Alegações Finais dos Advogados dos 5 Candidatos Selecionados
Excelentíssimos
Srs. Juízes e Sras. Juízas,
Abaixo
trazemos aquelas que são as contextualizações e alegações finais que, na
perspetiva dos nossos clientes, consideramos ser as mais justas e razoáveis.
DOS FACTOS
.1.
A
preocupação, em Portugal, com os desastrosos e destruidores incêndios
registados nos anos anteriores, levou a que se tivesse como necessária a
abertura de um concurso extraordinário para o ingresso na carreira de
guarda-florestal.
.2.
O
número de vagas que os Secretários de Estado da Administração Interna e do
Ambiente tomaram por mais adequado e necessário foi de cinco (vagas).
.3.
As
fazes de abertura, realização e escolha decorreram, todas e sem exceção, nos
moldes previstos pelo Aviso 3055/2019 (inserto no Diário da República, 2ª
Série, Nº40, de 26 de Fevereiro de 2019).
.4.
As
cinco vagas foram preenchidas com correta e justificadamente, dadas as
qualidades dos candidatos (nossos clientes) e a integral verificação, por
estes, dos requisitos impostos para aceitação.
.5.
Não
é relevante, para a consideração dos factos, apreciar o resultado das provas de
admissão e preenchimento das condições impostas, no que toca aos restantes
candidatos.
.6.
Consideramos
que o requisito que, embora injustificadamente, se faz envolver por maior
controvérsia é a “perda de mais de 5 dentes”. Efetivamente, é com base nesse
requisito que uma das partes deste processo vem requerer a anulação do ato
administrativo.
.7.
Outro
motivo que, também sem justificação plausível (em nosso entender), vem servir
de argumento para que se tenha o ato administrativo como anulável é o da
presença de questões jurídicas de cariz doutrinário – de Direito do Ambiente –,
como as divergências entre as escolas de Lisboa e de Coimbra.
.8.
Por
fim, as partes invocam um suposto fenómeno de familygate como fundamento de ilegalidade do ato, dado que
consideram a existência de relações familiares entre dois membros do Governo
(responsáveis pela direção e seleção do concurso), um facto que compromete a
imparcialidade dos atos da Administração. Como provaremos adiante, não só não
se afigura razoável considerá-lo, como é descabido atribuir o insucesso de
candidatos aos responsáveis pela prossecução do concurso.
.9.
Dois
dos candidatos, Manuel Sabichão e João Sorridente, por não terem sido
admitidos, vêm agora reclamar a invalidade do ato, requisitando a sua anulação.
.10.
As
razões nas quais assentam os pedidos de ambos os reprovados são distintas.
Manuel Sabichão afirma que a exigência de conhecimentos doutrinários não é
razoável num concurso que, em seu entender, nada se relaciona com conteúdo
jurídico. João Sorridente, por seu turno, exige a anulação do ato com base na
ilegalidade do requisito, supra,
relacionado com a falta de dentes.
.11.
Neste
processo, foram trazidos a julgamento inúmeros peritos e testemunhas. Com vista
à fundamentação da nossa posição, munimo-nos com a contribuição do perito João
Clínico, médico laboral e profissional na área de provas clínicas – físicas e
psicológicas – efetuadas a candidatos que concorram a cargos públicos. Mais
ainda, foi de relevância fulcral o depoimento de parte de Patrícia Fogunão,
candidata aprovada para o cargo pelas elevadas capacidades e conhecimentos que
possui, bem como pelo cumprimento dos requisitos exigidos.
.12.
João
Clínico, especializado em medicina laboral e recrutamento, vem provar a
relevância que o “bom aspeto físico” tem na contratação de indivíduos. Para
tal, comprovou que o Aviso 3055/2019 merece a sua presença na letra da Lei,
somando a isso o facto de se afigurar indispensável para quem exerce as funções
de contratação (na eliminação dos candidatos não-aptos, visando escolher
aqueles que maiores garantias deem no exercício das suas funções).
