Introdução aos atos administrativos: conceito, natureza e tipologias
A Administração Pública exerce direitos e deveres, e procura satisfazer interesses. Fá-lo de forma vinculativa, imperativa e unilateral, uma vez que se impõem independentemente da vontade do destinatário. É relativa a um caso concreto, o que o distingue, desta forma, das normas jurídicas, já que estas são gerais e abstratas.
Consoante a natureza do ato administrativo cabe diferenciar de duas figuras que são assumidas por autores para o enquadrar: negócio jurídico e sentença judicial. Em primeiro lugar, o ato administrativo não é um negócio jurídico porque é sobretudo uma figura do direito público e não do direito privado; onde há uma vontade normativa ao serviço de fins coletivos, completamente oposta a uma encontro de vontades ara fins particulares; e por fim, só pode existir na medida em que haja permissão legal para tal (caso contrário, resulta em ilegalidade), o negócio jurídico, por sua vez, só será ilícito se a lei proibir. Em segundo lugar, não tem semelhança com uma sentença judicial porque não tem um objetivo de justiça, mas sim um objetivo administrativo através, precisamente do exercício do poder administrativo (e não judicial). Mais: o ato administrativo, como um meio, professa sobre um interesse público, enquanto que a sentença judicial existe para resolução de conflitos de interesse - é um fim. Esta resolução, no que lhe concerne, é imodificável, e, portanto, aparta-se da modificabilidade do ato administrativo.
A semelhança com o negócio jurídico recai no poder de conformar uma decisão com os limites da lei; a semelhança com a sentença judicial é que em ambas há aplicação do direito numa situação concreta e individual.
Assim, não sendo um nem outro, o professor Freitas do Amaral prefere a caracterização como um conceito de natureza sui generis.
Portanto, cabe ver a perspectiva deste professor na análise do ato administrativo:
“ato administrativo é o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
Assim, o professor divide a análise do conceito em seis pontos:
- JURÍDICO: o ato administrativo é considerado um ato jurídico porque traduz-se num comportamento com vista a efetivamente produzir efeitos jurídicos, isto é, implicar num resultado que diz respeito ao âmbito que o direito engloba. Isso quer dizer que nessas ações os princípios gerais do direito aplicam-se. Entretanto, há condutas da Administração pública que ficam de fora dessa conceito: tudo que for feito pela Administração e for irrelevante, involuntário e sem efeitos jurídicos não se considera um ato administrativo. Portanto, toda e qualquer interferência da ordem jurídica - não apenas modificação, constituição ou extinção, mas também declarações de inexistência, nulidade e caducidade - traduzem-se nos efeitos jurídicos do ato administrativo.
- UNILATERAL: quer dizer que o ato tem validade, ou seja, é perfeito, sem que seja necessária um encontro de vontade entre as partes (da maneira como ocorre em contratos administrativos). EX.: a nomeação de um particular é perfeita sem necessidade de aceitação, a nomeação é válida. A aceitação serve para que seja eficaz (se o particular não aceitar não há como produzir efeitos).
- O professor Sérvulo Correia prevê que se a vontade do particular surgir como um requisito de validade estamos diante um contrato administrativo; se surgir como condição de eficácia ou legalidade será um ato administrativo.
- Releva também mencionar que a participação do particular no procedimento administrativo não faz como que ele seja bilateral, continua a ser um ato unilateral. O professor Rebelo de Sousa escreve que a “solicitação [da emissão de um ato administrativo] é vista apenas como um pressuposto do ato não como parte da sua estrutura”. Ou seja nem o requerimento para a emissão do ato nem sua aceitação são constitutivos.
- Qualquer ato que seja bilateral ou plurilateral não são atos administrativos.
- EXERCÍCIO DO PODER ADMINISTRATIVO: quer dizer o ato deverá ser praticado por um órgão que detenha poder administrativo (poder público) e o exerça na conduta em questão.
- Para o professor Vieira de Andrade o “ato administrativo”, não é qualquer ato praticado pela Administração, mas sim um ato regulado por disposições de direito público, um ato jurídico decisório (manifestação de vontade ou de ciência), praticado no exercício de poderes de autoridade, relativo a uma situação individual e concreta – e, em princípio, com eficácia externa.
- Dessa forma resulta que os atos praticados mesmo que pela Administração pública mas em gestão privada (v.g. denúncia de um contrato de arrendamento), assim como também os atos políticos, legislativos e os jurisdicionais não são atos administrativos.
- PRATICADO POR UM ÓRGÃO ADMINISTRATIVO: estes órgãos são chamados de autoridades administrativas, uma vez que não é qualquer funcionário ou agente parte da Administração, mas apenas os que a lei confere tais poderes ou então um desses órgãos delegue poderes para que outro aja. Podem, portanto, ser praticados pela Administração pública direta, Administração pública indireta ou Administração autónoma.
