Exercício prático nº4 - Regulamentos
Resolução de caso
prático – Regulamentos
Exercício Prático n.º 4
Comente a seguinte afirmação: “Os
regulamentos internos, que não contendem com a esfera jurídica de ninguém, são
emanados com fundamento no genérico poder de auto-organização interna que assiste
a todas as estruturas organizadas, pelo que não carece de previsão legal que os
legitime”.
Mário Aroso de Almeida,
Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código do
Procedimento Administrativo, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p.142.
Antes de iniciar o comentário a afirmação de Mário Aroso
de Almeida, é importante fazer um enquadramento da matéria e, para tal, será
feito um pequeno destaque relativamente aos regulamentos administrativo, principalmente
em relação a projeção da eficácia.
Os regulamentos administrativos (art. 135º CPA) são as normas jurídicas emanadas no exercício do
poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade
pública ou privada para tal habilitada por lei. Deste modo, retira-se que os
regulamentos são uma forma de agir da Administração que obriga os seus destinatários
e que vincula a futura ação administrativa, segundo o professor Freitas do
Amaral. O professor Mário Aroso de Almeida utiliza a definição utilizada pelo professor
Freitas do Amaral e acrescenta que os regulamentos são fonte de direito e
distingue-se pelo seu conteúdo normativo.
Marcelo Rebelo de Sousa, define o regulamento, como uma
decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de
direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstratas.
Os regulamentos administrativos ao serem normas
jurídicas, revestem a natureza de critérios de decisão e padrão de
comportamento, sendo que possuem validade para todos os casos da mesma espécie,
dentro do respetivo âmbito espacial e temporal de validade. Deste modo,
enquanto norma jurídica, o regulamento apresenta-se como fonte de direito, uma
fonte secundário de Direito Administrativo. A caracterização do regulamento
como norma, dirigida a um número indeterminado de sujeitos para disciplinar um número
indeterminado de situações permite que se possa distinguir do ato
administrativo.
Enquanto norma
secundária que é, o regulamento administrativo encontra na Constituição da
República Portuguesa e na lei o seu fundamento e parâmetro de validade, pelo
que os regulamentos podem tanto ser inconstitucionais como podem ser ilegais,
dependendo das normas que violem. A
validade dos regulamentos depende do seu respeito por um bloco de legalidade,
que para além da Constituição e da lei, também tem de respeitar normas de
Direito Internacional Público e europeu, os princípios gerais de Direito
Administrativo e os regulamentos de hierarquia superior (art.º 143.º do CPA).
Os regulamentos consubstanciam normas jurídicas (elemento material)
emanadas por órgãos de entidades administrativas (elemento orgânico-funcional),
no exercício da função administrativo (elemento funcional), sendo que pretendem prosseguir fins coletivos. Os
regulamentos necessitam sempre de uma lei habilitante (art. 136º, n.º 1 CPA). Sendo regras
de conduta da vida social, são dotadas de generalidade, aplicando-se a uma
pluralidade de destinatários, e são dotadas de abstração, aplicando-se a uma ou
mais situações definidas pelos elementos típicos constantes de previsões
normativas. O regulamento não se esgota numa aplicação.
O poder regulamentar assume-se como um poder indispensável para o
exercício da função administrativa. O primeiro titular do poder regulamentar é
o Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública e ao qual esta
cometido o núcleo essencial da função administrativa, segundo o art. 199º da
CRP. O poder regulamentar encontra-se submetido ao princípio da legalidade,
sendo que não consubstancia um poder próprio e original da autoridade
administrativa, sendo o seu fundamento externo, visto que se baseia numa lei ou
na Constituição da República Portuguesa (art. 112º nº7 CRP) que confere esse
poder, e o seu fundamento interno é baseado no poder que as autoridades
superiores têm de disciplinar os subalternos.
Relativamente as espécies de regulamentos, existem quatro critérios
fundamentais. Relativamente a
relação dos regulamentos com a lei, podem ser independentes ou autónomos e
complementares ou de execução. Em relação ao objeto, podem ser de organização,
de funcionamento ou de polícia. Os regulamento, no âmbito de aplicação, podem
ser gerais, locais ou institucionais. Contudo, neste trabalho é mais importante
analisar a projeção da eficácia dos regulamentos, visto que é o critério que
esta em causa na afirmação do caso prático, e relativamente a eficácia, os
regulamentos podem ser internos ou externos.
Antes de distinguir os regulamentos internos e externos é importante
salientar que até ao séc. XX não era dada relevância jurídica ao funcionamento interno
da Administração. A doutrina alemã contrapunha os regulamentos externos que
eram considerados os regulamentos jurídicos e os regulamentos administrativos que
só produziam efeitos interno à Administração. Contudo, atualmente considera-se
que todos os regulamentos são jurídicos, contudo os efeitos não são todos os mesmo.
Os efeitos do regulamento podem-se esgotar dentro no ordenamento jurídico da
Administração ou podem produzir efeitos relativamente a sujeitos jurídicos distintos
da entidade que emanou o regulamento.
Os regulamentos são internos quando produzem os seus
efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da entidade de que
emanam, ou
seja, esgotam a sua eficácia no interior da administração tendo como destinatários
os agentes administrativo, e nessa circunstância, visam a organização e o
funcionamento da administração (por exemplo, diretrizes de interpretação e
aplicação de leis no caso de discricionariedade). Por outro lado
quando os regulamentos produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos
de direitos diferentes são considerados externos,
ou seja, não esgotam o seu âmbito de aplicação nas relações que se processam no
interior da pessoa coletiva pública (art. 135º CPA). Um exemplo de um regulamento externo é o regulamento da faculdade
porque produz efeitos externos nos docentes e alunos.