.13.
Desta
forma, provou-se que a edontologia de um trabalhador condiciona não só a sua aparência,
mas também a qualidade das funções que desempenha, as quais acarretam
repercussões muitíssimo relevantes na esfera jurídica de particulares.
.14.
Patrícia
Fogunão, aceite para a posição à qual concorreu, veio depor com o intuito de
esclarecer a relevância de uma conscientização, por parte dos candidatos, das
condições que lhes são impostas com vista à sua seleção e posterior aprovação.
.15.
Mais
ainda, veio provar que a exigência do teste aplicado aos concorrentes não
transcende o parâmetro de exigência e razoabilidade que as restantes partes
pretendem mostrar como excedido.
.16.
Por
fim, enquanto depoimento de parte, provará – através do uso da razão e de
matéria de facto – como desprovida de sentido a pretensão de justificar a
suposta invalidade do ato administrativo com a relação familiar existente entre
os dois sujeitos com cargos no Ministério do Ambiente.
.17.
Com
o intuito de alertar todas as partes, reiteramos que a abertura da época
estival de 2019 terá início no dia 21 de Junho. A anulação do ato, a
subsequente abertura de novo concurso e sua finalização culminariam, muito
certamente, numa altura em que a época estival já estaria em decurso.
.18.
A
17 de Junho de 2017, em consequência de, entre outras razões, existir uma
insuficiência de guardas-florestais, deflagrou o incêndio de Pedrógão Grande.
Como fruto desta catástrofe, foram ceifadas 66 vítimas e destruído património
avaliado em 500000000€ (quinhentos milhões de euros).
.19.
Temos
também, crendo que neste aspeto não existe divergência possível, como
imperativa e prioritária, a necessidade de prevenir eventos catastróficos como
o de 2017. Este é, indubitavelmente, um facto incontestável.
Não querendo fazer um grande desvio àquilo que se afigura um verdadeiro documento de Alegações de Julgamento, consideramos contudo relevante a elaboração de um pequeno trecho relativo ao ato e procedimento administrativo.
Neste âmbito, cumpre mencionar que no caso em apreço, a prática de um ato administrativo, de acordo com o preceituado no Artigo 148º do CPA, corresponde à admissão dos candidatos selecionados (cujas pretensões defendemos). Trata-se por isso de um ato unilateral, individual e concreto, realizado por órgãos da Administração Pública, no exercício de poderes jurídico-administrativos, só podendo ser aplicado na sequência do procedimento administrativo tramitado ao abrigo dos Artigos 102º e seguintes do CPA. Como tal, existem neste ato elementos vinculados e elementos discricionários, apesar de os últimos não abundarem (veja-se, a titulo de exemplo, o Ponto 15 do Aviso 3055/2019 relativo aos critérios de ordem preferencial, que se traduz expressamente num elemento que, tendo todas as características para ser discricionário, é expressamente vinculado).
Relativamente à eficácia externa exigida pelo Artigo 148º do CPA, releva referir a sua existência. Isto porque o ato foi praticado pelos Secretários de Estado da Administração Interna e do Ambiente, e produzio efeitos jurídicos na esfera de diferentes sujeitos jurídicos (guardas florestais), nos termos do Artigo 151º nº1, alineas a) e b) do CPA.
Quanto ao Aviso 3055/2019, cumpre esclarecer que se trata de um regulamento (que faz parte do bloco legal), pelo que, com base no Artigo 142 nº2 do CPA que consagra a Teoria da Inderrogabilidade dos Regulamentos, um ato administrativo que o viole é inválido por violação da vertente da preferência de lei, o que geral anulabilidade.
Assim sendo, tendo por base esta Teoria, conclui-se que, se os Candidatos João Sorridente e Manuel Sabichão fossem aceites no concurso, estariam a ser violados os requisitos estabelecidos pelo Aviso (elementos vinculados do ato administrativo), e isso sim, geraria anulabilidade.
