Alegações dos advogados do Ministério do Ambiente
Meritíssimos Juízes,
Face ao processo de
impugnação contenciosa do concurso extraordinário para o recrutamento de cinco
guardas florestais, aberto conjuntamente pelo Ministério do Ambiente e pelo
Ministério da Administração Interna, nos termos do Aviso 3055 / 2019 (publicado em Diário da República, 2ª
série, nº. 40, de 26 de fevereiro de 2019), enquanto advogados do Ministério do
Ambiente, apresentamos as seguintes alegações:
1. DIREITO DO AMBIENTE - O Direito do Ambiente
é um ramo do direito, constituindo um conjunto de princípios jurídicos e de
normas jurídicas que pretendem a proteção jurídica da qualidade do meio
ambiente. Da Lei nº19/2014, relativamente as bases da política de ambiente, e do
artigo 5º podemos retirar a ideia de que o Direito do Ambiente consiste no
direito de defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e
internacionalmente protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de
entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em
matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do
direito.
2. Existem 4 princípios basilares do Direito do
Ambiente e que são importantes ter em conta: o princípio da prevenção
(Art.66º da Constituição da República Portuguesa e no art.3º a) da Lei de Bases
do Ambiente) visa evitar o risco ambiental. A sua aplicação faz-se nos casos em
que os impactos ambientais já são conhecidos. Neste caso, este princípio foi aplicado
com a criação de mais vagas na carreira de guarda florestal, e tendo em conta
que há um problema associado aos incêndios, que têm ocorrido nos últimos anos, é
necessário prevenir danos irreversíveis. O segundo princípio é o da precaução (presente no Tratado de Lisboa
Art.191º nº2) – ligado aos conceitos de afastamento do perigo e segurança das
gerações futuras, bem como ao conceito de sustentabilidade ambiental das
atividades humanas. Este princípio atua através de ações como limpeza de matas,
disponibilização de mais meios de atuação e sensibilização da população por
forma a travar consequências danosas. Outro princípio é o da correção na
fonte, que assenta também numa lógica preventiva, e pretende proferir uma
solução de correção na fonte, ou seja, relacionada neste caso com o número de
guarda florestais, que é preciso ser aumentado. O princípio passa também por solução
no fim de linha, isto porque permite eliminar/minimizar bastante os impactos
gerados, não só no ambiente, mas também na vida das pessoas, evitando tragédias
como as que tem ocorrido, o que demonstra que é necessário que haja guardas
florestais o mais adequados possíveis às funções, para que possam defender não
só o ambiente, como também as pessoas. Por último, é importante realçar o princípio
do Desenvolvimento Sustentável (Art.66º CRP), que pretende satisfazer as
necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, o que significa
possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório
de desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural,
fazendo ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as
espécies e os habitats naturais, ou seja, conciliar o desenvolvimento económico
com a sustentabilidade ambiental. Como tal, é necessário proteger os nossos
recursos e o meio ambiente, garantindo que é feita uma correta aplicação dos
princípios supramencionados, por forma a evitar mais estragos provocados por
incêndios, e impedir que mais pessoas sofram com estas tragédias.
3. ATO
ADMINISTRATIVO: O ato administrativo em causa foi praticado pelo Secretário de Estado da
Administração Interna e pelo Secretário de Estado do Ambiente (Art. 148º CPA).
Existe, desde logo, um ato administrativo que corresponde à abertura do
procedimento concursal.
4. Nos termos do artigo 148º do Código do
Procedimento Administrativo, consideram-se atos administrativos as decisões
administrativas que visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação
individual. O ato administrativo, conforme determina a disposição
supramencionada, tem de ter um caráter externo, o que significa que deve
verificar-se a produção de efeitos noutros sujeitos jurídicos diferentes da
pessoa coletiva que praticou o ato. Neste caso, o ato foi praticado pelo
Secretário de Estado do Ambiente e da Administração Interna (art.151º nº1 a)
CPA), e produz efeitos nos guardas florestais que se vão candidatar e que são,
por conseguinte, os destinatários deste ato (art.151º nº1 b).
5. Para além de externo e de versar sobre uma
situação individual e concreta, o ato administrativo tem também de ser
unilateral, praticado no exercício do poder administrativo, ser decisório e
advir de um órgão administrativo.
6. Parece-nos importante referir que, não
obstante se tratar da abertura de um procedimento concursal, estamos perante um
ato e não perante um contrato administrativo. Este último, contrariamente
àquilo que se verifica em relação ao ato administrativo, implica um acordo de
vontades e tem, portanto, um caráter bilateral. Como tal, o contrato
administrativo, ainda que, tal como o ato, seja um modo de exercício da função
administrativa, implica a existência de
um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma
relação jurídica administrativa[1].
