo contrário, é o fenómeno da não-produção de efeitos jurídicos num dado momento.
Os requisitos consistem nas exigências que a lei faz para que um ato administrativo, uma vez praticado, possa produzir os seus efeitos jurídicos.
- Devido ao princípio do imediatismo dos efeitos jurídicos, o ato produz efeitos desde o momento da sua prática (art.155º/1).
- Exceções no art.156º e 157º.
- Exige sempre a notificação e/ou a publicação – art.158º a 160º

Invalidade
A invalidade é um valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir.
Dentro da invalidade, podemos identificar diversas fontes:

1) Ilegalidade

A legalidade é a principal fonte de invalidade, incluindo a CRP, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos, os atos administrativos constitutivos de direitos, entre outros, constituindo, então, o blogo da legalidade. Ocorre quanto o ato é contrário à lei, podendo assumir várias formas, dentre as quais, os vícios do ato administrativo.
- Os vícios do ato administrativo
Os vícios do ato administrativo são as formas específicas que a ilegalidade do ato administrativo pode revestir.
Há quem entenda que com a CRP de 1976 deixou de ser exigível por lei que os particulares, ao recorrerem contenciosamente de qualquer ato administrativo, discriminem qual o vício que enferma o ato. Apoiam-se no art.268.º, nº4 da CRP.
Para o Prof. Diogo Freitas do Amaral, este preceito não quis inconstitucionalizar todas as disposições da lei ordinária que, em sede de contencioso administrativo, exigem a especificação do vício do ato recorrido. Tal especificação é útil em termos de clareza e celeridade processual.
Os vícios englobam o vício de forma, a usurpação de poder, a incompetência, a violação de lei, o desvio de poder e a cumulação de vícios.
- O vício de forma
O vício de forma é o vício que consiste na preterição de formalidades essenciais ou na prática de forma legal. Comporta três modalidades:
- Preterição de formalidades anteriores à prática do ato – falta de audiência prévia dos interessados.
- Preterição de formalidades relativas à prática do ato – regras de votação dos órgãos colegiais.
- Forma legal – prática, por despacho, de atos que a lei exija forma de decreto.
A eventual preterição de formalidades posteriores à prática do ato administrativo não produz ilegalidade (nem invalidade), apenas produz a ineficácia. Tal ocorre porque a validade de um ato administrativo se afere sempre pela conformidade desse ato com o ordenamento jurídico no momento em que ele é praticado. Portanto, no momento em que um ato administrativo é praticado, pode ser inválido, por estar em contradição com a lei. Mas, se a preterição das formalidades ocorrer depois de o ato ser praticado, o ato não fica inválido, não há repercussão para trás. O que ocorre depois da prática do ato não o invalida.
Portanto, se a Administração pretender executar o ato sem este ter recebido visto do Tribunal Constitucional, o ato não se torna inválido, é apenas ineficaz enquanto não tiver visto (art.129.º, alínea c) do CPA). Não é o ato que se torna ilegal, mas sim a sua execução, pois é contrário à lei executar um ato ineficaz (art.149.º, nº1 e 150.º, nº1, alínea c) do CPA).
A obrigação de fundamentar
A fundamentação é a enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar determinado ato ou a dotá-lo de certo conteúdo (art.124.º a 126.º do CPA).
No art.124º do CPA prevê-se a obrigação de fundamentação, sendo esta uma formalidade de grande importância, não apenas para o particular lesado pela atuação administrativa, como também, na perspetiva do tribunal competente, para ajuizar da validade do ato e na perspetiva do interesse público.
Para o autor, Rui Machete, o dever de fundamentação tem quatro funções:
- Defesa do particular
- Autocontrolo da Administração.
- Pacificação das relações entre administração e particulares.
- Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
O objetivo essencial trata de esclarecer concretamente a motivação do ato, permitir a reconstituição do pensamento e razão que determinou a adoção de um ato com determinado conteúdo (art.125.º, nº2 CPA).
Pode existir, porém, dispensa de fundamentação, prevista no art.124.º, nº2, alíneas a) e b) do CPA.
No caso da alínea a), a justificação da dispensa de fundamentação reside na natureza específica do ato de homologação, que incorpora e absorve o ato homologado: como este tem de ser fundamentado, a homologação apropria-se da fundamentação e torna-se, desse modo, automaticamente fundamentada.
No caso da alínea b), a fundamentação, a existir, não seria dirigida a terceiros, mas, apenas, ao subalterno; ora, a autoridade hierárquica do superior deve poder ser exercida sem necessidade de dar explicações.

