MEDIDAS PROVISÓRIAS

MEDIDAS PROVISÓRIAS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


As medidas provisórias apresentam-se no Código de Procedimento Administrativo nos artigos 89.º e 90.º. 

A Professora Sandra Lopes Luís define as medidas provisórias como: 

“as decisões da Administração, temporalmente delimitadas e dependentes de um procedimento principal, que visam a defesa de certos interesses públicos e privados, de modo a assegurar a eficácia e operatividade da decisão final desse procedimento principal”

E o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, como:

“os actos administrativos de finalidade cautelar, mediante os quais se visa evitar a inutilização prática dos interesses públicos que um determinado procedimento administrativo visa prosseguir; trata-se, portanto, de actos provisórios”

Assim as medidas provisórias de Direito administrativo, apesar de instrumentais ao procedimento principal, constituem-se como decisões administrativas (logo, unilaterais) que visam salvaguardar os mesmo interesses que este procedimento. Mas, por sua vez, implicam em apenas uma solução precária acerca da proteção desses interesses, que acaba por ficar sujeita a modificação da decisão final. As medidas provisórias dependem do procedimento administrativo principal porque com a decisão definitiva deste (artigo 90.º alínea a)) ou expirado seu prazo (alínea c)) elas caducam. Em uma palavra, escreve Vítor Manuel Freitas Vieira que em sentido estrito visa-se assegurar a eficácia da decisão final e em sentido amplo assegurar a normalidade do procedimento.

O Professor Mário Aroso de Almeida classifica os tipos de medidas provisórias entre: 
  1. Conservatórias ou Antecipatórias: consoante queria manter-se uma situação fáctica (v.g. suspensão preventiva de funções) ou alterá-la (v.g. atribuição provisória de subsídios por razões de carência económica).
  2. Especificadas ou Não Especificadas: consoante haver ou não liberdade para a Administração criar o conteúdo da medida provisória. A expressão “ordenar as medidas provisórias que se mostrem necessárias” pode ser interpretada no sentido de aplicar o que fora previsto pelo legislador (medida provisória vinculativa) ou dar margem de criação para a Administração aplicar o que melhor for pensado para o caso (medida provisória discricionária). 
  3. Normativa ou Não Normativa: consoante revistam caráter geral e abstrato ou não. 

Os critérios necessários para possibilitar a adoção de medidas provisórias são: (1) o periculum in mora e (2) a ponderação de interesses

1) PERICULUM IN MORA
Está conectado a uma ideia de urgência na atuação que caso não atendida resultará em riscos à uma tutela jurisdicional efetiva, uma vez que uma decisão tardia poderá violar o artigo 20.º da CRP, especificamente o n.º 5. 
A letra do CPA consagra este critério: “…justo receio de, sem tais medidas, se constituir uma situação de facto consumado ou se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos ou privados em presença…”.
O justo receio requer um juízo de probabilidade acerca do avançar da situação de facto já não basta qualquer receio (que é inerente à natureza cautelosa destas medidas), mas também que se preveja quais as possíveis perspectivas futuras e se estas prejudicam exponencialmente os interesses a que a decisão visa tutelar. Ou seja, exige-se uma intensidade e profundidade na afectação do interesse a proteger, ainda que tal possa ser reparável, mas que não se afigura como razoável a sua suportação. 
Os interesses em causa são tanto os públicos (princípio vinculador de toda atividade administrativa - art. 4.º CPA), como os particulares - que a lei tutele e a Administração seja obrigada a respeitar e não prejudicar. 

Há outras consagrações legais do mesmo preceito, designadamente no artigo 120.º/1 alíneas a) e b) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e artigo 362.º/1 do Código de Processo Civil.

2) PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Este critério é inovador face ao CPA de 1991 e é explicitado pela expressão legal “…uma vez ponderados esses interesses, os danos que resultariam da medida se não mostrem superiores aos que se pretendam evitar com a respetiva adoção.”. Esta exigência de ponderação remete para o princípio da proporcionalidade plasmado não só no CPA (artigo 7.º) como também na Constituição (266.º/2). Aqui releva analisar as suas três dimensões: adequação, necessidade e equilíbrio. 
Basicamente o que este critério quer dizer é que adoção da medida provisória não poderá ser mais danosa que a sua não adoção, devendo, provocar danos iguais ou inferiores para os interesses públicos e para os interesses privados normativamente protegidos.
Também nesta sede é provável acontecer conflitos de interesse por falta de coincidência entre eles. A Professora Sandra Lopes Luís faculta um exemplo pertinente em situações de procedimento de fiscalização, onde a adoção de uma medida provisória de encerramento preventivo de um estabelecimento causará danos ao interesse do particular-destinatário - deixando de obter rendimentos -, mas não ferindo qualquer interesse público. Por seu turno, a não adoção desta medida causará danos ao interesse público, designadamente afetação à saúde pública dos trabalhadores e clientes do estabelecimento e também de seus vizinhos.