- ATO DECISÓRIO: neste aspeto temos que ter em conta a letra da lei (148.º CPA) quando prevê que “…consideram-se atos administrativos as decisões que…”. Dessa forma, discute-se qual é a intenção do legislador em utilizar tal expressão. O professor Freitas do Amaral pensa que devemos considerar como condutas susceptíveis de afetar, por si sós, imediata ou potencialmente, a esfera jurídica dos particulares” ou, na expressão do professor Rogério Soares, “condutas idóneas a produzir uma transformação jurídica externa”.
- Assim, excluímos os atos preparatórios que levam ao ato final ou decisório (v.g. pedido de emissão de pareceres), como prevê o professor Vieira de Andrade. No entanto, inclui no conceito os chamados “atos destacáveis”, isto é, os atos que, apesar de inseridos num procedimento, produzam autonomamente efeitos externos, ainda que limitados – por exemplo: atos prévios (informação prévia favorável e aprovação de projetos de arquitectura no licenciamento urbanístico), atos parciais (licença parcial para construção da estrutura), atos de trâmite excludentes (atos de exclusão de concorrentes em procedimentos concursais) ou medidas provisórias (art. 89.º CPA).
- SITUAÇÃO INDIVIDUAL E CONCRETA: a pedra de toque da diferenciação entre um ato administrativo e um regulamento administrativo recai aqui. Enquanto que no ato a condução é direcionada à um caso concreto e individual, onde após a chegada ao seu destinatário e a produção dos efeitos queridos não há como aproveitar-se mais deste ato em outras situações ou destinatários. Já o regulamento é feito para ter várias aplicações em várias situações em que se “encaixe”, ou seja, a primeira aplicação do regulamento administrativo não requer na sua “destruição” ou bloqueio dos seus efeitos para casos futuros; o regulamento é abstrato e geral. Dessa forma, esse tipo de ato materialmente normativo, como é o regulamento, fica fora do conceito de ato administrativo, mesmo sendo praticado por um órgão da própria Administração pública, à maneira como acontece com os atos legislativos.
Já agora tendo sido definido o conceito de ato administrativo e o que ele engloba, releva distinguir os tipos de atos existentes em Portugal. Relativamente a tal assunto há uma falta de consenso na doutrina. Por isso, optei por adotar a conceção do professor Freitas do Amaral por pensar ser mais elucidada e abrangente.
- (1) PRIMÁRIOS: atos versam pela primeira ver sobre uma determinada situação.
- (1.1) IMPOSITIVOS: atos que prevêem a adoção de uma condução ou a sujeição à efeitos jurídicos.
- (1.1.1) DE COMANDO: impõe uma ação positiva (ordem) ou negativa (proibição)
- (1.1.2) PUNITIVOS: traduzem-se numa sanção de caráter administrativo
- (1.1.3) ABALATIVOS: atos que extinguem ou comprimem o conteúdo de um ato.
- (1.1.4) JUÍZOS: ato que qualifica pessoas, coisas ou atos submetido a apreciação.
- (1.2) PERMISSIVOS: possibilitam a adoção ou omissão de conduta que lhe era vedada.
- (1.2.1) Atos que conferem ou ampliam vantagens
- (1.2.1.1) AUTORIZAÇÃO: ato que permite o exercício de um direito pré-existente, é condição de validade.
- (1.2.1.2) LICENÇA: ato que atribui um direito de exercício de uma atividade privada.
- (1.2.1.3) CONCESSÃO: ato que transfere o exercício de uma atividade pública a um particular (por conta própria e em interesse geral).
- (1.2.1.4) DELEGAÇÃO: permissão de um órgão da Administração a outro para praticar atos administrativos sobre a mesma matéria que é o órgão delegante é competente (relação interna).
- (1.2.1.5) ADMISSÃO: atribuição de direitos e deveres a um particular numa determinada categoria geral.
- (1.2.1.6) SUBVENÇÃO: subsídio a uma atividade privada de interesse público.
- (1.2.2) Atos que eliminam ou reduzem encargos
- (1.2.2.1) DISPENSA: permissão para não cumprimento de uma obrigação da Administração ao particular (isenção) ou de um órgão/agente da Administração a outro (escusa).
- (1.2.2.2) RENÚNCIA: traduz-se na perda de um direito disponível da Administração a favor de um particular.
- (1.2.3) Pré-decisões: atos que, precedendo o ato final de um procedimento ou o ato que define a situação jurídica do interessado no âmbito de outro procedimento, decidem, peremptória ou vinculativamente, sobre a existência de condições ou de requisitos de que depende a prática de tal ato.