Finalmente, relativamente ao procedimento serão abordadas apenas as questões que suscitaram discussão em julgado. Seguindo a ordem dos Artigos 102º e seguintes do CPA, verifica-se que após a fase instrutória ou de preparação surge a fase de audiência prévia (Artigo 121 nº1 do CPA) que corresponde a um aspeto vinculado do procedimento e é corolários dos Princípios da Administração Aberta, Princípio da colaboração da Administração com os particulares, Princípio da Participação, etc, princípios estes que são assegurados de resto pelo Aviso em várias disposições.
Não obstante, o CPA estabelece, no seu Artigo 124º a dispensa da Audiência Prévia, nomeadamente quando a decisão seja urgente (alinea a), como será facilmente deduzido a partir da abertura do concurso extraordinário, e da aproximação da época estival.
De outra forma, também é exigido pelo Artigo 152º do CPA o dever de fundamentação, que consiste na fundamentação das razões que levaram a Administração a praticar aquele ato. Neste caso, seria quase óbvio qual o fundamento para a abertura do concurso extraordinário e consequente seleção dos candidatos.
Em todo o caso, ambas as situações têm em seu redor uma discussão doutrinária que se prende com a anulabilidade ou nulidade do ato. Em função do Artigo 161 nº2 d), há quem entenda, nomeadamente o Professor Vasco Pereira da Silva, que a violação do direito à audiência prévia e do dever de fundamentação, correspondem à violação do conteúdo essencial de um direito fundamental e por isso, a consequência será a nulidade. Neste sentido, a jurisprudência tem considerado que não é o dever de fundamentação ou a audiência prévia que são direitos fundamentais, mas que a sua falta poderá restringir outro direito fundamental (Artigo 20 nº1 CRP).
Em nosso entender, nenhum dos casos versa sobre direitos fundamentais. Mais ainda: afastada a pretensão de nulidade, nem mesmo a anulabilidade produziria efeitos, como será concretizado infra. Isto porque, tendo por base o Artigo 163 nº5 do CPA, e aquilo que tem sido a jurisprudência dos Tribunais Administrativos, deve ser salvaguardado o Princípio do Aproveitamento do Ato Administrativo, e aplicada a Teoria da Degradação das Formalidade Essenciais em Não Essenciais, que geram a mera irregularidade.
DA DEFESA
.20.
De
acordo com o próprio Aviso 3055/2019 (Ponto 1), datado de 12 de Fevereiro de
2019, o concurso para a carreira de guarda-florestal esteve aberto durante 10
dias. A admissão de candidaturas, portanto, decorreu num período de dez dias.
.21.
A
seleção, realização de provas, aprovação e posterior comunicação de resultados
teve uma duração de mais de 180 dias (Ponto 4.2). Assim sendo, seria irrazoável
ponderar que o processo que compreende todas as fazes do concurso pudesse
decorrer até 21 de Junho de 2019.
.22.
No
ordenamento jurídico português, são vários os princípios que favorecem e
desfavorecem a anulação de atos administrativos. Por um lado, a favorecer,
temos o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da
legalidade. Por outro, verificamos uma restrição da margem de manobra para
anulação, através da invocação de princípios como o da boa-fé e o da proteção
da confiança.
.23.
No
que respeita ao princípio da legalidade, não consideramos haver uma violação
deste. Isto porque a imposição de requisitos para a admissão de candidatos é
permitida por decreto-lei (DL 204/98, de 11/07).
.24.
O
dito decreto-lei reitera como necessário para a admissão dos candidatos, não só
o preenchimento dos requisitos gerais, mas também dos requisitos específicos
que sejam essenciais para a função em concreto.
.25.
