Poder regulamentar nas Regiões Autónomas
Do art. 112º
da Constituição da República Portuguesa pode extrair-se a conclusão de que o
regulamento traduz o exercício de uma função administrativa, isto porque este
artigo apresenta uma enumeração de todas as formas de lei sendo que o
regulamento não consta nessa mesma enumeração.
A distinção
entre lei e regulamento será, portanto, e fazendo uso do pensamento do
professor Marcelo Rebelo de Sousa, baseada na distinção entre função
legislativa e função administrativa. A função administrativa é, por seu turno,
uma função secundária do estado e como tal os regulamentos não apresentam a
mesma “importância” que as leis propriamente ditas, isto porque os regulamentos
servem para executar as leis, complementá-las e dinamizar globalmente a ordem
jurídica, poderá até considerar-se que os regulamentos são “inferiores” à lei
por apenas servirem, grosso modo, para auxiliar na sua implementação.
Os regulamentos
podem ser classificados, segundo o professor Marcelo Rebelo de Sousa, do
seguinte modo:
·
Relação
com a lei e suas funções
·
Titularidade
do interesse público prosseguido
o Regulamentos autónomos – emanam de um
órgão de uma pessoa coletiva da administração autónoma
o Regulamentos autonómicos - emanam de
um órgão de uma pessoa coletiva da administração autonómica
o Demais regulamentos
·
Conteúdo
e âmbito de eficácia
Por seu turno, o professor Diogo Freitas do Amaral apresenta um outro elenco de critérios
para classificar os regulamentos administrativos:
·
A
sua relação com a lei
·
O
objeto
·
O
âmbito de aplicação
·
A
projeção da sua eficácia
Sendo que o
objetivo do presente escrito será a referência mais focada no poder regulamentar
das regiões autónomas reservar-me-ei de maiores explanações quanto às demais
classificações.
Os regulamentos das regiões autónomas encontram-se intimamente
relacionados com o critério do âmbito de aplicação, pois estes são regulamentos
locais e tem o seu domínio de aplicação limitado a uma dada circunscrição
territorial.
Importa
referir que quanto aos critérios de posição do órgão emissor e critério do âmbito
geográfico, segundo Marcelo Rebelo de Sousa “cedem quanto a regulamentos
de órgãos infra ordenados e/ou que visem a prossecução de atribuições geograficamente
menos amplas que tenham sido emitidos ao abrigo de reservas setoriais da administração”.
Isto
significa que os regulamentos das regiões autónomas habilitados por decretos
legislativos regionais não estão hierarquicamente subordinados aos regulamentos
estatais, não existe, portanto, nenhum critério hierárquico neste aspeto, pelo
que, na ausência de um critério constitucional de prevalência deve entender-se
que os regionais podem, no espaço da sua região, derrogar os regulamentos estatais,
a menos que tenha havido reserva de competência regulamentar para os órgãos de
soberania. – art. 227º/1, alínea d) da CRP. Se apesar dos métodos apresentados,
se concluir que existe uma igualdade hierárquica entre os dois regulamentos os
conflitos devem ser resolvidos fora dos quadros de preferência de lei.
Dentro das regiões autónomas importa perceber quem tem poder
regulamentar e nestas áreas tanto o governo regional como a assembleia
legislativa regional o têm. Na Constituição da República Portuguesa encontramos
algumas normas que elucidam quanto às funções concretas destes órgãos e quais
os seus limites de competência. Assim, o art. 227º/1, alínea d) da CRP refere
que os órgãos mencionados deverão “regulamentar a legislação regional e as leis
gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respetivo
poder regulamentar”. A assembleia legislativa regional pode ainda regulamentar
as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania e realizar regulamentos de
execução de decretos legislativos regionais. O art. 231º/5 da CRP refere ainda
que é da exclusiva competência do governo regional a matéria relativa à sua
organização e funcionamento, contudo a sua função por excelência é a de
elaborar regulamentos necessários à execução de decretos legislativos
regionais. Os estatutos político-administrativos das regiões autónomas é que definem
a forma que devem revestir estes regulamentos.
Há uma crítica que é feita ao facto dos estatutos das
regiões autónomas estenderem a forma de decreto legislativo regional aos
regulamentos da assembleia legislativa regional, pois como referem Rui Medeiros
e Jorge Pereira da Silva,
“decretos simultaneamente regulamentares
e legislativos, ao assumirem força formal de lei, deixam de estar subordinados
à própria lei que regulamentam e, mesmo sem a derrogarem, servem amiúde para
estabelecer adaptações em relação ao regime contido nessa lei. As normas estatutárias
criam uma categoria especial de regulamentos que não deve estrita obediência às
«leis gerais emanadas dos órgãos de soberania»”.
Concluindo, a meu ver, se os regulamentos têm como função
auxiliar na implementação das leis não fará sentido a visão plasmada nos
estatutos político-administrativos das regiões autónomas que estendem a forma
de decreto legislativo regional aos regulamentos da assembleia legislativa regional
pois o regulamento deixa de ser um regulamento para passar a ser, sem o ser, uma
lei. Levando esta interpretação até às últimas consequências chegar-se-ia à
situação em que o regulamento em vez de se limitar a regular pode derrogar.
CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo” – 10º
Edição, Âncora
SOUSA, Marcelo Rebelo de. “Direito Administrativo Geral – Tomo
III” – 1ª edição, Dom Quixote
AMARAL, Diogo Freitas do. “Curso de Direito Administrativo -
Volume II” - 2ª edição, Almedina
Cristina Reis, nº 58548
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