Conceitos Indeterminados: Discricionário ou Vinculados?




Os conceitos indeterminados são definidos por diferentes autores, contudo a conceção a que cada um desses autores chega é bastante similar – estes conceitos são de vasta indeterminação, e têm uma compreensão muito ampla devido às suas características de vaguidade.[1] Estes conceitos, não permitindo formulações muitos claras quanto ao seu objeto carecem de aplicação no caso concreto, de modo a obter soluções mais eficientes na prossecução de resultados.
Assim, Freitas do Amaral e António Francisco de Sousa reconhecem que o legislador tem de deixar uma margem de livre apreciação de certas situações para quem as conhece, não podendo desenvolver a atividade pública até ao mais ínfimo pormenor. “Precisa de abrir-se à mudança das conceções sociais e às alterações trazidas pela sociedade técnica, precisa de adaptar-se e de se fazer permeável aos seus próprios fundamentos ético-sociais”[2]
António Francisco de Sousa refere ainda que a doutrina dominante distingue diversas categorias de conceitos indeterminados, tais como:
Conceitos descritivos\Empíricos, que são objetos reais percetíveis pelos sentidos - é possível fixá-los objetivamente com a experiência comum e conhecimento técnico ou científico.
Conceito Normativos, a doutrina distingue entre - Conceitos normativos em sentido estrito: Apenas se tornam representáveis e compreensíveis quando em contacto com as normas; e conceitos normativos de valor: Não lhes basta a conexão com o mundo das normas, será necessária uma valoração, carecem de um preenchimento valorativo.
Conceitos discricionários, são os conceitos que atribuem ao seu intérprete e aplicador uma “livre descrição”, um poder discricionário, valendo a sua apreciação como definitiva.
É nesta última categoria que reside o problema, a questão de saber se os conceitos indeterminados são discricionários.
Afonso Queiró numa primeira aceção afirmava que apenas havia discricionariedade caso a mesma tivesse sido atribuída deliberadamente pelo legislador[3], a existência de imprecisões na lei não era, por si só, atributiva de poder discricionário. Afirmava que os conceitos indeterminados eram fruto de uma dificuldade de enunciar com rigor técnico as circunstâncias de facto em que os órgãos da administração iriam exercer o seu poder, concedendo a esses órgãos o dever de realizar a intrepertação dos conceitos – a liberdade inerente à tarefa da intrepertação não se confunde com poder discricionário. O poder discricionário é um poder atribuído pela lei à administração que lhe permite agir ou não (discricionariedade de ação), escolher entre diversas soluções (Discricionariedade de escolha), inclusive, existe discricionariedade criativa que permite à administração preencher os conceitos indeterminados existentes na estatuição da norma -  todavia, nem na discricionariedade existe uma verdadeira liberdade, pois a decisão a tomar quanto a estes elementos discricionários tem de ser tomada ao abrigo dos princípios gerais da Direito administrativo.
Afonso Queiró[4], mais tarde, veio reconhecer que certos conceitos técnicos funcionavam como conceitos discricionários, como por exemplo, “interesse público”, “urgência”.
António Francisco de Sousa vem criticar Afonso Queiró, afirmando que a sua teoria apresenta fragilidades, essencialmente quanto aos direitos fundamentais, pois deixa os particulares desprovidos de proteção; mas também porque suscita a questão de saber quais os conceitos dicionários abrindo mão a uma subjetividade extrema.
O mesmo autor recusa a ideia de conceitos indeterminados, afirmando que estes conceitos apresentam realidades já existentes que têm de ser declaradas para legitimar a atuação da administração, ou seja, a administração não tem um poder de criar, mas sim um dever de constatar a realidade existente.[5]
Marcelo Rebelo de Sousa[6] vai no mesmo sentido quando diz que a intrepertação e aplicação dos conceitos indeterminados não são discricionários, sendo jurisdicionalmente controláveis. Pois a lei quando usa estes conceitos indeterminados fornece pistas interpretativas das quais o intérprete não deve fugir, não havendo assim uma liberdade de escolha.
Freitas do Amaral primeiramente considerava que os conceitos indeterminados eram uma figura afim da discricionariedade, tendo um regime jurídico diferente da mesma. Pois na intrepertação deste conceito existe uma tentativa de descobrir a vontade do legislador, estando a administração vinculada – havendo vinculação existe controlo judicial.
Atualmente Freitas do Amaral[7] destaca a heterogeneidade dos conceitos indeterminados, não tendo eles todos a mesma feição, sendo alguns deles uma maneira da lei atribuir discricionariedade à administração:
Conceitos indeterminados cuja concretização envolve apenas operações de interpretação e subsunção de lei (9º CC)
Conceitos indeterminados cuja concretização apela a "preenchimentos valorativos" por parte do órgão administrativo aplicador da lei.
Conceitos que exigem do órgão administrativo uma valoração objetiva: Deve procurar as valorações preexistentes num setor social relevante, existem conceções socias dominantes através das quais o órgão se deve deixar orientar - Neste caso é possível admitir-se uma fiscalização judicial.