O
preenchimento dos requisitos impostos pelo DL 204/98, no seu Artigo 29º nº2,
verificou-se, tanto quanto conhecemos, em todos os candidatos que se fazem
representar neste processo. O mesmo não se verificou, excetuando o caso dos
nossos clientes, com os requisitos específicos impostos pelo Aviso 3005/2019.
.26.
Arguir
que a imposição de requisitos específicos para a admissão configura ilegalidade
é ardentemente descabido. Não se trata de uma carreira em que o trabalhador
efetua tarefas chaplianas,
necessitando, por isso, reunir em si determinadas condições indispensáveis ao
bom labor e rigor no desempenho de funções.
.27.
Falamos
de uma carreira que incumbe os guardas-florestais com um papel de enormíssima
responsabilidade. Estão, para além de propriedades e poupanças de uma vida
inteira, vidas em risco.
.28.
O
facto de ser exigido ao candidato – João Sorridente – que não tenha mais que
cinco dente em falta, ou que tenha pelo menos vinte, é, para além de razoável,
um requisito que proporciona melhor desempenho das suas funções, atenuando o
risco de se alastrar um incêndio que culmine na destruição de casas, empresas e
vidas. Atente-se que a não verificação de uma das condições não gera possibilidade
de optar pela outra, sendo o candidato imediatamente afastado.
.29.
Mais
ainda, o entendimento de um candidato reprovado (o que só torna ainda mais
questionável a sua exigência) parece-nos ser irrelevante quando contraposto com
a segurança de pessoas e a possível violação de princípios morais e
constitucionais.
.30.
Será
razoável defender a ilegalidade de um requisito que assume esta importância e
que claramente não prejudica de modo algum a segurança e os interesses de
possíveis vítimas de incêndios?
.31.
De
acordo com o ex-Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, num trabalho por si
publicado, “os trabalhadores devem reunir certas qualidades ou condições para
serem parte numa relação jurídica de emprego público”. Mais ainda, é defendido
que a definição legal de requisitos para aceder aos empregos públicos
«inscreve-se no quadro da possibilidade de restrições legais à liberdade de
escolha de profissão, em nome do interesse coletivo ou capacidade dos
indivíduos para um determinado desempenho funcional”.
.32.
As
conceções e visões propostas pelo Dr. Alfredo José de Sousa, parecem favorecer
a exclusão de qualquer pretensão de questionar a legalidade dos requisitos
impostos pelo Aviso 3005/2019.
.33.
Veja-se
o seguinte: no mesmo Aviso, o Ponto 6.2.a) exige que os candidatos não tenham
uma altura inferior a 160 centímetros. Será justo considerar a exclusão de um
candidato com 159 centímetros? Tão justa será quanto foi a decisão de afastar
João Sorridente por não preencher o requisito referente à dentição.
.34.
No
mesmo âmbito de carreiras, poderemos refletir sobre as condições que devem ser
preenchidas pelos candidatos que se apresentem num concurso para integrar a
Força de Intervenção da PSP. Claro está que um indivíduo que possua 190
centímetros e um índice de massa muscular elevado, prevalecerá (supondo que
reúne os restantes parâmetros necessários) sobre um indivíduo com 140
centímetros e parco volume muscular.
.35.
Como
dispõe o Artigo 18º do Decreto-lei 204/98, “a
definição dos métodos de seleção e respetivo conteúdo e, bem assim, quando for
caso disso, dos programas das provas de conhecimentos aplicáveis a cada
categoria é feita em função do complexo de tarefas e responsabilidades
inerentes ao respetivo conteúdo funcional e ao conjunto de requisitos de
natureza física, psicológica, habilitacional ou profissional exigível para o
seu exercício”.
.36.
A
função de guarda-florestal acarreta a execução de tarefas que compreendem a
comunicação com colegas de trabalho, com “recém-aceites” em concurso que
necessitam de formação e com civis.
.37.
É,
para além do mais, difícil refutar a ideia de que um guarda-florestal, em
exercício de funções durante meses de calor intenso, não necessite de uma boa
forma-física para cobrir a maior área florestal possível.