A distinção apresentada relativamente a eficácia dos
regulamentos leva ao surgimentos de dois problemas. O primeiro problema
relaciona-se com os regulamentos institucionais que visam disciplinar o
comportamento dos particulares que travam com a pessoa coletiva pública em
causa relações jurídicas duradoiras de utilização. Estes particulares estão
sujeitos a uma peculiar forma de subordinação à Administração Pública, encontrando-se
por isso em relações especiais de poder, em que se admite que certos direitos
dos particulares podem ser objeto de limitações mais intensas. E neste sentido,
questiona-se se estes seriam regulamentos internos ou externos. Alguns autores
sustentam que são internos porque se dirigem a apenas alguns cidadãos em
especial, ingressam no interior de um círculo restrito de pessoas sujeitas à
jurisdição própria de certas autoridades. Outros autores, como o professor
Freitas do Amaral, consideram que estes regulamentos são externos, pois não
projetam a sua eficácia apenas na esfera jurídica de uma pessoa coletiva
pública ou nos funcionários públicos ao seu serviço, na medida em que vão
produzir efeitos também em relação a pessoas que são sujeitos de direitos
distintos da pessoa coletiva pública em causa. Um exemplo de um regulamento
institucional é a relação estabelecida entre alunos e a escola.
Relativamente ao segundo problema, este relaciona-se com saber
se os regulamentos que a Administração elabora para disciplinar a atuação dos
seus próprios funcionários públicos são internos ou externos. Na medida em que
se tratar de regulamentos aplicáveis aos funcionários na sua qualidade de
funcionários, são internos, mas por outro lado se se tratar de regulamentos
aplicáveis aos funcionários na sua qualidade de cidadãos, sujeitos de uma relação
jurídica de emprego com a Administração, com o fim de disciplinar essa relação
e os direitos ou os deveres recíprocos que a integram, então esses regulamentos
serão externos.
A afirmação apresenta no caso prático
relaciona-se com o facto de como tem sido a ser desenvolvido, porque os
regulamentos internos não afetam a esfera jurídica de outros sujeitos jurídicos
diversos do que aplicou o regulamento e por isso é que o professor Aroso de
Almeida faz a referência ao não contendem
com a esfera jurídica de ninguém. Alguns autores considerm que os regulamentos internos nao necessitam de previsão na CRP ou na lei porque derivam de um "direito próprio"da Administração, contudo o professor Freital do Amaral não concorda e considera que o fundamento do poder de fazer estes regulamentos é o poder de direção, próprio do superior hierárquico.
A referência do art. 135º apenas refere os regulamentos
com eficácia externa, contudo isso não significa que os regulamentos com eficácia
interna não são também normas jurídicas com natureza regulamentar. Apesar disso,
o Código de Procedimento Administrativo, com a reforma de 2015, estabeleceu um
conceito de regulamento que é estritamente operativo e devido as exigências do
Estado de Direito, há uma maior preocupação com os regulamentos com eficácia externa,
e por isso, é que estes estão definidos e são orientados pelo CPA, visto que
interferem na esfera de outras pessoas jurídicas. Para além disso, os regulamentos internos, são caraterizados como um genérico poder de auto-organização interna que assiste a todas as estruturas organizadas, pelo que não carece de previsão legal que os legitime, porque só produzem efeitos dentro da própria pessoa jurídica, como é o caso de um orgão colegial, de modo a facilitar a organização interna e para tal não é necessário uma regulamentação na lei, visto que é acordado pelos próprios membros, e por isso não necessita de ser definido numa previsão legal.
O professor Vasco Pereira da
Silva não concorda com a distinção entre regulamentos internos e externos,
porque defendem que os regulamentos podem ser sempre aplicados noutros sujeitos
jurídicos do que produziu o regulamento. Através da posição defendida pelo
professor Vasco Pereira da Silva, que difere do que foi exposto anteriormente,
mas que poderia fazer sentido no enquadramento com o art. 135º do CPA, tendo em
conta que não há qualquer referencia ao regulamentos com eficácia interna, o
que poderia levar a conclusão do professor regente, contudo há exemplos de
regulamentos internos, como por exemplo, os regimentos dos órgãos colegiais,
visto que só produzem efeito dentro desse órgão, e deste modo são um
regulamento interno. Deste modo, apesar de a maior parte dos regulamentos tem
potencial para ter eficácia externa, que é a posição defendida pela maioria da
doutrina, não parece correta a afirmação do professor regente, mas medida em
que pode ser considerada uma posição demasiado extrema, tendo em conta que há exemplo
em que demonstra-se que é possível fazer a distinção entre eficácia externa e
interna.
Concluindo, a afirmação do caso prático apresenta a importância que é dada aos regulamentos com eficácia externa, e a necessidade de terem uma previsão legal, ao contrário dos regulamentos internos.
Concluindo, a afirmação do caso prático apresenta a importância que é dada aos regulamentos com eficácia externa, e a necessidade de terem uma previsão legal, ao contrário dos regulamentos internos.
Raquel Oliveira, nº 58155
Bibliografia
Aroso de Almeida, Mário, Teoria Geral do Direito Administrativo – O
Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 3.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2016, p.142.
Freitas Amaral, Diogo
(2016). Curso de Direito Administrativo II. Lisboa: Almedina.
Moniz, A. R.
(2013). Estudos sobre os Regulamentos Administrativos . Almedina.
Rebelo de Sousa,
Marcelo, & Matos, A. S. (2007). Direito Administrativo Geral, Tomo III.
Lisboa: Dom Quixote.
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