Dever de fundamentação nos atos administrativos

Como sabemos do desenrolar da nossa cadeira de Direito Administrativo, os atos administrativos, para produzir efeitos jurídicos é necessário que estes sejam válidos – validade que se apresenta como uma condição intrínseca[1]. Também é por nós conhecido que a validade dos atos não limita a sua eficácia[2].
Resulta da lei que os atos administrativos têm requisitos tanto para averiguar a sua validade como para determinar a sua eficácia. O ato que não preencha requisitos de validade é inválido, isto é, não apto para produzir efeitos. 
É através deste desenvolvimento que chegaremos ao tema de que me ocupo hoje.

Enumeramos os requisitos de validade:
1)    Sujeitos;
2)    Forma e formalidades;
3)    Conteúdo;
4)    Objeto;
5)    Fim.

É dentro do requisito das formalidades e da forma que encontramos mencionado o dever de fundamentação – dever que visa impor à Administração Pública que esta proceda a uma ponderação devida antes de decidir, permitindo ao administrado seguir o processo mental que conduziu à decisão final com o objetivo de este poder contestar, se for esse o seu interesse, ou simplesmente perceber o âmbito em que foi tomada a decisão[3]. Este requisito tem que ver com o modo como se exterioriza a conduta administrativa e, como diz Cláudia Luísa[4], visa também o perfeito esclarecimento desta exteriorização. O procedimento apontado pela lei determina a necessidade de observar as formalidades do ato, garantindo a correta formação da decisão. O princípio geral é de que todas as formalidades são essenciais e que a sua inobservância gera a ilegalidade do ato. 
Existem, no entanto, certas exceções, tais como: quando a lei considerar dispensável a fundamentação e aqueles casos cuja omissão não prejudica a conquista do objetivo.
Deste modo chegamos à conclusão de que que há formalidades cuja preterição é insuprível – “formalidades cuja observância tem de ter lugar no momento em que a lei exige que sejam observados”[5], bem como formalidades cuja preterição é suprível – casos que a li admite que não se verifiquem. 

Uma formalidade essencial é a fundamentação, que para FA consiste na “enunciação explicita das razões que levaram o seu autor a praticar ato ou dotá-lo de certo conteúdo”[6]. Para CL é a obrigação de enunciar expressamente os motivos e as razões de facto e de direito que levaram o órgão a tomar essa decisão e não outra.
Pelo que se lê no artigo 268º/3 da CRP, é obrigatória a fundamentação dos atos administrativos. Este dever de fundamentação está no Art.152º e ss do CPA.

Rui Machete[7]identifica quatro funções ao dever de fundamentação:
1.    Defesa do particular – os particulares só têm a capacidade de impugnar certos atos se conhecerem todos os motivos que levaram à decisão tomada pelo órgão da Administração Pública.
2.    Controlo da Administração – o dever de fundamentação implica a ponderação de todos os factos que podem influenciar a decisão, a explicação dos motivos que levaram à prática de um ato, facilita o respetivo controlo.
3.    Pacificação das relações entre Administração e particulares – particulares tendem a aceitar melhor as decisões que lhes são desfavoráveis se as estas lhes forem transmitidas.
4.    Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão – isto por a fundamentação se manifestar como o cumprimento das exigências de transparência da atuação da administração.

O objetivo essencial e mediato da fundamentação é, segundo FREITAS DO AMARAL “esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição da valoração que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo”, traduzido no nº2 do Art.153º do CPA.

Ainda que o dever da fundamentação se apresente como um dever fundamental para assegurar a confiança entre Administração e os destinatários dos seus atos, há questões em que há dispensa de fundamentação, mencionados no Art.152º/2 que nos aponta mesmo neste sentido ao dizer “salvo disposição da lei em contrário”. Temos então:
a)    Atos de homologação de deliberações tomadas por júris – este caso ao início pode afigurar-se como estranho, no entanto esta exceção prende-se com a natureza do ato de homologação, esta incorpora o ato homologado, que por si tem de ser fundamentado.
b)   Ordens dadas por superiores hierárquicos aos sus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal – neste ponto a exceção deve-se à autoridade hierárquica do superior face ao seu subalterno. O superior não tem de fundamentar a sua decisão, por existir uma relação hierárquica, que não tem de ser justificada aos seus inferiores.