.38.
Como
provado pelo perito João Clínico, a falta de dentes é frequentemente apontada
como uma das causas de doenças do foro gástrico e cardiovascular. Essas doenças
são, por si só, causas de exclusão dos candidatos (Anexo II – Pontos 10 e 12).
Isto porque, naturalmente, a falta de saúde e impedimentos físicos são
inconciliáveis com o bom exercício da função de guarda-florestal.
.39.
Também
decorrentes da falta de dentes são as dificuldades de comunicação que, como é
sabido são parte integral e fundamental das variadas tarefas insertas nas
incumbências de um profissional desta área.
.40.
Imaginemos:
um foco de incêndio é avistado por João Sorridente, que se encontra a cerca de
5km do local. A sua fraca condição física, consequência da falta de dentes,
impede-o de se deslocar até às chamas. Fazendo uso do dispositivo de
comunicação que leva consigo, tenta entrar em contacto com o colega que mais
próximo se encontra do foco. A falta de dentes impede-o de proferir as frases
de forma clara e percetível para o seu colega. O fogo, neste intervalo, avança
várias centenas de metros e está agora mais difícil de controlar.
.41.
Coloque-se
ainda a seguinte hipótese: João Sorridente está no exercício das suas funções,
quando se depara com um grupo de dez jovens que convivem numa das suas áreas de
patrulha. Avista um dos jovens a atirar uma beata para o solo, que nesta altura
atinge o seu pico de inflamabilidade. O guarda, revoltado com a atitude,
dirige-se aos jovens exclamando avisos impercetíveis dada a sua falta de
dentes. A figura de autoridade de João Sorridente é posta em causa como
consequência da edontologia de que sofre. Os jovens abandonam o local e
prosseguem com o mesmo tipo de práticas.
.42.
Patrícia
Fogunão padecia, antes de ter tomado conhecimento deste requisito, da falta de
apenas um dente. O seu sonho, desde muito jovem, era o de ser guarda-florestal.
.43.
Não
obstante a sua condição não ser impeditiva, foi suficiente para que se tenha
apercebido da má aparência que a falta de um dente revela. Muito embora a falta
de um dente não fosse suficiente para a não-aceitação, a má aparência seria
impeditiva (Aviso 3055/2019 – Anexo II Ponto 12.c).
.44.
Posto
isso, e como comprovámos através da fatura apresentada ao Tribunal, Patrícia
Fogunão decidiu realizar uma operação para a implantação de uma prótese
dentária.
.45.
A
dita aparência, ou falta dela, é muitas vezes associada à falta de confiança,
que se repercute numa deficiente autoridade, o que indubitavelmente afeta as
funções de um guarda-florestal. Veja-se e aplique-se, na sequência da análise
aqui feita sobre a má-aparência, o ponto 41 destas alegações.
.46.
No
que diz respeito ao conteúdo e estrutura da prova de conhecimentos, Manuel
Sabichão pretende impugnar o ato administrativo após ter obtido um resultado de
zero valores num total de vinte (o que, novamente, parece ser razão para
questionar a natureza da sua pretensão).
.47.
A
prova tem uma duração de cento e vinte minutos e é composta por cem questões
(sessenta de escolha múltipla e quarenta de Verdadeiro/Falso). A cotação é
feita de forma proporcional, numa escala convertida de cem pontos para vinte
valores.
.48.
Invoca,
Manuel Sabichão, que não conseguia entender a relevância das questões –
contraposição das escolas de Direito de Coimbra e de Lisboa, em matéria de
Direito do Ambiente – para o exercício das funções a que se havia candidatado.
.49.
No
website da Guarda Nacional Republicana pode ser facilmente consultada uma
tabela explicativa dos conteúdos que constam das provas de conhecimento para o
ingresso na carreira de guarda-florestal. Isto, por si só, configura um
elemento refutador, já que estando publicada a estrutura e conteúdos, qualquer
interessado se poderia informar sobre eles.