Em nossa opinião os conceitos indeterminados constituem uma margem de discricionariedade que se deve avaliar em cada caso. Quando olhamos a um conceito indeterminado temos de aferir se estes são conceitos que no seu preenchimento pelo órgão administrativo conferem margem de apreciação, discricionariedade, ou se são conceitos que se bastam com as regras de interpretação jurídica (9º CC).
Terá de se perceber se é um conceito predominantemente aberto ou fechado. Sendo fechado, a interpretação jurídica por si permitirá ao intérprete e aplicador da norma chegar a uma conclusão objetiva do que é esse conceito, ou se é um conceito que obrigará a uma apreciação casuística do caso concreto - fazer a ponderação sobre se a margem de discricionariedade será elevada ou não.

Marcelo Rebelo de Sousa, distingue os conceitos indeterminados que estão: Na Previsão da norma - São os que apelam à apreciação das situações de facto, existe margem de livre apreciação, e não de discricionariedade; Na Estatuição da norma - Conceitos na estatuição da norma que conferem discricionariedade criativa, fala de verdadeira discricionariedade da norma.[8]

Ou seja, o órgão administrativo não tem margem de discricionariedade em casos onde é possível objetivamente, através dos elementos normativos presentes no ordenamento, chegar a uma conclusão no preenchimento do conceito indeterminado.

António Francisco de Sousa, ao criticar Afonso Queiró refere que atribuir o poder discricionário à administração em razão dos conceitos indeterminados significaria desprover os particulares de proteção – quanto a nós este não será um problema, tendo em conta que, como dissemos em cima, a discricionariedade não é uma liberdade, pois está controlada pelos princípios gerais do Direito administrativo.
E quanto à “Subjetividade extrema” que preocupa o autor, é possível identificar os conceitos discricionários tendo em conta as regras de intrepertação jurídica presentes no artigo 9º do código civil, na medida em que sendo possível o preenchimento dos conceitos à luz destas regras não se está perante um poder discricionário.

Assim sendo será demasiado extremo radicar a discricionariedade, tal como avaliar todos os conceitos indeterminados como discricionários. Terá de se avaliar em cada caso concreto, de acordo com os elementos existentes no ordenamento que tipo de margem avaliativa confere o conceito.



[2] Sousa, António Francisco de “Conceitos indeterminados no Direito administrativo”, Almedina, Coimbra, 1994

[3] Queiró, Afonso, “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, 1976
[4] Ob.cit.
[5] Ob.cit
[6] Sousa, Marcelo Rebelo de “Lições de Direito Administrativo I”, Pedro Ferreira Editor, Lisboa, 1994\95
[7] Amaral, Diogo Freitas do “Curso de Direito Administrativo Volume II”, Almedina, Lisboa, 3ª Edição, 2016
[8] Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de “Direito Administrativos Geral, Tomo I, Introdução e Princípios fundamentais”, Don Quixote, Lisboa, 3ª edição, 2004.



Sofia Duarte Tavares
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