Participação dos Interessados: Direito de audiência como direito fundamental?
A participação dos
interessados consiste numa das fases do procedimento administrativo e consta no
art.12º do Código do Procedimento Administrativo, e ainda no Art.267º/5 da CRP,
revestindo dignidade constitucional.
Nos anos em que vigorava o Estado liberal, a participação dos interessados como existe atualmente era impensável. Era raro a cooperação e colaboração entre a Administração e os particulares.
Nos anos em que vigorava o Estado liberal, a participação dos interessados como existe atualmente era impensável. Era raro a cooperação e colaboração entre a Administração e os particulares.
Artigo 12.º
(Princípio da Participação)
Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação
dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos
seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito,
designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código.
Artigo 267.º
(Estrutura da
Administração)
1. A Administração
Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os
serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua
gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas,
organizações de moradores e outras formas de representação democrática
O direito de participação dos interessados surge
através de vários mecanismos, nomeadamente através do direito de audiência
prévia dos particulares, do direito de formular sugestões à Administração, do
direito de lhes prestar informações e através do ónus dos interessados durante a fase de
instrução do procedimento pelo que compete à Administração:
- prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que estes necessitam;
- apoiar e estimular as iniciativas dos particulares e receber as suas sugestões e informações;
- ser responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias.
Esta fase revela-se de
grande importância desde logo porque se em virtude de a participação dos
interessados resultar uma modificação substancial do projeto de regulamento,
então volta a recair sobre a administração pública “a obrigação de audiência
e/ou apreciação pública, conforme as situações”
Tem-se colocado a questão
se é possível que a participação dos interessados constitua um direito
fundamental.
Para dar resposta a este
problema, é necessário atender à evolução que este princípio sofreu ao longo do
decurso de tempo.
“O princípio da
participação dos interessados na formação das decisões administrativas começou
a definir-se a propósito da consagração do sistema de garantias de defesa do
arguido em processo disciplinar, de que a audiência prévia dos interessados se
tornou elemento essencial”, isto é, a participação dos interessados é
reconhecida como “verdadeira exigência do direito natural ou dos princípios
gerais do Direito, mas apenas nos processos de tipo sancionador".
Mais tarde, veio-se a
reconhecer o direito de audiência dos interessados nos processos de interesse
misto ou de interesse particular que não revestiam caráter sancionador, mas que
poderiam pôr em causa direitos ou interesses dos administrados.
Tendo isto em conta,
reconheceu-se a regra audi alteram partem (que mais
tarde será reconhecida como princípio geral de Direito Administrativo), e que
nas palavras de Marcello Caetano implica que a audiência prévia dos
interessados é chamada “quando a Administração tem de resolver questões que
afetem interessados alheios.”
Posto isto, é natural que
a participação dos interessados no processo de decisão afigura-se como um
princípio guiado pelo objetivo de reforçar o direito dos particulares face à
administração, representando deste modo “a função legitimadora que caracteriza
as administrações públicas modernas e democráticas”, e ainda, no plano
político-constitucional, as “democracias representativas”.
Naturalmente que este
princípio tem ainda como objetivo de que a melhor decisão administrativa seja
tomada.
E é perante estas
circunstâncias que se torna possível questionar se face a este princípio, o direito de audiência constitui de facto um direito
fundamental.
O Professor Vasco Pereira
da Silva considera que o direito de audiência é um direito fundamental, na
medida em que mesmo se este não tivesse consagrado na lei, o particular poderia
exigir ser ouvido.
Por sua vez, os
professores Freitas de Amaral e Pedro Manchete, consideram que o direito à
audiência não é um direito fundamental, visto que considerar isto implicaria
que a violação desse direito gerasse nulidade, no sentido em que se está a
violar a CRP.
Na visão de Pedro
Manchete, o nº 1 do artigo 267º da Constituição não consagra um direito
fundamental de participação, mas sim um princípio estruturante sobre o
processamento da atividade administrativa. E, relativamente ao direito de audição
do contribuinte, escreve: «(…) a participação procedimental não
consubstancia em primeira linha um meio de proteção jurídica frente a ameaças
definitivas, mas antes uma colaboração constitutiva da determinação do próprio
interesse público concreto. O que está em causa é fundamentalmente garantir a
objetividade do procedimento, designadamente através de uma mais objetiva
representação do interesse público, e não tanto a garantia dos interesses
individuais perante a administração». Conclui que essa participação não
constitui um direito fundamental, mas só «um direito subjetivo
legal-procedimental»
Tendo em conta o que foi
exposto, parece-me razoável considerar que o direito de audiência não consiste num direito fundamental. Não me parece correto que a omissão da
audiência do interessado determine a nulidade de um ato administrativo. É sim razoável
que isto gere anulabilidade. Esta tem sido também a posição da jurisprudência
no âmbito das decisões do STA. Note-se o Acórdão 02158/06 determinou que a “a
preterição do direito de audiência prévia apenas constitui vício gerador de
nulidade do ato nos casos de procedimentos sancionatórios, ou naqueles em que
sejam praticados atos lesivos de direitos fundamentais”.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas de, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição, Almedina, 2018
AMARAL, Diogo Freitas de, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição, Almedina, 2018
SOUSA, Marcelo Rebelo de;
MATOS, André, Salgado de, Direito Administrativo Geral - Tomo III – Atividade
administrativa, 2ª edição, Dom Quixote, 2009.
PEREIRA, Manuel Pedro, A
participação dos interessados na formação das decisões administrativas, Tomo I
- Tese de mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, apresentada à
Universidade de Lisboa através da Faculdade de Direito, 1993.
CAETANO,Marcelo, Manual
de Direito Administrativo, 10 edição, Volume I, Almedina,1984-1986
Carlos Amado Gomes, [et
al], Novo Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado. 2ª
edição, AAFDL editora, 2015.
Aulas teóricas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira da Silva.
Aulas teóricas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira da Silva.
Acordão disponível em: http://www.dgsi.pt/jtcampca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/d85ebe5aaffa4d1a8025728a0033a332?OpenDocument.
Legislação utilizada:
-Constituição da República Portuguesa
- Código do Procedimento Administrativo
Ellem Santos, nº 58539
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