Análise sobre o princípio da imparcialidade

O princípio da imparcialidade sofreu uma evolução ao longo dos tempos, no que toca ao seu próprio entendimento. Durante algum tempo, era apenas entendido como uma regra, imposta à Administração, que proibia o (des)favorecimento de particulares, por motivos que pudessem ser considerados como “pessoais” dos agentes administrativos. Esta ideia de imparcialidade é mencionada pelo professor Diogo Freitas do Amaral, que alude ainda ao facto de o símbolo da justiça ser uma figura humana, com uma venda nos olhos e uma balança equilibrada na mão, sendo esta a personificação da imparcialidade.
 Com a evolução temporal, o princípio da imparcialidade deve, agora, ser entendido enquanto uma obrigação, imposta à Administração, de ponderar os interesses públicos e privados relevantes para as suas atuações. Assim, e de acordo com os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, este princípio é dotado de duas dimensões: uma positiva, com base na qual se afirma que a Administração deve ter em consideração os interesses que sejam relevantes para as suas atuações; e uma negativa, que impõe uma proibição à Administração, no sentido em que esta não pode considerar, para a sua tomada de decisões, interesses que sejam considerados como irrelevantes para o caso concreto. 
Apesar de este princípio ter uma estipulação própria na lei, no atual artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo, é lógica a necessidade de garantir que este era cumprido e acatado pelos funcionários da Administração Pública. Isto porque, à semelhança do que acontece nas demais normas jurídicas, se não existirem mecanismos que impeçam a violação, e sanções para os casos em que essa violação ocorra, o acatamento seria provavelmente em menor escala, tendo em conta a falta de consequências para a ausência deste. De acordo com a visão dos professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, com a qual eu tendencialmente concordo, a prova da violação deste princípio é bastante complicada, tendo em vista as circunstâncias em que esta se encontraria. Como tal, o legislador optou por criar mecanismos que impedissem os agentes administrativos de intervir em decisões ou feitura de atos administrativos, nos quais se pudesse esperar uma ação menos imparcial do que a desejada – são as chamadas garantias de imparcialidade. 
Assim, os artigos 69º e 73º do Código do Procedimento Administrativo, inseridos na Secção III – das garantias da imparcialidade, estipulam as causas de impedimento. As sanções para a violação destas chamadas garantias de imparcialidade estão previstas no artigo 76º do Código do Procedimento Administrativo, e passam pela anulabilidade dos atos em que tenham intervindo agentes que estariam inicialmente proibidos de o fazer pelo princípio da imparcialidade (número 1), e ainda pelo pagamento de indemnizações à Administração e a terceiros, pelos danos que a anulabilidade do ato ou contrato possa provocar.
O professor Diogo Freitas do Amaral levanta, ainda, uma questão que penso valer a pena ser mencionada – será que o princípio da imparcialidade administrativa é um reflexo da necessidade social de aplicação da justiça no procedimento administrativo? Tendencialmente, o professor considera que não. Podem ocorrer, de facto, casos em que um agente administrativo, proibido de participar na decisão daquele ato ou contrato em concreto, acabe por desrespeitar essa proibição e, ainda assim, ajudar a tomar uma decisão considerada justa, sem se deixar influenciar pelos fatores que levariam a questões acerca da sua imparcialidade. O professor realça, ainda, que pode acontecer exatamente o contrário desta situação. Ou seja, pode acontecer que, um agente administrativo sobre o qual não existissem motivos para questionar a sua imparcialidade, influencie a tomada de decisão em termos considerados injustos, tendo em vista os interesses que deveriam ser atendidos. Assim, tendo em vista esta análise, o professor chega a uma conclusão que me parece bastante lógica e correta: o princípio da imparcialidade visa proteger a confiança que é expectável que os cidadãos tenham na Administração Pública. O que se pretende assegurar não é a justiça das decisões, mas sim que não haja motivos para duvidar da imparcialidade dos órgãos que nelas participaram. 

Bibliografia: 
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, Dom Quixote, 2016 (reimpressão). 
AMARAL, Diogo Freitas de, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2ª edição, Almedina, 2011.

Catarina Andrea Riça, nº59173. 

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