.50.
Na
tabela acima mencionada, fica explícito para qualquer um que a consulte, que a
prova se compõe por quatro grupos, dos quais dois assentam em questões de cariz
jurídico (Grupo III e Grupo IV).
.51.
Não
é, portanto, argumento sólido, o que se baseia na inacessibilidade dos
conteúdos que poderiam vir a ser abordados. Se Manuel Sabichão, tomando as
diligências necessárias, se tivesse decidido informar, chegaria à conclusão de
que necessitaria de conhecimentos na área do Direito para responder
corretamente às questões.
.52.
Não
nos parece relevante, no âmbito do concurso e no âmbito das funções a que se
candidatou, apreciar a capacidade de Manuel Sabichão para entender a relevância
das questões doutrinárias. Parece-nos, por outro lado, importante saber se
Manuel Sabichão conseguiu, com sucesso, provar os seus conhecimentos.
.53.
Os
grupos III e IV representam, no seu conjunto, quarenta pontos (em cem) da prova
de conhecimentos. Ou seja, oito valores numa escala de vinte valores. Através
de um cálculo matemático básico, chegamos à conclusão de que, mesmo
desconhecendo totalmente as matérias jurídicas, teria ainda doze valores a
“utilizar” para alcançar a aprovação na prova. Sendo que a aprovação sucede
quando o candidato obtenha mais de dez valores, teria ainda dois valores de
“margem para errar”. Exclui-se, por isto, a validade das afirmações de Manuel:
não foram as questões de Direito que condenaram o seu futuro enquanto
guarda-florestal.
.54.
A
função de guarda-florestal, inserida nas carreiras da Guarda Nacional
Republicana, pressupõe um conhecimento mínimo de Direito. Sem o dito
conhecimento, não se pode dizer que as funções venham a ser desempenhadas com
igual qualidade. Pelo contrário, o desconhecimento do Direito nesta área
profissional, acarreta uma incapacidade de lidar com uma vastidão de situações.
.55.
Os
comportamentos que sujeitos podem ou não adotar em áreas florestais são objeto
de Direito. O desconhecimento dessas matérias é uma falta grave que compromete
o eficaz e correto exercício das funções que incumbem a Manuel Sabichão.
.56.
O
desconhecimento da Lei não aproveita a ninguém. Nem aos civis, nem a Manuel
Sabichão.
.57.
No
âmbito do princípio da prossecução do interesse público (constante do Artigo 4º
do CPA), que comummente serve de base à anulação de atos (embora neste caso
pareça impossibilitá-la), importa ter em mente os aspetos a serem abordados infra.
.58.
Este
princípio é também positivado pelo Artigo 266º nº1 da Constituição da República
Portuguesa: “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público,
no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
.59.
Temos
por “direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, neste caso, o
direito à vida, à propriedade privada, à segurança (quer jurídica, quer física)
e ao bem-estar físico e psicológico – entre outros.
.60.
Este
princípio sustenta, como o próprio nome indica, a ideia de que a Administração
Pública poderá anular atos da sua autoria quando, em análise posterior,
considere haver uma maneira mais eficaz e justa de prosseguir o interesse
público.
.61.
A
questão que aqui importa é a de estabelecer uma ordem de interesses. Estamos
perante dois interesses distintos: o interesse dos particulares em estarem
seguros e protegidos pelos guardas-florestais, de forma a “evitar as evitáveis”
consequências trágicas; o interesse de Manuel Sabichão em ser admitido para
esta posição.
.62.
Cremos
que é dificilmente refutável a ideia de que os interesses dos particulares
devem, neste caso concreto, prevalecer impreterivelmente sobre o interesse de
Manuel Sabichão. O direito à vida, à segurança e à propriedade privada abarca
valores mais dignos de serem protegidos do que o direito possuir um emprego
(Artigo 58º nº1 da CRP).
