O princípio da boa-fé no Direito Administrativo
O princípio da boa-fé no Direito
Administrativo
O instituto da boa-fé nasceu no direito
privado; regula as relações entre os privados e é, hoje, alvo de inúmeras
interpretações ético-jurídicas. Traduz um conjunto de deveres, desde logo o
dever de lealdade, segurança, solidariedade, manutenção, cumprimento de certas
regras e deveres que as partes devem tomar nas relações negociais,
independentemente daquilo que fosse regulado pelo ordenamento jurídico. Assim
se pensava já no período romano.
No ramo do direito privado, a boa-fé
divide-se em boa-fé objetiva e boa- fé subjetiva. A primeira consiste num
conjunto de normas/padrões morais de conduta dominantes em determinado contexto
social pelas quais os sujeitos se regem; a segunda consiste numa avaliação
pessoal, interior e psicológica do sujeito.
Já consolidada no direito privado, a
boa-fé tardou em ser consagrada pelo direito público. Com a revisão
constitucional de 1997, este princípio passou a estar consagrado na
Constituição como um dos princípios vinculativos da Administração Pública:
artigo 266º/2 (no exercício de sua
função a Administração, mediante seus órgãos e agentes, deve atuar conforme a
boa fé).
Não é, então, negável, que este princípio
também se aplica à Administração Pública na sua relação com os particulares. No
CPA, a boa-fé está consagrada no artigo 10º, no nº 1 e nº2: além dos agentes e órgãos administrativos,
os particulares também devem observar o princípio da boa-fé quando integrarem
um vínculo com a Administração Pública. Nas palavras do professor Freitas do
Amaral, a autonomização do princípio da boa-fé no CPA deve-se à “necessidade
premente de criar um clima de confiança e previsibilidade no seio da
Administração Pública”. No direito administrativo, a boa-fé visa proteger os
interesses dos particulares face à atuação da Administração, e vice-versa. A
atuação, não só dos particulares, mas também da Administração Pública, com base
nas regras gerais da boa-fé e nos valores fundamentais do Direito, traduz a
ideia de um Estado Democrático. Portanto, o princípio da boa-fé constitui uma ferramenta eficiente para a
sustentação normativa de qualquer atividade administrativa contrária ao que
está determinado em outras normas, estipulando limites normativos à atuação
administrativa discricionária.
Concretização do princípio da boa-fé
Quanto à sua concretização, ela é feita
através de dois princípios: o princípio da tutela da confiança e o princípio da
materialidade subjacente. Quanto à tutela da confiança, esta debruça-se numa
série de institutos. Em primeiro, o que vem estabelecido no artigo 167º do CPA
quanto à revogação de atos administrativos válidos constitutivos de direitos ou
de interesses legalmente protegidos; ou no dever de modificar unilateralmente o
conteúdo de um contrato administrativo, de modo a prosseguir um interesse
público (por exemplo, destruir um terreno de um particular, de boa-fé, para
construir uma estrada).
Situações em que a Administração Pública
atue de má-fé correspondem sobretudo a situações de abuso de poder e de
“arbítrio administrativo”. A sua atuação não pode ser contrária aquela que era
esperada pela outra parte, não pode culpar o particular por um ato que ela o
incentivou a tomar, não pode mudar o critério de atuação injustificadamente,
etc. São 4 os pressupostos da tutela da confiança:
-
Situação de confiança: ligada à boa-fé subjetiva, já definida inicialmente;
-
Justificação de confiança: existência de elementos suficientemente objetivos
que sejam capazes de criar uma crença;
- Investimento da confiança: atuações/atividades/comportamentos tomados com base nessa crença;
- Imputação da situação de confiança: implica a existência de um autor a responsabilizar e a quem se deva imputar a confiança criada pelo tutelado.
Os mesmos pressupostos são aplicados nas relações entre privados. Não há qualquer hierarquia entre os 4 pressupostos, não existem uma ordem específica de verificação nem se exige que estejam todos presentes, basta que aqueles que o estejam sejam suficientemente justificáveis: operam em sistema móvel.
Por outro lado, o princípio da materialidade
subjacente vem a preferir a justiça material à conformidade formal. Quer isto
dizer que não basta que o comportamento/atuação seja conforme com a ordem
jurídica, é necessário que se pondere uma série de valores que evitem que tal
atuação leve a uma solução materialmente injusta. Sobrepõe-se portanto a
situação que se mostre mais útil e proveitosa.
De qualquer modo, tanto um princípio como
outro são um conjunto de mecanismos protetores dos interesses das partes, que
procuram evitar a quebra injustificada da confiança criada com base em certa
atuação/comportamento, não bastando a mera conformidade legal se contraposta
com a justiça material. Desse modo, os 2 princípios estão relacionados e
ligados ao princípio da boa-fé. O princípio da tutela da confiança visa
proteger qualquer expectativa gerada pela Administração Pública com base na sua
forma de atuação no caso dos interesses dos cidadãos acabarem por ser
prejudicados; ainda assim desde que se prossiga, justificadamente, um interesse
público a conduta tomada pela Administração Pública pode ser por ela alterada.
O princípio da materialidade subjacente prioriza as necessidades do cidadão,
nos casos em que excesso de
formalismo venha a se revelar como um entrave à concretização do objeto mais proveitoso.
Embora se tenha dito que a o princípio da
boa-fé atende sobretudo à atuação da Administração Pública, os particulares
devem igualmente agir de boa-fé. Daí essa exigência ser mutuamente reconhecida
e atuar em via dupla.
João Manuel Andrade Morais.
58452
2º ano, subturma 17
2º ano, subturma 17
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