Invalidades do ato administrativo


Invalidades do ato 
A invalidade pode ser classificada como o valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo devido a sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir. Se o ato administrativo violar a lei, é um ato administrativo ilegal, contudo, para além da ilegalidade, existem outras fontes de invalidade dos atos administrativos, tais como a ilicitude ou os vícios da vontade.
Relativamente a ilegalidade do ato administrativo, quando nos referimos ao ato ser contrário a lei incluímos a Constituição, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos, nas suas cláusulas de caráter normativo, os atos administrativos constitutivos de direitos com força de “caso decidido”, ou seja, menciona-se  todo o bloco legal que serve para aferir da legalidade ou ilegalidade de um ato administrativo.
Os vícios do ato administrativo são as várias formas que a ilegalidade do ato administrativo pode assumir, isto é, são as formas específicas que pode revestir. As ilegalidades de um ato administrativo podem ser fundamentalmente de natureza orgânica (usurpação de poder e incompetência), de natureza formal (vício de forma) ou de natureza material (violação da lei ou desvio de poder).
Na análise específica destes vícios, podemos concluir que a usurpação de poder é o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador, ou do poder judicial e, portanto, excluído das atribuições do poder executivo. Há a violação do princípio da separação de poderes (111º CRP). Marcello Caetano definia o vício de usurpação de poder como a prática pela Administração de um ato jurídico nas atribuições do poder judicial, não fazendo qualquer referência à invasão do poder legislativo, e esta definição relaciona-se com a origem histórica que motivou a sua autonomia, ligada à origem do Direito Administrativo Moderno (Revolução Francesa, 1789, que consagrou a separação de poderes) e, em contrapartida, estabeleceu-se também a proibição de a Administração se imiscuir nas questões judiciais. Passou-se a falar da usurpação do poder legislativo, da usurpação do poder moderador e da do poder judicial.
O vício que consiste na prática, por um órgão administrativo de um ato que está incluído nas atribuições ou competências de outro órgão é definido como incompetência, para tal é necessário que o órgão administrativo invada a esfera que é própria de outro órgão administrativo, ainda que dentro do mesmo âmbito do poder administrativo. Existem várias modalidades de incompetência, nomeadamente, absoluta, relativa, em razão de matéria, em razão da hierarquia, em razão de lugar e em razão de tempo. 
O vício de forma é aquele que consiste na preterição de formalidades essenciais (vício procedimental) ou na carência de forma legal (vício de forma em sentido restrito). Existem três modalidades deste vício que são a preterição de formalidades anteriores à prática do ato (por exemplo, a falta de audiência prévia dos interessados num procedimento administrativo quando não tenha sido nem esteja dispensada), a preterição de formalidades relativas à prática do ato (por exemplo, regras sobre a votação em órgãos colegiais) ou a carência de forma legal.
O desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei quando atribuiu o poder, ou seja, é necessário concluir qual é o fim visado pela lei ao atribuir o poder discricionário a um órgão administrativo (fim legal), de seguida analisar qual foi o motivo principal determinante para a realização do ato administrativo (fim real) e ainda determinar se o motivo principalmente determinante condiz ou não com o fim legal estabelecido, para o ato ser legal e válido, tem de haver coincidência.
Pode ocorrer desvio de poder para fins de interesse público (quando o fim visado é de interesse público, mas diferente do que a lei estabeleceu) e para fins de interesse privado (segue esse fim privado, em vez de prosseguir o fim público – art. 161º nº2 e) CPA).  Em qualquer dos casos, o ato apresenta um desvio de poder e é, por isso, ilegal e inválido.
Pode ocorrer uma cumulação de vícios, quando um ato administrativo pode ser ferido simultaneamente de várias ilegalidades, sendo que os vícios são cumuláveis.

O vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis é a violação da lei, ou seja, uma ilegalidade de natureza material, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que é contrária à lei. Este vício verifica-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decide de forma diferente do que esta estabelecido na lei ou quando nada decide e a lei mande decidir algo, contudo também pode acontecer no exercício de poderes discricionários, quando forem infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais, ou seja os princípios já estudados em aula, como o princípio da proporcionalidade ou o princípio da boa fé, se ocorrer uma ofensa a algum destes princípios, há violação de lei. Existem várias modalidades, tais como, a falta de base legal, o erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação de normas jurídicas, a incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo ou do objeto do ato administrativo, a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativamente ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo, a ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato. O vício de violação de lei tem um caráter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não se inserem especificamente nos outros vícios.
Existem outras formas de invalidade para além da ilegalidade.
Apesar de normalmente a ilicitude coincidir com a ilegalidade, pode existir um ato que seja ilícito, mas que é legal, como é o caso de um ato administrativo que, sem violar a lei, ofenda um direito subjetivo ou um interesse legítimo de um particular, sendo este um caso de ilicitude, outro exemplo é quando há uma ofensa aos bons costume e a ordem pública por um ato administrativo (280º/2 C.C.).
Outra forma de invalidade do ato administrativo são os vícios de vontade, ou seja, o erro, dolo e a coação. É importante ter em conta que é necessário que a vontade seja esclarecida e livre, visto que se isto não acontecer e for determinada por um vício da vontade, há uma vontade inquinada, que deve levar a invalidade do ato, sendo que não é apropriado dizer que houve uma violação da lei, visto que houve a falta um requisito que a lei exige para que o ato possa ser válido, e nem toda a falta de requisitos legais consubstancia uma ofensa à lei.
Na opinião do professor Freitas do Amaral, quando estamos perante atos vinculados, os vícios da vontade são em princípio irrelevantes: ou o órgão administrativo aplicou corretamente a lei ou, inversamente, o órgão administrativo violou a lei, sendo o ato ilegal seja qual for a razão ou a causa dessa ilegalidade. Nos atos discricionários, a vontade real do órgão administrativo torna-se relevante, visto que a lei lhe concede autonomia, e foi no exercício desta que a decisão foi tomada, sendo necessária uma vontade livre e esclarecida, sendo que a maioria da doutrina defende que neste caso, os vícios da vontade têm relevância autónoma (Marcelo Caetano não concorda).

Ainda é possível aborda a nulidade e anulabilidade que são outras formas de invalidade.
A nulidade é a forma mais grave da invalidade, segundo o professor Freitas do Amaral, apenas é aplicada quando a lei expressamente estabelece, sendo a regra geral a anulabilidade dos atos, assim a nulidade apresenta-se como uma sanção excecional. Contudo, o professor Vasco Pereira da Silva discorda, remete para o artigo 161º do CPA, onde esta regra da excecionalidade não existe.
O ato nulo é totalmente ineficaz desde o início, ou seja, não produz qualquer efeito independentemente da declaração de nulidade (162.º/1 CPA), é insanável pelo decurso do tempo (162.º/1 CPA) e por ratificação (164.º/1 CPA). O ato nulo não pode ser transformado em ato válido, mas podem ser atribuídos efeitos jurídicos a situações de facto, tendo em conta o princípio da boa fé ou outros princípios jurídicos constitucionais, associados ao decurso do tempo (art. 162.º/3 CPA). Não há o dever de obediência perante atos nulos, os particulares têm o direito de resistência passiva, tal como é referido pelo professor João Caupers, os funcionários públicos confrontados com um ato nulo têm o direito de desobediência e aos cidadãos, em circunstâncias idênticas, é concedido o direito fundamental de resistência (art. 21º da CRP). Um ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo (art. 162.º/2 CPA), e pode ser conhecida, também a todo o tempo, por qualquer autoridade administrativa ou por qualquer tribunal (CPA 162.º/2). A sentença proferida sobre um ato nulo é uma declaração de nulidade (com natureza meramente declarativa.
Relativamente a discordância apresentada pelo professor regente e o professor Freitas do Amaral, associa-se a discussão (desenvolvida pela doutrina) de saber se o artigo 161º do CPA consiste numa enumeração taxativa ou meramente enunciativa. Tendo em conta que o número 2 deste mesmo artigo usa a expressão “designadamente”, expressão esta que é comummente usada pelo legislador para estabelecer enumeração exemplificativas.
Segundo o art. 161.º/1 do CPA são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, sendo que os casos de nulidade estão presentes, no único preceito genérico, no número 2 do mesmo artigo, através de uma enumeração de situações-tipo, contudo há leis especiais que estabelecem nulidades. Contudo, na perspetiva do professor Vasco Pereira da Silva, à nulidade não se aplica taxativamente às situações enumeradas no artigo, mas antes de acordo com a maior gravidade da lesão das mesmas, sendo, por conseguinte, a anulabilidade aplicada às situações menos graves no caso concreto. O professor Freitas do Amaral, em relação ao artigo 161.º/2 CPA é a d), considera que só abrange, os direitos, liberdades e garantias, e os direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza, de modo a não alongar os elenco das nulidades, assim como nos direitos subjetivos públicos de caráter administrativo cuja violação gera anulabilidade.
A nulidade pode também ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo (art. 134.º/2 CPA). Vieira de Andrade e Esteves de Oliveira referem que este artigo deve ser entendido no sentido de que apenas os órgãos administrativos com poder de controlo no caso podem declarar, com força obrigatória geral, a nulidade do ato administrativo, os restantes órgãos que tomem conhecimento da nulidade do ato, podem desaplicá-lo. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim defendem que o ato nulo impõe-se nas relações hierárquicas, exceto se implicar a prática de um crime. – art. 271º/3CRP.

