Ato administrativo, noção histórica e curiosidades
É preciso compreender, primeiramente, que a definição de ato administrativo sofreu variações ao longo do tempo, ou seja, a percepção histórica influencia na administração pública. Isso pode ser observado, no Estado Liberal, em que adotava um conceito autoritário de ato administrativo, era, por um lado, um ato de definição do direito e suscetível de execução coletiva remontando a ideias propostas por Maurice Souriau e Otto Mayer. Tal noção influenciou, para além do liberalismo, a constituição italiana e a constituição portuguesa de Marcello Caetano.
O direito português falava, nesses termos, de um ato definitivo e executório. Ora, era definitivo porque definia o direito aplicável ao particular no caso concreto, executório porque era suscetível de execução coativa. Tal modelo correspondia a uma lógica de administração agressiva e irá vigorar em países, como Portugal, mesmo, incialmente, em períodos que surgem outros modelos de ato administrativos.
No contexto do estado Social, surge um outro tipo de ato, é o ato favorável ou constitutivo de direito a favor do particular. Esse ato favorável não é a concepção de direito, como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva, porque o direito é utilizado como um meio e não é o fim da atividade administrativa, servindo, algumas vezes, para satisfazer necessidades coletivas. Nota-se também, que durante esse período, o ato administrativo não possui o aspeto da execução coativa, justamente por estarmos diante de um contexto do Estado prestador. Dessa forma, os dois conceitos que tinham sido teorizados para a administração do estado liberal, a necessidade do ato ser definitivo e executório, deixam de fazer sentido perante os atos administrativos do Estado Social.
No terceiro modelo de ato administrativo, com o Estado Pôs Social e com a nova adm infraestrutural, em meados dos anos 70 e do séc 20, é posto uma nova dimensão do ato administrativo: a teoria da eficácia múltipla do ato. Significa dizer, então, que haverá uma eficácia tanto em relação aos sujeitos primários, bem como aos distintos destinatários principais do ato. Isso porque, com a evidência de uma relação multilateral, criam nexos de causalidades e relações legais entre sujeitos jurídicos múltiplos. Dessa forma, os atos produzem efeitos não apenas àqueles que constam do próprio ato, mas relativamente a todos afetados. Um exemplo disso pode ser, conforme constata o ilustre professor Vasco, a situação em que é emitida uma licença de construção de um apartamento, essa não afeta só o proprietário do terreno, mas também todos os outros condôminos e vizinhos. É justamente por transbordar a eficácia do ato em outros sujeitos que não os do próprio ato, que tanto os vizinhos, como os condôminos, no exemplo enunciado, poderiam usufruir do processo administrativo com o intuito de cautelar seus direitos.
Evolução da noção de ato administrativo:
Por tudo o que foi dito, o ato administrativo passa, então, por uma evolução. Isso porque deixa de ser, estritamente, um ato definitivo e executório, ou seja, um ato de autoridade, mas também não é apenas um ato prestador, favorável para os particulares, muito menos poderá ser considerado exclusivamente um ato multilateral. Digamos que a sua definição precisaria englobar todas essas fases. Ora, se isto é assim, era preciso encontrar, na nossa ordem jurídica, um conceito de ato administrativo que fosse adequado e abrangesse o Estado Liberal, Social e Pôs Social, uma vez que todos eles existem nos nossos dias e todos eles tem que integrar a noção do ato administrativo.
Portanto, bem andou o legislador constituinte, em conjunto com o legislador ordinário, em fazer desaparecer, com a revisão constitucional de 89, o conceito de ato definitivo executório. Ora, como já afirmado nessa análise tal visão limitadora do ato administrativo era prejudicial para um ordenamento jurídico abrangente, não sendo mais um conceito operativo. Dessa forma, restam duas grandes construções doutrinais e uma posição intermédia para o ato administrativo: A conceção da escola de Lisboa; o entendimento da escola de Coimbra e o posicionamento do professor Mário Aroso de Almeida; bem como a conceção do Professor Diogo Freitas do Amaral.