.63.
Tendo
em conta o que foi supramencionado, concluímos pela inexistência de qualquer
fundamento para que seja arguida a ilegalidade do Aviso. As condições impostas
são não só necessárias para o exercício correto e regular da função, como
também o são face à necessidade de prevenir mais perdas de vidas e
propriedades.
.64.
No
que diz respeito aos princípios que limitam a atuação da Administração no
aspeto da anulação dos atos administrativos, abordaremos o da boa-fé e o da
proteção da confiança, que no caso concreto se corelacionam.
.65.
Pelo
contexto da questão aqui abordada, parece-nos que a Administração agiu de
boa-fé ao proporcionar a abertura de um concurso extraordinário para a carreira
de guarda-florestal – havendo, portanto, uma atuação conforme com o Artigo 10º
do CPA. A preocupação com o património florestal e particular, bem como com a
vida dos cidadãos aparenta ter sido a razão desta abertura. É de louvar.
.66.
Os
cinco clientes que representamos confiaram, de boa-fé, na atuação da
Administração que, ressalve-se, foi desprovida de falhas (quer a nível de
legalidade, quer a nível de justiça).
.67.
As
qualidades e capacidades que possuem foram, mais que certamente, as
responsáveis pela sua aprovação nos testes físicos, psicológicos e de conhecimento
a que se submeteram.
.68.
A
confiança depositada, pelos nossos clientes, na atuação da Administração, não
pode ser discricionariamente violada; muito menos por queixas infundadas e
baseadas em ressentimentos pela não-admissão ou não-aprovação.
.69.
Seria
implausível, senão inadmissível, afastar candidatos com competências para o
eficaz exercício destas funções, com vista à abertura de um novo concurso.
.70.
Os
cinco candidatos aprovados, após terem tido conhecimento da sua efetividade,
tomaram liberdades no seio familiar, como consequência dessa, que não poderão
ser comprometidas pelas injustificadas pretensões de dois candidatos
não-aceites.
.71.
O
direito ao emprego de uns, não pode ser comprometido pelo dever de tomar a
devidas diligências (com vista à colocação), que outros não cumpriram.
.72.
Não
se compreendem, efetivamente, quais os resultados que João Sorridente e Manuel
Sabichão pretendem atingir com o pedido de impugnação. Será que a sua motivação
assenta na ideia de que terá que ser feita justiça e aberto um novo concurso?
Ou será que se trata de uma mera retaliação, injustificada e caprichosa, contra
aqueles que pelas suas qualidades ocuparam os lugares disponíveis?
.73.
Independentemente
das justificações, não deverá ser desconsiderada a boa-fé que, tanto os nossos
clientes, como os cidadãos portugueses na sua generalidade, depositaram na
Administração Pública.
.74.
É
facto que a escolha para o preenchimento das vagas não poderia ter sido mais
acertada. Os candidatos são competentes, capazes e reúnem todos os requisitos cuja
verificação seria obrigatória.
.75.
A
abertura de um novo concurso, para além de acarretar custos impagáveis,
acarreta o risco de ocorrência, entre a sua abertura e fecho, de um novo
incêndio devastador. Sem os guardas-florestais aprovados em funções, não haverá
pessoal suficiente para a deteção e combate.
.76.
Sabemos
ainda, de acordo com o Artigo 16º do CPA, que a Administração Pública responde
pelos danos causados no exercício das suas funções. Queremos, realmente, que a
Administração responda, novamente, pelas consequências de desastres que
poderiam ter sido facilmente evitados?
.77.
No
que se prende com o princípio da igualdade, materializado no Artigo 6º do CPA, aparenta
ser impossível encontrar correspondência entre os comportamentos proibidos e a
atuação da Administração.
.78.
Nenhum
candidato, tanto quanto sabemos, sofreu discriminação por motivos étnicos,
religiosos, sexuais ou qualquer um dos restantes que se inserem no Artigo 6º do
CPA.