O conteúdo das medidas provisórias não é fornecido pelo CPA, consequentemente deixando discricionariedade à Administração, como se pode extrair da letra da lei.

Artigo 89.º (Admissibilidade de medidas provisórias)
1 — Em qualquer fase do procedimento, pode o órgão competente para a decisão final, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, ordenar as medidas provisórias que se mostrem necessárias, se houver justo receio de, sem tais medidas, se constituir uma situação de facto consumado ou se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos ou privados em presença, e desde que, uma vez ponderados esses interesses, os danos que resultariam da medida se não mostrem superiores aos que se pretendam evitar com a respetiva adoção.

discricionariedade de ação quando o legislador permite à Administração adotar ou não medidas provisórias, e há discricionariedade criativa, quando o legislador possibilita que a medida a ser adotada tenha que se mostrar necessária, fazendo, então, uso de um conceito indeterminado que será averiguado consoante o caso concreto e a diligência da Administração. A discricionariedade como se sabe, em geral, não quer dizer arbitrariedade, pelo contrário: encontra-se fundada no princípio da legalidade (em sentido amplo); é, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, um poder-dever jurídico e não uma mera liberdade. No caso das medidas provisórias não é diferente, portanto, as vinculações legais são os seus limites.


O artigo 89.º ainda nos fornece no seu n.º 1 a quem cabe iniciar o procedimento de uma medida provisória: pode ser por iniciativa particular ou por iniciativa pública. Na iniciativa particular a Administração adota as medidas provisórias através de um requerimento dos interessados e estes interessados são aferidos com base no artigo 68.º CPA (ex vi artigo 65.º/2). Na iniciativa pública a Administração adota por iniciativa própria (oficiosamente) a medida provisória e a legitimidade para tal é de qualquer órgão que integre a Administração pública e tenha competência para a decisão final do procedimento administrativo principal. A Professora Sandra Lopes considera ainda serem competentes para a decisão final os particulares aos quais sejam atribuídas tarefas públicas e que tenham competência para praticar o ato relativo ao procedimento principal, isto com base no artigo 2.º do CPA.

Artigo 68.º (Legitimidade procedimental)
1 — Têm legitimidade para iniciar o procedimento ou para nele se constituírem como interessados os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses coletivos ou proceder à defesa coletiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no âmbito dos respetivos fins.
2 — Têm, também, legitimidade para a proteção de interesses difusos perante ações ou omissões da Administração passíveis de causar prejuízos relevantes não individualizados em bens fundamentais como a saúde pública, a habitação, a educação, o ambiente, o ordenamento do território, o urbanismo, a qualidade de vida, o consumo de bens e serviços e o património cultural:
  1. Os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e os demais eleitores recenseados no território português;
  2. As associações e fundações representativas de tais interesses;
  3. As autarquias locais, em relação à proteção de tais interesses nas áreas das respetivas circunscrições.
3 — Têm, ainda, legitimidade para assegurar a defesa de bens do Estado, das regiões autónomas e de autarquias locais afetados por ação ou omissão da Administração, os residentes na circunscrição em que se localize ou tenha localizado o bem defendido.
4 — Têm igualmente legitimidade os órgãos que exerçam funções administrativas quando as pessoas coletivas nas quais eles se integram sejam titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos, poderes, deveres ou sujeições que possam ser conformados pelas decisões que nesse âmbito forem ou possam ser tomadas, ou quando lhes caiba defender interesses difusos que possam ser beneficiados ou afetados por tais decisões.