A noção desenvolvida, na escola de Coimbra, consta de uma percepção do ato administrativo como um ato regulador, ato que produz efeitos jurídicos novos. Ora essa ideia é baseada na percepção de uma administração mais agressiva, congruente com um ato definitivo e executório, com base no pensamento do jurista alemão Otto Mayer. Ocorre que, como afirmado pelo professor Vasco Pereira da Silva, essa definição é uma concepção que é convergente com o sistema alemão e não com o sistema português, uma vez que a definição não é correspondente com a maioria dos atos administrativos atuais.
Uma posição intermédia é a adotada pelo Professor Aroso de Almeida, esse escreve em seu livro, homenageando o professor Rógerio Soares, que o ato administrativo parte do principio de produção de efeitos externos, mas é necessário um aspeto inovador. Para esse ilustre professor, por exemplo a decisão sobre o projeto de arquitetura não seria um verdadeiro ato administrativo. O professor Vasco Rebate esse argumento, concluindo que a produção de efeitos externos é, no mínimo dúbia. Isso porque um ato jurídico, como qualquer outro, sempre terá sua vertente externa e interna, imaginemos o contexto de um ato de procedimento, esse produz efeitos internos naquele procedimento administrativo, mas na medida que é obrigatório para os funcionários e que vai condicionar decisões dos funcionários terá uma relevância, consequentemente para o domínio externo.
É possível mencionar a noção do professor Diogo Freitas do Amaral, o qual, de uma forma ou de outra, aproxima-se um pouco com a escola de Coimbra, uma vez que esse considera que “é um ato jurídico unilateral praticado, no exercito do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Admnistração, visando produzir efeitos júridicos numa situação individual e concreta”. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, o que está equivocado nessa concepção do professor Freitas do Amaral é considerar as decisões mencionadas no artigo 145º do CPA como uma forma de restringir o ato administrativo, aproximando-se assim do ato regulador. Isso porque não seria correto compreender as decisões como uma estatuirão ou resolução de um caso. Mas sim, numa perspectiva mais ampla, mais congruente com o sistema anglo-saxónico, uma vez que é um ato administrativo aquele que resolve situações individuais e concretas, sendo assim, uma manifestação de vontade de qualquer órgão, praticando decisões também a administração.
Por fim, a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, convergente com a posição da Escola de Lisboa. Esse assegura que será considerado um ato administrativo qualquer ato praticado pela administração, no caso concreto, que produza efeitos jurídicos. É verdade ainda, que tal professor concorda com a concepção do artigo 120 do CPA da versão dos anos 90, uma vez que essa era mais ampliativa e não limitava os atos a produzirem supostos efeitos externos, como é visto no atual CPA e o seu artigo 145º. Como já visto, a noção de que o ato administrativo precisa produzir efeitos externos é um pouco irrelevante, já que o ato administrativo, como um ato jurídico, necessariamente, produzira efeitos internos e externos, mesmo existindo uma limitação para produção de consequências internamente, essas serão extravasadas e atingiram a esfera dos particulares. Mas importa ressaltar, que seja na versão do CPA 2015, seja na versão do CPA dos anos 90, a ratio legis manteve-se, já que permite integrar os atos das administrações agressivas, prestadora e também os atos da administração infraestrutural do Estado pôs Social.
Diante do que foi dito e com o objetivo de um melhor entendimento, será possível concretizar as posições doutrinárias, bem como as posições das escolas nessa tabela:
O direito português falava, nesses termos, de um ato definitivo e executório. Ora, era definitivo porque definia o direito aplicável ao particular no caso concreto, executório porque era suscetível de execução coativa. Tal modelo correspondia a uma lógica de administração agressiva e irá vigorar em países, como Portugal, mesmo, incialmente, em períodos que surgem outros modelos de ato administrativos.