- (1.2.3.1) ATOS PRÉVIOS: resolve algumas questões isoladas, mas que ainda requerem uma decisão final.
- (1.2.3.2) ATOS PARCIAIS: ato pelo qual a Administração decide parte da questão final antecipadamente.
- (2) SECUNDÁRIOS: atos que versam sobre um ato primário; atos sobre atos.
- (2.1) INTEGRATIVOS: atos que visam completar atos anteriores.
- (2.1.1) APROVAÇÃO: ato que confere eficácia a um ato anterior.
- (2.1.2) VISTO: ato que declara ter tomado conhecimento (cognitivos) ou não ter objeções (volitivo).
- (2.1.3) ATO CONFIRMATIVO: reiteração e preservação em vigor de um ato administrativo anterior.
- (2.1.4) RATIFICAÇÃO-CONFIRMATIVA: ato pelo qual órgão normalmente competente para dispor sobre certa matéria exprime a sua concordância relativamente aos tos praticados, em circunstancias extraordinárias, por um órgão excepcionalmente competente.
- (2.2) SANEADORES
- (2.3) DESINTEGRATIVOS
- (3) INSTRUMENTAIS: atos que não envolvem uma decisão de autoridade, mas auxiliam os atos que envolvem.
- (3.1) Simples declarações: atos auxiliares que exprimem oficialmente o conhecimento de certos factos ou situações.
- (3.2) Atos opinativos: não são atos que resolvem problemas nem tomam decisões finais, mas apenas emitem opiniões acerca de questões técnicas ou jurídicas.
- (3.2.1) INFORMAÇÃO BUROCRÁTICA: opiniões prestadas pelos serviços aos superior hierárquico competente para decidir.
- (3.2.2) RECOMENDAÇÃO: é basicamente um apelo a tomada de certa decisão, mas que não é vinculativo - é uma opinião reforçada.
- (3.2.3) PARECER: são atos opinativos elaborados por peritos especializados em certos ramos do saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva.
ATOS ADMINISTRATIVOS
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1) ATOS PRIMÁRIOS
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2) ATOS SECUNDÁRIOS
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3) ATOS INSTRUMENTAIS
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1.1) ATOS IMPOSITIVOS
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1.2) ATOS PERMISSIVOS
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2.1) INTEGRATIVOS
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3.1) SIMPLES DECLARAÇÕES
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3.2) ATOS OPINATIVOS
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1.1.1) Ato de comando
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1.2.1) Atos que conferem ou ampliam vantagens
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1.2.2) Atos que eliminam ou reduzem encargos
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1.2.3) Pré-decisões
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2.1.1) Aprovação
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3.2.1) Informação burocráticas
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1.1.2) Ato punitivo
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1.2.1.1) Autorização
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1.2.2.1) Dispensa
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1.2.3.1) Atos prévios
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2.1.2) Visto
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3.2.2) Recomendação
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1.1.3) Ato abalativo
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1.2.1.2) Licença
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1.2.2.2) Renúncia
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1.2.3.2) Atos parciais
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2.1.3) Ato confirmativo
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3.2.3) Parecer
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1.1.4) Juízo
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1.2.1.3) Concessão
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2.1.4) Ratificação-confirmação
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1.2.1.4) Delegação
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1.2.1.5) Admissão
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1.2.1.6) Subvenção
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Após esta exaustiva classificação entre a tipologia dos atos, resta responder qual a necessidade de existir atos administrativos. A resposta que se dá é que esse tipo de procedimento legal é a forma pela qual a Administração exprime sua liberdade de atuar unilateralmente, dentro dos padrões da lei - é prerrogativa máxima por excelência da Administração pública, é um conceito central no Direito administrativo - material, procedimental e processual. Suas funções também podem ser elencadas conforme tais áreas enunciadas. No direito administrativo material, o ato realiza-se individual e concretamente numa situação jurídica específica, legitimando-a; dessa forma, tem uma vocação de estabilidade, nas palavras do professor Rebelo de Sousa, conferindo uma certeza jurídica à tais situações. No direito administrativo procedimental, o ato traduz-se na conclusão do procedimento administrativo em visão da sua emissão, que levará a conduta posterior ou execução de uma conduta anterior. E por fim, no direito processual administrativo, o ato administrativo se for defeituoso quanto a forma, as formalidades, o conteúdo e outras situações na sequência de uma execução de um procedimento administrativo, ou seja, um litígio, permite recurso a tribunais administrativos, permite uma efetivação de uma garantia constitucional e legal.
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo II (2016)
SOUSA, Marcello Rebelo de, Direito Administrativo Geral - Tomo III (2007)
SOARES, Rogério, <Ato Administrativo>, in Scientia Iuridica (1990)
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Lições de Direito Administrativo (2017)
Lucca Maia Beliene, 57600, Subturma 17
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