7. Os artigos 155º e seguintes do CPA regulam
a eficácia do ato administrativo. O ato administrativo só produz efeitos desde
a data em que é praticado. Como tal, a abertura do procedimento concursal só
produz efeitos a partir do momento em que o ato foi praticado pelos Secretários
de Estado. Para que se considere que o ato foi praticado é necessário que
estejam preenchidos os requisitos do nº2 do artigo 155º do CPA.
8. O ato administrativo está subordinado ao
princípio da legalidade (art. 266º/2 da CRP e no art. 3º do CPA) e a todas as
suas dimensões. Na dimensão da preferência de lei, o ato administrativo não
deve contrariar o direito vigente e, por conseguinte, o bloco de legalidade. No
presente caso, o ato foi praticado nos termos do Aviso n.º 3055/2019, e tendo
em conta que o aviso é um regulamento, segundo o art. 142º, o ato não pode
derrogar o regulamento. Por outro lado, na dimensão da reserva de lei, o ato
administrativo deve fundamentar-se numa norma jurídica. Deste modo, parece-nos
importante aferir a competência dos Secretários de Estado para praticar este
ato. Segundo o disposto no art. 3º nº16 da Lei Orgânica do Governo, o
Secretário de Estado do Ambiente coadjuva o Ministro do Ambiente no exercício
das suas funções, contudo não dispõe de competências próprias por força do art.
10º do mesmo diploma. Como tal, a competência para o exercício deste ato teria
de ser delegada pelo Ministro do Ambiente, segundo o art. 8º nº3 e nos termos
do art.10º nº1 da LOG, ao Ministro do Ambiente compete formular, conduzir,
executar e avaliar as políticas do ambiente, conservação da natureza (entre
outros), numa perspetiva de desenvolvimento sustentável e de coesão social e
territorial, conforme dispõe o artigo 26º nº1 da LOG.
9. PROCEDIMENTO: O procedimento
administrativo, conforme afirma o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA, é uma série de condutas dotadas de lógica
interna e orientadas para a produção ou execução de uma decisão administrativa[2].
10. O procedimento do ato administrativo está
regulado nos artigos 102º e seguintes do CPA, e está subordinado a seis
princípios fundamentais: o princípio do inquisitório; o princípio da
celeridade; o princípio da publicidade; o princípio do caráter escrito dos atos
e formalidades procedimentais; o princípio da colaboração procedimental dos
particulares; e, por fim, o princípio da gratuitidade.
11. De acordo com o Professor DIOGO FREITAS DO
AMARAL, o procedimento decisório de 1º grau, isto é, aquele que tende à prática
de um ato administrativo primário, é composto por seis fases.
12. Primeiramente, ocorre a fase inicial. Esta
fase dá início ao procedimento, início este que pode ser desencadeado pela
Administração ou por um particular interessado. No caso concreto, o
procedimento foi iniciado pela Administração, na medida em que abriu o
procedimento concursal.
13. Seguidamente, verifica-se a fase da
instrução. Nesta fase, averiguam-se os factos relevantes para a decisão final,
que serão disponibilizados através da recolha de provas que se mostrem
necessárias nos termos dos artigos 115º a 120º do CPA. Esta fase está
diretamente relacionada com o princípio inquisitório, consagrado no 58º do CPA.
14. De seguida, verifica-se a fase da
audiência dos interessados. Esta é uma das fases mais importantes que
concretiza princípios consagrados no CPA, nomeadamente o princípio da
colaboração da Administração com os particulares, consagrado no artigo 11º/1
CPA, bem como o princípio da participação, que está disposto no artigo 12º do
mesmo diploma. Relativamente a esta fase do procedimento do ato administrativo
fala-se até de um direito fundamental com base no artigo 2º da CRP, uma vez que
este princípio é referido, inclusivamente, no artigo 267º/5 da CRP.
15. Tal como dispõe o ponto 21 do Aviso n.º 3055/2019, os candidatos têm direito de acesso às atas e aos documentos em que
assentam as deliberações do júri, nos termos da lei, ou seja, foi
assegurado o princípio da colaboração com os particulares, ou seja, são dadas
as informações e os esclarecimentos que são necessários para clarificar as
decisões tomadas.
