Os princípios dos procedimentos administrativo

Os princípios dos procedimentos administrativo

O professor Diogo Freitas do Amaral define o procedimento administrativo como a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da Administração ou à sua execução. O professor Rogério Soares define como um conjunto de atos funcionalmente ligados com vista a produzir um certo resultado, um efeito único.
O procedimento administrativo é uma sequência visto que os vários elementos, incluindo os atos e as formalidades, estão dispostos ao longo de tempo segundo uma sucessão ordenada. Essa ordenação é determinada pela lei, sendo assim juridicamente ordenada, sendo que define os atos a praticar, os prazos, a ordem das formalidades e o momento em que cada ato deve ser praticado. A atividade administrativa é em larga medida uma atividade procedimental, visto que não se esgota apenas na decisão final, visto que esta é precedida de um conjunto complexo de atos preparatórios.
O procedimento administrativo tem por objeto um ato da Administração, e isso juntamente com o envolvimento da Administração Pública dá caráter administrativo. Na parte III do CPA encontram-se as disposições aplicáveis à generalidade dos procedimentos administrativos (art. 53º a 95º) e disposições especificamente aplicáveis ao procedimento do regulamento e do ato administrativo (art. 96º a 134º).
Tem por finalidade preparar e exteriorizar a prática de um ato ou a respetiva execução. Daqui decorre a distinção entre procedimentos decisórios e executivos.
De acordo com o art. 267º da Constituição da República Portuguesa, os grandes objetivos da regulamentação jurídica do procedimento administrativo são disciplinar o desenvolvimento da atividade administrativa, esclarecer o melhor possível a vontade da Administração, salvaguardar os direitos dos particulares, assegurar a participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito. Estas são as funções da regulamentação legal do procedimento administrativo, e a sua concretização é através de princípios, que são fundamentais para o procedimento administrativo.
O primeiro princípio é o do carácter documental. O procedimento administrativo assume uma forma escrita ou eletrónica. Das diligências realizadas oralmente são lavrados autos e termos. A exigência deste principio deve-se por um lado à necessidade de as decisões serem suficientemente ponderadas e por outro uma forma de conservar para o futuro um registo do que se fez, do que se disse e do que se votou. Este princípio está consagrado no art. 64º do CPA.
A natureza inquisitória constitui um outro princípio do procedimento administrativo. Segundo o artigo 58º CPA, o responsável pela direção do procedimento e outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados. A Administração Pública tem um papel ativo no procedimento administrativo, com iniciativa que lhe permite cumprir a sua função primária, de satisfação do interesse público. Ao contrário da Administração Pública que é ativa, os tribunais são passivos.
 Outro princípio é o da simplificação do formalismo, que pretende tornar o procedimento administrativo menos formalista e rígido, e torná-lo mais maleável. Deve-se ao facto de a lei apenas determinar quais as linhas gerais de atuação e determina as formalidades essenciais, e, portanto, tudo o resto pode variar conforme cada caso. A forma de atuar compete à Administração Pública assim como a forma de conduzir o procedimento da forma que considerar mais ajustada, com a limitação de o fazer conforme os limites impostos pelas regras constitucionais e legais. Nesse sentido, rege o princípio da adequação procedimental, visto que o responsável pela direção do procedimento goza de discricionariedade na respetiva estruturação, que deve ser orientada pelos interesses públicos da participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na preparação da decisão (art. 56º CPA).
O princípio da estreita colaboração da Administração com os particulares relaciona-se com a ideia de que a melhor de prosseguir as tarefas da Administração de um Estado democrático requerer a colaboração permanente daquela com os particulares, consagrado no art. 11º CPA. Quando seja possível ao particular provar em tribunal, de forma inequívoca, que a Administração não agiu em estreita colaboração com ele, é duvidoso se isso pode conduzir à invalidade do ato definitivo ou se só pode constituir fundamento de responsabilidade disciplinar de quem agiu contra legem, bem como de responsabilidade civil da Administração, seus órgãos ou agentes. No 2º do artigo referido, encontramos uma ressalva para os particulares, uma vez que é dito que a Administração poderá ser responsabilizada pelas informações que dê aos particulares, sob forma escrita, ainda que não seja obrigatório. Sobre este nº2 é importante referir dois pontos, o primeiro é que a Administração apenas tem um dever de informar e não uma obrigação, mas uma vez dando essa informação torna-se evidente que deverá se responsabilizada.
O princípio do direito de informação dos particulares, garantido legalmente no artigo 82º CPA e é um princípio que tem ganho maior relevo, uma vez que tradicionalmente existir um carácter secreto do procedimento administrativo pelo que os particulares nada poderiam saber sobre os casos em que tivesse interesse. Contudo, sendo a publicidade e a transparência da administração pública exigências normais de um moderno Estado de Direito, o artigo 268º da CRP estabelece o princípio contrário, na medida em que os particulares têm o direito de ser informados sobre o andamento dos processos que se encontrem diretamente interessados sempre que o requeiram, ao longo de todo o procedimento. Para tal, basta que o particular seja interessado diretamente no processo e que faça o requerimento para obter a informação. O direito à informação procedimental está legalmente regulado nos art. 82º a 85º CPA, e apresenta três direitos: o direito à prestação de informações, o direito à consulta do processo, e o direito à passagem de certidões. Os restantes cidadãos, nos dias de hoje parecem também ter acesso devido a tendência de aceitação do sistema do arquivo aberto. É reconhecido a todos os cidadãos, em geral, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos. E o art. 17º, n.º1 CPA consagra o princípio da administração aberta, segundo o qual todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.