Em relação a audiência prévia, o CPA de 2015 vem se pronunciar sobre a necessidade ou não de haver, já que o CPA de 1991 era omisso quanto ao assunto. O preceito da lei resulta que a medida provisória “não carece de audiência prévia” e isso é assim como base na urgência inerente à tais medidas e a consequente necessidade de simplificação dos trâmites. Por sua vez, a doutrina da mesma Professora recai na ideia de que trata-se de uma mera possibilidade da não realização da audiência prévia, que deverá ser decidida pelo órgão decisor casuisticamente, não descartando casos em que esta possa e até deva ser realizada. Esta opinião é sustentada com base na discricionariedade de ação (já supra caracterizada) revelada tanto pelo artigo base 89.º/1 CPA como pelos artigos 100.º/3 alínea a) e 124.º/1 alínea a), ambos do CPA. É sabido que a discricionariedade é limitada pelo fim público, pelos princípios administrativos e também pelos direitos fundamentais. É exatamente neste último que a audiência prévia recai e, logo, só poderá ser restringido com base no princípio da proporcionalidade (art. 7.º CPA ex vi 18.º/2 CRP). Foi neste sentido que decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão 11329 de 23/10/14. 


A fundamentação é também condição de existência conforme o n.º 2 do artigo 89.º - “[a medida provisória] deve ser fundamentada”. Este dever resulta desde logo da Constituição, no artigo 268.º/3, e também do próprio CPA, nos artigos 151.º a 154.º. E com esta pretende-se justificar a prática de um determinado ato, apresentando as razões (de facto e de direito) que a Administração pública teve para fazê-lo. A fundamentação tem que constar no momento da adoção da medida provisória, da sua alteração e da sua revogação. A ratio da fundamentação é precisamente a proteção dos destinatário da medida que pode ter seus direitos ou interesses legalmente protegidos afetados, de maneira desfavorável. Não só estes, mas também os contra-interessados (na expressão da Professora Sandra Lopes Luís) que, quando se trate de uma alteração ou revogação da medida que beneficie o destinatário, são os que têm interesse na sua existência. 

Finalmente, consoante a cessação das medidas provisórias temos duas possibilidades: a revogação, que ocorre por parte do órgão competente para a decisão final quando cria uma nova decisão administrativa; e a caducidade, quando decorra de um facto jurídico posterior - estes são elencados nas alíneas do artigo 90.º CPA. 

Artigo 90.º (Caducidade das medidas provisórias)
Salvo disposição especial, as medidas provisórias caducam quando:
  1. Seja proferida decisão definitiva no procedimento;
  2. Expire o prazo que lhes tenha sido fixado ou a respetiva prorrogação;
  3. Expire o prazo fixado na lei para a decisão final;
  4. A decisão final não seja proferida dentro dos 180 dias seguintes à instauração do procedimento.
A alínea b) relaciona-se com o prazo fixado para a medida ser válida, ou seja, é referido um evento futuro e certo na própria medida provisória que no momento de sua verificação a faz caducar. 

As alíneas a), c) e d) são inseparáveis do procedimento principal ao qual a medida provisório se refere. 

  • A alínea a) deve ser objeto de uma interpretação teleológica a qual prevê a caducidade da medida provisória quando houver eficácia da decisão final e não antes (quando só há validade). 
  • A alínea c) remete implicitamente para o artigo 128.º CPA sobre as regras gerais do prazo a decisão do procedimento administrativo. 
  • A alínea d), no entendimento da Professora Sandra Lopes Luís, não traduz nenhuma utilidade uma vez que parece sobrepor-se ao conteúdo da alínea c), e mesmo que se tentássemos aplicar nos casos onde não se estabelece prazo para a decisão final (diplomas especiais) isso não se coadunaria com a natureza cautelar das medidas provisórias. 
Ao invés disto, a Professora indica outros casos em que considera haver caducidade da medida provisória, que são os casos onde um motivo leva a extinção do procedimento principal. São eles: desistência (131.º CPA), renúncia (131.º CPA), deserdação (132.º CPA) e impossibilidade ou inutilidade superveniente e falta de pagamento de taxas ou despesas (133.º CPA). E também, obviamente, por perda de objeto - v.g. cessação de certa atividade ou o encerramento de certo estabelecimento aos quais se aplicavam as medidas provisórias. 



BIBLIOGRAFIA

LOPES LUÍS, Sandra, “As medidas provisórias no (novo) CPA”, em Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo - Volume I, 4ª Edição (2018)

AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo (2013)

FREITAS VIEIRA, Vítor Manuel, O Novo Código do Procedimento Administrativo - Perguntas e Respostas (2016). 

AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo II (2016)

SOUSA, Marcello Rebelo de, Direito Administrativo Geral - Tomo III (2007)




Lucca Maia Beliene, 57600, Subturma 17

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