16. O CPA determina, todavia, exceções à
necessidade de verificação desta fase. Existem, portanto, casos em que a fase da
audiência dos interessados pode ser dispensada. Estes casos estão explanados no
artigo 124º do CPA. No presente caso, uma vez que a necessidade de vigilância
acrescida das florestas para prevenção de incêndio é uma situação de caráter
urgente, nomeadamente pelo facto de nos aproximarmos de uma época em que há uma
probabilidade elevada de aumento dos incêndios florestais e devido a todas as
tragédias que se já se verificaram anteriormente em Portugal, concluímos que,
nos termos do artigo 124º/1 a) há dispensa de audiência prévia dos interessados
no procedimento deste ato administrativo. Importa ainda a este respeito atender
ao artigo 191º/2 do Tratado de Lisboa que consagra o princípio da precaução. De
acordo com esta disposição, é necessário garantir o afastamento do perigo e
salvaguardar a sustentabilidade ambiental, pelo que se demonstra imperativo a
contratação destes guardas florestais com a maior urgência possível. Não
obstante, conforme determina o nº2 da disposição supramencionada, a dispensa de
audiência dos interessados neste caso tem de ser acompanhada de devida
fundamentação.
17. Assim, quando seja exigida audiência dos interessados e esta não ocorra, estamos perante uma ilegalidade,
um vício de forma por preterição de uma formalidade essencial. Relativamente ao
tipo de vício que está em causa, existe divergência doutrinária. Esta
divergência verifica-se em função do entendimento da audiência prévia dos
interessados como um direito fundamental ou, por outro lado, do entendimento
segundo o qual não se trata de um direito fundamental. Discute-se, portanto, se
a sanção corresponderá a uma nulidade ou a uma anulabilidade.
18. Se entendermos o direito à audiência
prévia como um direito fundamental então, nos termos do artigo 161º/2 d), o
vício será a nulidade. Se por outro lado, entendermos que o direito à audiência
prévia não é um direito fundamental, então a sua falta produzirá mera
anulabilidade, ao abrigo do disposto no artigo 163º/1. O Professor DIOGO
FREITAS DO AMARAL perfilha a segunda posição, ao passo que o Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA entende o direito à audiência prévia um direito fundamental e,
portanto, quando verificada a sua falta, gerador de nulidade.
Importa referir que a jurisprudência dominante, no que
diz respeito a esta matéria, se posiciona no sentido de a falta de audiência
prévia cominar na anulabilidade e não na nulidade. No Acórdão do STA datado de
26-09-2018 entende-se que a falta de audiência prévia “quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de uma
formalidade essencial, conducente, em regra à anulabilidade do ato (nº1 do
artigo 163º CPA)”[3].
19. De seguida, verifica-se a fase da
preparação da decisão. Esta fase, não obstante não ser autonomizada por todos
os autores, é-o pelo Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, que defende que esta
fase corresponde ao momento em que a Administração pondera adequadamente tudo
aquilo que foi estabelecido na fase inicial, preparando-se, portanto, para
decidir.
20. Finalmente,
ocorre a fase da decisão. É com a decisão que termina o procedimento do ato
administrativo, conforme determina o artigo 93º do CPA. O procedimento, nos
termos do artigo 127º do CPA, pode terminar pela prática de um ato
administrativo ou pela celebração de um contrato. Neste caso, o procedimento
terminou com a prática de um ato administrativo.
21. DEVER DE
FUNDAMENTAÇÃO: Em conformidade com o disposto no artigo 152º do CPA, os atos
administrativos têm de ser fundamentados, devendo esta fundamentação preencher
os requisitos do artigo 153º. Este dever consiste, assim, na enumeração
explícita das razões que levaram a Administração a praticar aquele ato. Neste
sentido, o dever de fundamentação permite também que a Administração pondere as
suas razões, permitindo uma maior prudência aquando da prática de atos
administrativos. Na perspetiva da defesa do particular, o dever de
fundamentação permite-lhe estruturar cabalmente uma impugnação administrativa
ou contenciosa daquele ato, uma vez que só poderá fazê-lo se tiver conhecimento
de todos os motivos que levaram a Administração a decidir.
22. Como tal, os Secretários de Estado terão
de indicar quais as razões que os levaram a abrir o procedimento concursal
extraordinário. Relativamente ao Secretário de Estado do Ambiente, as razões
que levaram à abertura daquele concurso extraordinário correspondem
precisamente à urgente necessidade de proteger as florestas, uma vez que nos
aproximamos da época em que se verificam as temperaturas mais altas, mas também
por forma a evitar que haja uma elevada incidência de fogos que não só porão em
risco as florestas como a segurança da população, todavia, não se verificam todos
os requisitos do A.153º/1 CPA. Ainda em relação ao dever de fundamentação,
importa referir que também se discute a sua possível natureza jusfundamental. A
nosso ver, contrariamente àquela que é a posição do Professor Vasco Pereira da
Silva, o dever de fundamentação não corresponde, de todo, a um direito
fundamental. Não se trata de um direito fundamental precisamente pelo facto de,
desde logo, o legislador não o ter consagrado enquanto tal e ainda porque o
próprio legislador, em alguns casos, dispensa o dever de fundamentação,
caracterizando-o sempre como apenas um “dever” e não um direito. Como tal,
ainda que não tenham sido respeitados os requisitos do artigo 153º relativo ao
dever de fundamentação, não estamos perante a violação de um direito fundamental.