No contexto do estado Social, surge um outro tipo de ato, é o ato favorável ou constitutivo de direito a favor do particular. Esse ato favorável não é a concepção de direito, como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva, porque o direito é utilizado como um meio e não é o fim da atividade administrativa, servindo, algumas vezes, para satisfazer necessidades coletivas. Nota-se também, que durante esse período, o ato administrativo não possui o aspeto da execução coativa, justamente por estarmos diante de um contexto do Estado prestador. Dessa forma, os dois conceitos que tinham sido teorizados para a administração do estado liberal, a necessidade do ato ser definitivo e executório, deixam de fazer sentido perante os atos administrativos do Estado Social.
No terceiro modelo de ato administrativo, com o Estado Pôs Social e com a nova adm infraestrutural, em meados dos anos 70 e do séc 20, é posto uma nova dimensão do ato administrativo: a teoria da eficácia múltipla do ato. Significa dizer, então, que haverá uma eficácia tanto em relação aos sujeitos primários, bem como aos distintos destinatários principais do ato. Isso porque, com a evidência de uma relação multilateral, criam nexos de causalidades e relações legais entre sujeitos jurídicos múltiplos. Dessa forma, os atos produzem efeitos não apenas àqueles que constam do próprio ato, mas relativamente a todos afetados. Um exemplo disso pode ser, conforme constata o ilustre professor Vasco, a situação em que é emitida uma licença de construção de um apartamento, essa não afeta só o proprietário do terreno, mas também todos os outros condôminos e vizinhos. É justamente por transbordar a eficácia do ato em outros sujeitos que não os do próprio ato, que tanto os vizinhos, como os condôminos, no exemplo enunciado, poderiam usufruir do processo administrativo com o intuito de cautelar seus direitos.
Evolução da noção de ato administrativo:
No Estado Liberal: tido como um ato definitivo e executório. O contexto era de uma administração agressiva
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No Estado Social: a característica do ato administrativo era ser uma ato favorável à população e que suportassem as necessidades coletivas
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No Estado pôs Social: a eficácia do ato seria multilateral, não abrangia só os destinatários primários. É um contexto de relações múltiplas a qual influenciou o ato administrativo.
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Por tudo o que foi dito, o ato administrativo passa, então, por uma evolução. Isso porque deixa de ser, estritamente, um ato definitivo e executório, ou seja, um ato de autoridade, mas também não é apenas um ato prestador, favorável para os particulares, muito menos poderá ser considerado exclusivamente um ato multilateral. Digamos que a sua definição precisaria englobar todas essas fases. Ora, se isto é assim, era preciso encontrar, na nossa ordem jurídica, um conceito de ato administrativo que fosse adequado e abrangesse o Estado Liberal, Social e Pôs Social, uma vez que todos eles existem nos nossos dias e todos eles tem que integrar a noção do ato administrativo.
Portanto, bem andou o legislador constituinte, em conjunto com o legislador ordinário, em fazer desaparecer, com a revisão constitucional de 89, o conceito de ato definitivo executório. Ora, como já afirmado nessa análise tal visão limitadora do ato administrativo era prejudicial para um ordenamento jurídico abrangente, não sendo mais um conceito operativo. Dessa forma, restam duas grandes construções doutrinais e uma posição intermédia para o ato administrativo: A conceção da escola de Lisboa; o entendimento da escola de Coimbra e o posicionamento do professor Mário Aroso de Almeida; bem como a conceção do Professor Diogo Freitas do Amaral.
A noção desenvolvida, na escola de Coimbra, consta de uma percepção do ato administrativo como um ato regulador, ato que produz efeitos jurídicos novos. Ora essa ideia é baseada na percepção de uma administração mais agressiva, congruente com um ato definitivo e executório, com base no pensamento do jurista alemão Otto Mayer. Ocorre que, como afirmado pelo professor Vasco Pereira da Silva, essa definição é uma concepção que é convergente com o sistema alemão e não com o sistema português, uma vez que a definição não é correspondente com a maioria dos atos administrativos atuais.
