Os Regulamentos Internos e a sua Relação com o “Novo CPA”
“O regulamento é uma decisão de um órgão da administração
pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos
jurídicos em situações gerais e abstratas”[1].
Esta era a definição de regulamento administrativo antes da entrada em vigor do
novo Código de Procedimento Administrativo (CPA de 2015) e, segundo, esta os
regulamentos podiam ser qualificados como regulamentos externos ou internos
dependendo do seu âmbito de eficácia. De uma forma bastante simplista um
regulamento interno tem como função disciplinar a organização e o funcionamento
da pessoa coletiva a que pertence o órgão que o emanou e as pessoas visados por
estes são-no apenas na qualidade de funcionários daquela pessoa coletiva e um
regulamento externo “visa a produção de efeitos para fora da pessoa coletiva a
que pertence o órgão do qual emana”[2].
Contudo existem algumas em que se torna difícil perceber se se trata de um
regulamento interno ou externo, como por exemplo, um regulamento que vise
disciplinar o comportamento de um utente de uma certa unidade hospitalar. Este
regulamento já não tem só como alvo os funcionários daquela unidade hospitalar,
mas também os utentes ou então pode também estar a regular o comportamento de
um funcionário seu que em certo momento se torna utente do hospital e,
portanto, já não está só a regular o comportamento do funcionário enquanto
funcionário daquela instituição, mas sim enquanto pessoa. Parte da doutrina
considera que ainda se pode qualificar um regulamento deste tipo como um
regulamento interno, visto que, “por não se dirigir a todos os cidadãos, em
geral, mas apenas a alguns em especial, precisamente uns quantos que, por ato
de admissão, ingressaram no interior de um círculo restrito de pessoas sujeitas
à jurisdição própria de certas autoridades administrativas, submetidas a formas
particulares de disciplina”[3].
O Professor Freitas Amaral considera que este tipo de regulamentos deve ser
considerado como um regulamento externo, pois, produz efeitos jurídicos fora da
esfera jurídica da pessoa coletiva da qual foi emanado e abrange os cidadãos
fora da sua qualidade de funcionários, aliás, abrange cidadãos quem nem
funcionários daquela pessoa coletiva são. A qualificação dos regulamentos
administrativos em externos ou internos também levanta questões quando estes
regulam a atuação dos funcionários da pessoa coletiva da qual foram emanados.
No entanto, para este problema, penso, que a solução se apresenta mais fácil,
pois bastaria observar se estes regulam a atuação dos funcionários na sua
qualidade de funcionários (seria então um regulamento interno) ou se já
“atingem” na sua qualidade de cidadãos (regulamento externo). O professor Vasco
Pereira da Silva considera que só existem regulamentos externos, porque,
segundo este, todos os regulamentos acabam por ter efeitos externos à pessoa
coletiva da qual são emanados.
O artigo
135º do novo CPA afirma que “Para efeitos do disposto no presente código,
consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e
abstratas que, no exercício de poderes administrativos, visem produzir efeitos
jurídicos externos”, ou seja, parece que deste artigo resulta que as normas
referentes a regulamentos no CPA só serão aplicadas aos regulamentos externos,
pois, este só considera como regulamentos administrativos “…as normas gerais e
abstratas que, no exercício de poderes administrativos, visem produzir
efeitos jurídicos externos”. Na minha opinião, esta disposição levanta
algumas dúvidas como: Qual a natureza jurídica dos regulamentos internos e que
regras lhe aplicar.
O Professor Blanco Morais afirma que
estes não foram “expulsos” do CPA, como alguma doutrina afirmava, mas estão num
“semi-limbo”. Isto, porque, o CPA refere no artigo 136º nº4 que os regulamentos
internos carecem de norma habilitante na mesma, mas que não têm natureza
regulamentar para efeitos do disposto no seguinte capítulo. Para o Professor
Blanco Morais as consequências que tanto o artigo 135º como o artigo 136 nº4
trazem para os regulamentos internos são as seguintes:
- Estes estão na mesma sujeitos ao princípio da legalidade, pois necessitam de uma lei habilitante, podendo ser considerados inválidos caso essa lei não exista;
- Os regulamentos internos não estão sujeitos as regras dos artigos 97º a 101º do CPA. Contudo, isto não foi uma mudança trazida pelo novo CPA, pois “… a doutrina entendia então, que no silêncio da lei, que as suas disposições em matéria regulamentar apenas teriam por objeto os regulamentos com eficácia externa”[4]. Daqui podemos retirar que a discricionariedade da Administração Pública nos regulamentos internos é grande, mas, ainda assim, estes podem ser alterados pelo direito de petição previsto no artigo 52º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
- “Os regulamentos internos com a natureza de circulares, diretrizes, instruções e códigos de conduta assumem natureza vinculativa, enquanto as recomendações e manuais de boas práticas se parecem situar mais no domínio da soft law”[5]. Isto porque, as circulares, diretrizes, instruções e códigos de conduta estão submetidos ao princípio da legalidade (artigo 136º nº4 do CPA). Penso que é importante neste ponto esclarecer o conceito de soft law, soft law são regras cujo valor normativo é limitado e que não são juridicamente obrigatórias, quer isto dizer, que são regras que não são direito mas são algo muito similar às normas de direito;
Na minha opinião, devido à complexidade de
qualificar um regulamento em interno ou em externo é um trabalho difícil, como
vimos supra, pois, para alguns professores basta um regulamento, de um
hospital, ter efeitos nos utentes que já é um regulamento externo e outros
consideram ser regulamentos internos. O Professor Vasco Pereira da Silva até
considera que os regulamentos internos não existem, como já expliquei. Portanto,
penso que o CPA decidiu deixar de parte a regulamentação deste tipo de regulamentos,
visto que, a pura e simples qualificação de um regulamento em interno ou
externo é controversa. Penso, que basta um regulamento ter efeitos externos, ou
seja, recair sobre, por exemplo, os utentes de um hospital para já ser um
regulamento externo e, consequentemente, estar sujeito à regulação do CPA.
[1] MARCELO
REBELO DE SOUSA, Direito Administrativo Geral II, 2ª Ed (2009), 248.
[2] MARCELO
REBELO DE SOUSA, Direito Administrativo Geral II, 2ª Ed (2009), 258.
[3] DIOGO
FREITAS AMARAL, Curso de Direito Administrativo II, 2ª Ed (2011), 191.
[4] CARLOS
BLANCO MORAIS, Novidades em Matéria da Disciplina dos Regulamentos no Código de
Procedimento Administrativo, 8.
[5] CARLOS
BLANCO MORAIS, Novidades em Matéria da Disciplina dos Regulamentos no Código de
Procedimento Administrativo, 9.
Comentários
Postar um comentário