O conteúdo da fundamentação, o que aqui se engloba e o que se excluí, pode ser difícil de determinar, para mim esta é a justificação para no Art.153º do CPA, o legislador ter determinado os seus requisitos. Assim, temos:
- Ser expressa, a fundamentação tem de ser explicita;
- De integrar uma parte de exposição, referir o plano jurídico em que se integra e que habilita a Administração a decidir, sendo um corolário do princípio da legalidade;
- Clara, coerente e completa, fundamentação que seja feita de forma obscura (não permite esclarecer o sentido das razões apresentadas), contraditória (não existir harmonia entre a decisão e a fundamentação) ou insuficiente (que não explique por completo a decisão) é considerada ilegal. 

O Supremo Tribunal Administrativo (STA), no entanto, já disse que para a fundamentação ser completa basta que seja suficiente, que não é necessário preencher todos os requisitos d forma exigente, até porque se afiguraria como um “dever impraticável”.

Temos com isto dois casos especiais: Primeiro, o caso de o ato administrativo consistir numa declaração de concordância com fundamentos anteriores (Art.153º/1), em que o dever se considera cumprido. Segundo, atos orais, em regra os atos orais não contêm fundamentação; ou são reduzidos a escrito, a uma ata, e tem de ser fundamentado sob pena de ser considerado ilegal; ou se não forem reduzidos a escrito, a lei dá aos interessados o direito de requerer a redução a escrito da fundamentação deste, Art.154º.

Posto isto, e considerando os casos normais em que é exigida a fundamentação, ao não existir fundamentação, ou existindo, mas de forma insuficiente, é considerado o ato ilegal por vicio de forma, como tal, anulável pelo Art.163º do CPA.

A jurisprudência e a doutrina têm entendido que este princípio não vale no domínio dos atos discricionários, como se lê no livro de Vieira de Andrade “onde haja poderes discricionários ou espaços de escolha administrativa, não poderá o juiz aproveitar um ato formalmente viciado, porque não esta em condições de declarar aquele conteúdo como a única decisão legítima”[8]. Juiz só pode aproveitar um ato não fundamentado “quando o conteúdo desse ato não puder ou não dever ser outro, porque só então terá a certeza fundada de que um agente racional e cumpridor da lei não deixaria de ter tomado a decisão”[9].

A meu ver e após a análise feita, o dever de fundamentação é um modo de assegurar relações entre Administração Pública e destinatários das suas ações, sejam estes particulares ou não. Garantindo que ambas as partes da relação que se cria possam usufruir na sua totalidade dos direitos que têm. Afigurando-se, no caso concreto, o dever de fundamentação, como um dever basilar na atribuição destas garantias e na existência de equilíbrio. 



Madalena Simões Vaz
Aluna nº 59169





[1]Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2011, 2ª edição, Pág.381
[2]Eficácia: é a efetiva produção de efeitos jurídicos.
[3]Cláudia Luísa da costa leite, O dever de fundamentação no direito da contratação pública, 2015, Julho, Faculdade de Direito, Universidade do Porto
[4]Cláudia Luísa da costa leite, O dever de fundamentação no direito da contratação pública, 2015, Julho, Faculdade de Direito, Universidade do Porto
[5]Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2011, 2ª edição, Pág.386
[6]Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2011, 2ª edição, Pág.387
[7]Rui Machete, “O processo administrativo gracioso perante a Constituição Portuguesa de 1976” inestudos de direito público. Ciência Política, lisboa 1991
[8]Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de atos administrativos, pag.329
[9]Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de atos administrativos, pag.331 nota 91

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os vários tipos de atos administrativos

O regulamento externo e interno

Caso Prático Direito Administrativo:Tópicos Correção