Uma posição intermédia é a adotada pelo Professor Aroso de Almeida, esse escreve em seu livro, homenageando o professor Rógerio Soares, que o ato administrativo parte do principio de produção de efeitos externos, mas é necessário um aspeto inovador. Para esse ilustre professor, por exemplo a decisão sobre o projeto de arquitetura não seria um verdadeiro ato administrativo. O professor Vasco Rebate esse argumento, concluindo que a produção de efeitos externos é, no mínimo dúbia. Isso porque um ato jurídico, como qualquer outro, sempre terá sua vertente externa e interna, imaginemos o contexto de um ato de procedimento, esse produz efeitos internos naquele procedimento administrativo, mas na medida que é obrigatório para os funcionários e que vai condicionar decisões dos funcionários terá uma relevância, consequentemente para o domínio externo.
É possível mencionar a noção do professor Diogo Freitas do Amaral, o qual, de uma forma ou de outra, aproxima-se um pouco com a escola de Coimbra, uma vez que esse considera que “é um ato jurídico unilateral praticado, no exercito do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Admnistração, visando produzir efeitos júridicos numa situação individual e concreta”. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, o que está equivocado nessa concepção do professor Freitas do Amaral é considerar as decisões mencionadas no artigo 145º do CPA como uma forma de restringir o ato administrativo, aproximando-se assim do ato regulador. Isso porque não seria correto compreender as decisões como uma estatuirão ou resolução de um caso. Mas sim, numa perspectiva mais ampla, mais congruente com o sistema anglo-saxónico, uma vez que é um ato administrativo aquele que resolve situações individuais e concretas, sendo assim, uma manifestação de vontade de qualquer órgão, praticando decisões também a administração.
Por fim, a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, convergente com a posição da Escola de Lisboa. Esse assegura que será considerado um ato administrativo qualquer ato praticado pela administração, no caso concreto, que produza efeitos jurídicos. É verdade ainda, que tal professor concorda com a concepção do artigo 120 do CPA da versão dos anos 90, uma vez que essa era mais ampliativa e não limitava os atos a produzirem supostos efeitos externos, como é visto no atual CPA e o seu artigo 145º. Como já visto, a noção de que o ato administrativo precisa produzir efeitos externos é um pouco irrelevante, já que o ato administrativo, como um ato jurídico, necessariamente, produzira efeitos internos e externos, mesmo existindo uma limitação para produção de consequências internamente, essas serão extravasadas e atingiram a esfera dos particulares. Mas importa ressaltar, que seja na versão do CPA 2015, seja na versão do CPA dos anos 90, a ratio legis manteve-se, já que permite integrar os atos das administrações agressivas, prestadora e também os atos da administração infraestrutural do Estado pôs Social.
Diante do que foi dito e com o objetivo de um melhor entendimento, será possível concretizar as posições doutrinárias, bem como as posições das escolas nessa tabela:
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Posição da Escola de Coimbra: ato jurídico com caráter inovador, aproxima-se um pouco do ato regulador da administração agressiva
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Posição Intermédia Do professor Aroso Almeida: converge com a posição do Professor Vasco ao afastar-se um pouco da administração agressiva, contudo defende o aspeto dos efeitos externos do ato.
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Posição do professor Diogo Freitas do Amaral: um pouco restritiva, visto que considera o conceito de decisões, no ato admnistrativo, apenas aquelas proferidas em resolução de um caso, confere uma ideia jurisidicional ao ato.
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Posição do Professor Vasco Pereira da Silva convergente com a Escola de Lisboa: o ato administrativo trata-se de atos, no poder administrativo, que regula uma situação concreta e individual, a qual produzirá efeitos jurídicos.
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Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição
Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª Edição
Sousa, Marcelo Rebelo de, Matos, Adré Salgado, Direito Administrativo Geral, Tomo III.
Giovanna Lacerda,
Nº de aluno: 57582
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