A anulabilidade é uma sanção menos grave do que a nulidade, contudo constitui a regra geral (163º/1 CPA), visto que a nulidade tem um caráter excecional, visto que só nos casos previstos na lei é que o ato inválido é nulo (art.161º/1 CPA) por uma questão de segurança jurídica. Como está presente no art. 163º do CPA, o ato anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado.
A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (art. 164.º/1, do CPA). O ato anulável, se não for por objeto de anulação administrativa oficiosa ou de anulação jurisdicional, resultante de impugnação pelo interessado ou pelo Ministério Público dentro de um certo prazo (CPA, artigo 163.º, n.º 3 e 4; e CPTA, artigo 58.º), acaba por se transformar num ato inatacável. O ato anulável é obrigatório, quer para os funcionários públicos quer para os seus destinatários, enquanto não for anulado. A lei estabelece um prazo para que o ato anulável possa ser impugnado.
Apenas os tribunais administrativos podem anular os atos, por isso, os pedidos de anulação têm de ser feitos perante um tribunal administrativo. A sentença proferida sobre um ato anulável é uma sentença de anulação (natureza constitutiva).
A regra é a de que o ato inválido é anulável, contudo se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação, nem for anulado por iniciativa da própria Administração, ele converte-se num ato válido, isto é, fica sanado.

O incumprimento pode não levar a invalidade do ato, por se tratar de normas meramente indicativas, que se reportam a preceitos instrumentais, sendo que não há uma lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pela norma violada, ou seja, a degradação das formalidades essenciais em não essenciais.
Esses vícios procedimentais, têm como exemplo a figura da irregularidade. O professor Marcelo Rebelo de Sousa afirma que a sanção do ato irregular não se traduz na sua invalidade, mas antes na previsão de efeitos secundários ou laterais, que não afetam a suscetibilidade de produção dos efeitos prototípicos.
Mas, proliferam, igualmente, leis meramente indicativas, quer dizer, leis cujo incumprimento não desencadeia qualquer sanção, mesmo que acessória.
O conceito de irregularidade desdobra-se em dois tipos: no de o vício não afetar a eficácia do ato, e no de a afetar, diminuindo-a ou alterando-a, mas não a impedindo. Um exemplo de um ato irregular é o presente no art. 92º/3,4,5 e 6, em que há a emissão de um parecer depois do termo do prazo estabelecido, o que atrasa a decisão do órgão consulente, ou a pura e simples omissão do parecer devido, sendo que esta demora não invalida o ato, embora possa acarretar responsabilidade do funcionário ou funcionários causadores da demora (CPA, art. 92.º/3, 4, 5 e 6).
Se ocorrer uma cumulação de formas de invalidade, e uma ou mais fontes de invalidade gerarem anulabilidade, e outra ou outras determinarem nulidade, então prevalece a sanção mais forte: o ato é nulo.


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo – volume II, 3ªed., Almedina, 2017
ALMEIDA, Mário Aroso de – Teoria geral do Direito Administrativo, 3ª edição;
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ªed., Âncora editora, 2009
Vasco Pereira da Silva, Aulas Teóricas de Direito Administrativo II




Raquel Cândido Oliveira, subturma 17, nº58155


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