Quanto ao princípio da participação dos particulares na formação de decisões que lhes respeitem encontra-se no disposto do artigo 267/5º CRP. Os órgãos administrativos devem assegurar a participação dos particulares nas decisões que lhes dizem respeito, assim como assegurar o mesmo a todas as associações que se encontrem a defender o interesse de particulares, presente no artigo 12º do CPA. São várias a formas de como este direito se pode manifestar: direito de audiência prévia, direito de formular sugestões à Administração, direito de prestar informações, ónus dos interessados durante a fase de instrução do procedimento.
Quanto ao princípio de decisão, consagrado no artigo 13º CPA, estabelece que os órgãos administrativos têm “o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentado e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da CRP, das leis ou do interesse público” (n.º1). Deste modo, sempre que solicitada, a Administração deve pronunciar-se, de modo a facilitar a proteção dos particulares em face de omissões administrativas ilegais. O nº2 do mesmo artigo pretende excluir o dever de decisão quando a Administração tenha decidido expressamente há menos de dois anos uma pretensão idêntica. Esta questão provoca divergências na doutrina, sendo que o Professor Freitas do Amaral e o professor Vieira de Andrade defendem que ao permitir-se que o órgão administrativo não se tenha de pronunciar duas vezes relativamente ao mesmo pedido quando o tenha feito há menos de dois anos, salienta que passados esses dois anos tem mas tem de reapreciar, se tal for referido, ainda que com os mesmos fundamentos anteriores, os seus atos de indeferimento.
No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, com o nº 046256 de processo de 31 de março de 2004, e apesar de não conter as alterações que o Código de Procedimento Administrativo sofreu em 2015, é importante para salientar que o princípio da decisão pode ter dois subprincípios: o da pronúncia que obriga a Administração a tomar sempre posição perante qualquer petição formulada por um particular, correspondendo a tal dever o direito fundamental de petição, em matérias que lhes digam respeito à Constituição e às leis dos cidadãos e o da decisão que é o dever legal de decisão procedimental, que se liga a uma exigência de conclusão dos procedimentos, com a consequente prática de um ato administrativo.
O princípio da desburocratização e eficiência encontra-se legalmente configurado no artigo 5º do CPA, sendo que Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade, que devem ser aplicados no procedimento administrativo, sendo que possibilitam uma utilização racional dos meios ao seu dispor, simplificando o mais possível as suas operações assim como a relação com os particulares. No entanto, é um princípio que consiste num objetivo difícil de concretizar e que se encontra regularmente com necessidade de renovação das estruturas e métodos de funcionamento a fim de se cumprir este objetivo. O legislador tem apostado na generalização da utilização de meios eletrónicos, para promover a eficiência e a transparência administrativas e a proximidade com os interessados (art. 14º, n.º 1 e 4 e art. 61º a 64º CPA). Assim como, a previsão no CPA de 2015 da possibilidade de virem a ser instituídas conferências procedimentais, no sentido de promover a eficiência, a economicidade e a celeridade da atividade administrativa (art. 77º ss CPA), que procuram um exercício conjunto das competências decisórias dos órgãos participantes através de um único ato complexo (conferencias deliberativas) ou ao exercício individualizado, mas simultâneo, das competências dos órgãos participantes, através da prática, por cada um deles, de atos administrativos autónomos – conferencias de coordenação.
O princípio da cooperação leal com a União Europeia, presente no artigo 4º/3 TUE, e o princípio da cooperação leal com a União Europeia surge no artigo 19º CPA, vinculando a Administração Pública portuguesa a relacionar-se com a Administração dos outros Estados-membros e com a Administração da própria União Europeia. A cooperação leal pode envolver a prestação de informações, a apresentação de propostas ou quaisquer outras formas de colaboração entre as Administrações públicas da União e dos restantes Estados.
O último princípio fundamental do procedimento administrativo é o princípio da gratuitidade que ressalva no artigo 15º CPA, que o procedimento é tendencialmente gratuito. A utilização da expressão “tendencialmente” é motivada por, por vezes, existirem leis especiais que podem impor o pagamento de taxas ou de despesas efetuadas pela Administração Pública. Contudo, o nº2 do artigo mencionado, reforça que em caso de insuficiência económica, a Administração isenta, total ou parcialmente, o interessado do pagamento das taxas ou despesas referidas.
Também é de importante fazer referência ao art.18º do CPA relativamente a proteção de dados.
Deste modo, é possível concluir que o procedimento administrativo respeita um conjunto de princípios fundamentais que visam, a estipulação de um conjunto de premissas que regulam a execução da atividade administrativa da Administração Pública, que pretende evitar situações que possam gerar nulidade, invalidade ou inexistência de qualquer ato administrativo que compõem este mesmo procedimento.






Tiago Peyroteo


Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo volume II, 2016, 3ª edição, Almedina;
Almeida, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2015.


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