.79.
O
afastamento de certos candidatos, por não reunirem as condições especificamente
impostas, não pode ser visto como uma violação do princípio da igualdade. Deve
haver um tratamento isonómico de todos os particulares candidatos, considerando
como “igual o que é igual, e diferente o que é diferente”.
.80.
No
fundo, não poderemos colocar no mesmo plano de “admissibilidade” – para o
concurso em causa – um homem que se caraterize pela falta de dentes e outro com
uma dentição perfeita. Concluímos, assim sendo, que houve um respeito da
Administração Pública pelo princípio da igualdade.
.81.
No
que se prende com o caso de familygate,
queremos, enquanto advogados dos nossos clientes, ressalvar o facto de, em
momento, lugar ou circunstância alguma estes se terem envolvido diretamente nesta
questão.
.82.
O
Secretário de Estado do Ambiente nomeou o seu primo para o cargo de Assessor.
Isto, por si, não configura ilegalidade, como constatamos através da análise do
Artigo 24º nº4.a) da Lei Geral do Trabalho Em Funções Públicas. As imposições
circunscrevem-se ao segundo grau de colaterais, sendo que “primo” configura uma
colateralidade no quarto grau.
.83.
Mais
ainda, o CPA, no seu Artigo 73º nº1 e 2, estabelece como fundamento de escusa e
suspeição a colateralidade até ao 3º grau. É certo que a jurisprudência tem
vindo a interpretar este Artigo no sentido de alargar o seu conteúdo a “amigos
de casa”. Porém, parece-nos improcedente esta pretensão, dado que não
encontramos possível aplicação dessa figura neste caso.
.84.
Não
havendo ilegalidade na escolha de um primo para Assessor do Secretário de
Estado, nenhum dos dois sujeitos poderá responder por esse motivo.
.85.
Patrícia
Fogunão apresentou matéria de facto, sob forma de prova áudio-digital, que
comprova a inexistência de uma ligação entre o parentesco dos dois funcionários
e a seleção de candidatos privilegiados.
.86.
Patrícia
Fogunão, desde sempre que sonhara com a profissão de guarda-florestal, pelo que
criou e desenvolveu um blog ao longo da sua vida, onde expôs pessoalmente todas
as etapas percorridas para alcançar o seu objetivo.
.87.
No
dia da abertura do concurso, quando se encontrava no Ministério do Ambiente a
gravar mais um dos seus vídeos, captou uma faixa de áudio que compreende uma
conversa entre o Secretário de Estado do Ambiente e o seu Assessor.
.88.
Neste
trecho, pode ser escutada a intenção do Assessor de beneficiar um amigo seu em
dificuldades. O seu primo, Secretário de Estado do Ambiente, afasta de forma
inflexível qualquer pedido ou pretensão do Assessor nesse sentido. Este
comportamento revela o profundo respeito do Secretário de Estado pela lei, bem
como os intrínsecos valores ético-morais que possui.
.89.
O
suposto familygate não pode, por
isso, ser invocado para arguir a anulabilidade e a ilegalidade do concurso e
das escolhas feitas no âmbito deste.
Apelamos,
por tudo isto, a que este Tribunal, no âmbito do Artigo 202º nº2 da CRP, dirima
este conflito da forma mais razoável e menos onerosa para a esmagadora maioria
da população portuguesa, que tanto tem sofrido nos últimos anos como
consequência dos incêndios florestais, ao declarar como improcedente o pedido
de impugnação do concurso.
Clientes:
José
Fogueirinha, Patrícia Fogunão, Eugénio Eucalipto, Laura Labareda, Fábio Fagulha
Advogados:
Henrique
Santos, Patrícia Courelas, Francisco Nicolau, João Morais, Helena Raquel Silva,
João Batista, Ilda Maria Sá
Data:
17 de Maio de 2019
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