A fundamentação tem ainda de preencher os requisitos do art.125.º do CPA, tendo de ser expressa, ou seja, enunciada no contexto do próprio ato pela entidade decisória, e de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
De facto, segundo o STA - «Dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, este ficará assegurado sempre que a decisão em causa se situe inequivocamente num determinado quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal»
Assim, fundamentação tem de ser clara, coerente e completa, não devendo ser contraditória, obscura ou insuficiente. De acordo com o STA, basta que seja suficiente para que seja completa.

Casos especiais
Ainda assim, existem dois casos com regime jurídico especial:
- Quando o ato administrativo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta: o dever de fundamentação considera-se cumprido com essa mera declaração de concordância (art.125.º, nº1 do CPA). Havendo homologação, nem sequer é necessário fazer expressamente qualquer declaração de concordância: a homologação absorve automaticamente os fundamentos e conclusões do ato homologado.
- Caso dos atos orais: em regra, não contêm fundamentação - ou são reduzidos a escrito numa ata (onde tem de estar a fundamentação sob pena de ilegalidade) ou, não havendo ata, a lei dá aos interessados o direito de requerer a redução a escrito da fundamentação dos atos orais, cabendo ao órgão competente o dever de satisfazer o pedido em 10 dias (art.126.º, nº1 do CPA). O não exercer da faculdade de requerer fundamentação não prejudica os efeitos da sua falta (art.126.º, nº2 do CPA). Se não houver fundamentação, o particular pode recorrer ao processo judicial de intimação ou pedir recurso de anulação, tendo como causa a falta de fundamentação.

Consequências da falta de fundamentação
Em caso de existir falta de fundamentação, o ato será ilegal por vício de forma e será anulável, segundo o disposto no art.135.º do CPA.
Porém, se um ato vinculado se baseia em dois fundamentos legais e um não se verifica, mas o outro basta para alicerçar a decisão, o tribunal não anula o ato por força do princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
Deve ainda expor-se que, onde haja poderes discricionários ou espaços de escolha administrativa, não poderá o juiz aproveitar um ato formalmente viciado, pois não está em condições de declarar aquele conteúdo como a única decisão legítima.
2) Outras fontes de invalidade
Um ato pode ser inválido e, portanto, nulo ou anulável, por razões que nada têm a ver com a sua ilegalidade (pode ser por motivos comuns ao direito privado como o erro, dolo, coação, simulação e etc.) Nesse caso o ato é ilícito e há pelo menos quatro casos: o ato administrativo não viola a lei, mas ofende um direito subjetivo ou interesse legítimo dum particular; o ato administrativo viola um contrato não administrativo; o ato administrativo ofende a ordem pública ou os bons costumes; o ato administrativo contém uma forma de usura. Também pode haver vícios da vontade se o particular enganar a Administração. A vontade da Administração deve ser sempre livre e esclarecida.

Anulabilidade
 Segundo o estipulado no art.163º/2, um ato é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado ou suspenso, sendo sanável pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão, tal como a base legal prevê - art.164º/1), art.136º e art.141º - logo, se não for anulado dentro de um certo prazo, torna-se um ato inatacável.
Porém, se ninguém fizer o pedido de afastamento ou a Administração tomar a iniciativa de os afastar, os atos continuam a produzir efeitos, apesar de serem ilegais, sendo sempre possível ir a tribunal para pedir a verificação da legalidade. Ainda assim, produzirão efeitos até que tal seja efetuado.
O ato anulável é, assim, obrigatório, quer para os funcionários públicos, quer para os particulares, enquanto não for anulado, não sendo possível opor qualquer resistência à execução forçada de um ato anulável. A sentença proferida sobre um ato anulável é uma sentença de anulação, de natureza constitutiva.
Só pode existir impugnação num tribunal administrativo, tendo esta decisão, caso seja tomada, efeitos retroativos, e tudo ocorrendo na ordem jurídica como se o ato nunca tivesse sido praticado.
A regra geral da anulabilidade é o art.163º/1 e, por razões de certeza e de segurança da ordem jurídica, com o tempo o ato fica sanado, fazendo com que deixe de pairar uma dúvida sobre os atos da Administração.
Segundo o prof. Vasco Pereira da Silva, não há convalidação, podendo o particular continuar a pedir ao Tribunal a restituição dos seus direitos devido ao facto de o ato continuar a ser ilegal – passar o prazo significa que o particular não pode afastar o ato da ordem jurídica, mas, ainda pode pedir sentença em tribunal para que os seus direitos sejam acautelados à luz da ilegalidade desse ato.
A doutrina apresentada provém de Marcello Caetano, onde se equiparava o caso julgado ao caso decidido e se considerava o prazo de impugnação como meramente adjetivo, podendo o particular fazer sempre valer os seus direitos.
  Segundo o CPTA, o ato já não pode ser impugnado porque passou o prazo, mas o particular pode levar o caso a juízo de forma a que se condene a Administração pela ilegalidade do ato.

Âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade

No nosso direito, a nulidade tem carácter excecional, tendo a anulabilidade carácter de regra – como enuncia o art.135.º do CPA. Por razões de certeza e de segurança da ordem jurídica, a regra no Direito Administrativo português consiste em todo o ato administrativo inválido ser anulável.
Na prática, porém, temos de apurar, acerca de um ato cuja validade estejamos a analisar, se é ou não nulo: porque se o não for, cai na regra geral e é anulável.

Correspondência entre vícios e formas de invalidade
Não há uma correspondência automática de cada vício a uma certa forma de invalidade, comforme resulta da regra geral constante do art.133.º e 135.º do CPA. Ainda assim, obtém-se:

Usurpação do poder: todos os casos se solucionam com nulidade.
Incompetência:
- Por falta de atribuições – nulidade.
- Por falta de competências – anulabilidade.
Vício de forma:
- Carência absoluta de forma legal: nulidade.
- Deliberações tomadas tumultuosamente: nulidade.
- Deliberações tomadas sem quórum: nulidade
- Deliberações tomadas sem ser pela maioria exigida por lei: nulidade.
- Deliberações que nomeiem ilegalmente funcionários sem concurso: nulidade.
- Outros vícios de forma: anulabilidade
Violação de lei
- Casos de violação de lei referidos no art.133.º do CPA: nulidade.
- Quaisquer outros casos de violação de lei: anulabilidade
Desvio de poder: anulabilidade.

Conclusões
Em suma, com a análise do acórdão supramencionado, denota-se a importância que a fundamentação dos atos tem na atuação administrativa. Para proteção do particular e dos seus interesses, para autolimitar a atuação da Administração, para facilitar as relações entre os particulares e a Administração e ainda clarificar e provar os factos sobre os quais assenta a decisão.
É de extrema importância que este requisito legal seja cumprido, sob pena de ser ilegal por vício de forma e ter de se incorrer na anulabilidade do ato. Devido ao exposto, concordo com a decisão do Supremo Tribunal Administrativo ao defender a posição do particular e requerer a declaração de anulabilidade do ato da Vereadora com posterior realização de novo concurso, sendo todas as custas a cargo do Município de Setúbal – estão preenchidos os requisitos, nomeadamente, da eficácia retroativa, dos prazos, do recurso para tribunal administrativo, etc.
Assim, a meu ver, a decisão judicial cumpriu os princípios administrativos, respeitando o Princípio da Legalidade ao fundamentar a sua atuação com os preceitos legais base necessários, o Princípio da Transparência, fundamentando e expondo a argumentação, as suas decisões e interpretações na letra da lei de forma clara e explícita, respeitou o Princípio da Decisão (art.9º do CPA), emanando a decisão final que lhe competia e o Princípio da Participação dos Particulares na formação das decisões que lhes dizem Respeito - art.267.º, n.º5 da CRP e art.8.ºdo CPA – sendo o concurso de grande importância para os particulares – tal como, a decisão foi adequada e justa perante o caso concreto.

Bibliografia
- Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André. 2006. Direito Administrativo Geral: Tomo III. Lisboa, D. Quixote
- Freitas do Amaral, Diogo. Curso de Direito Administrativo: Volume II
- Pereira da Silva, Vasco. O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise

João Duarte Mendonça Gouveia Brazão nº58534.


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