Importa ainda referi que, no que diz respeito ao vício que a violação do dever
de fundamentação acarreta é de nulidade ou de anulabilidade. No seguimento da
nossa posição tomada relativamente à falta de jusfundamentalidade do dever de
fundamentação, entendemos também que a violação deste dever apenas se pode
reconduzir a uma anulabilidade nos termos do A.163º/1. Neste caso, de facto,
houve falta de dever de fundamentação, uma vez que não estão preenchidos todos
os pressupostos do A.153º/1, pelo que é anulável nos termos do A.163º/1.
Contudo, uma vez que se trata de um ato discricionário, entendemos que, ao
abrigo do A.163º/5 c) e à luz do princípio do aproveitamento do ato
administrativo estamos perante um caso em que se
aproveita o ato administrativo pelo facto de se verificar que ele seria
praticado independentemente da violação de certas formalidades, ou seja, a
invalidade é desvalorizada para uma situação de mera irregularidade e, como
tal, tida como não essencial. Neste sentido, não obstante, ter sido violado o
dever de fundamentação, a anulabilidade do ato administrativo é sanada por
força da alínea c) do nº5 do A.163º.
23. IMPUGNAÇÃO DO
ATO ADMINISTRATIVO: Ao abrigo do disposto no artigo 50º/1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, a
impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração
de nulidade desse ato. Como tal, João Sorridente e Manuel Sabichão pretendem a
anulação ou a declaração de nulidade do ato administrativo praticado pelos
Secretários de Estado. A impugnação do ato administrativo é, portanto, uma
forma de controlo da invalidade dos atos administrativos. A impugnabilidade do
ato prende-se com o seu caráter externo, isto é, com a suscetibilidade de
aquele ato produzir efeitos que podem ser lesivos na esfera jurídica de outrem
(artigos 51º a 54º do CPTA). Esta faculdade de impugnar o ato administrativo
está também consagrada constitucionalmente no artigo 268º/4 e 5 da CRP que
consagra a tutela jurisdicional efetiva dos administrados, nomeadamente a
impugnação de atos administrativos que os lesem.
24. Com efeito, nos termos do artigo 188º/1 do
CPA, o prazo de impugnação relativo aos interessados a quem o ato
administrativo deve ser notificado só corre a partir da data da notificação.
Neste sentido, João Sorridente e Manuel Sabichão podem impugnar o ato
administrativo praticado pelos Secretários de Estado a partir do momento em que
aquele lhes foi notificado. Em conformidade com o nº1 do artigo 189º, as
impugnações administrativas necessárias suspendem os efeitos dos atos
administrativos, ao passo que as impugnações administrativas facultativas não
têm efeito suspensivo.
25. ATO DE NOMEAÇÃO - Para além da abertura do
procedimento concursal, a escolha dos guardas que ingressaram nas cinco vagas
consiste num ato de nomeação.
26. REGULAMENTO: Relativamente ao Aviso
nº 3055/2019 importa perceber a que forma de atuação da Administração Pública
este se reporta.
27. Pela definição de regulamento que consta
do CPA no artigo 135º percebemos que este aviso se aproxima mais daquilo que é
um regulamento, dadas as suas características de generalidade e abstração.
Generalidade por se aplicar a uma generalidade de destinatários, neste caso
todos os que se queiram candidatar ao concurso e abstração por se aplicar a uma
ou mais situações definidas pelos elementos típicos constantes das previsões
normativas, ou seja, a todos os procedimentos concursais para o ingresso na
carreira e categoria de guardas-florestais, o que até é percetível pelo facto
deste concurso ser extraordinário já tendo ocorrido outro ao abrigo do mesmo.
28. Além
disso, o regulamento é ditado por um órgão da Administração Pública, o Governo,
que nos termos do artigo 199º alínea c) da CRP tem competência para tal, visto
ser o órgão supremo da Administração Pública e primeiro titular do poder
regulamentar, tendo no âmbito das suas competências administrativas competência
generalizada para a emissão de regulamentos.
29. O artigo 135º refere
ainda que para efeitos do disposto no CPA é necessário que o regulamento vise
produzir efeitos jurídicos externos, ou seja, produzir efeitos na esfera de uma
pessoa coletiva diversa da pessoa que aprovou o regulamento, neste caso uma
pessoa coletiva diversa do Governo, o que acontece, pois este irá produzir
efeitos na esfera jurídica dos guardas florestais que se vão candidatar.
30. Conclui-se pelo exposto que presente Aviso
se trata de um regulamento ao qual se aplicam os artigos 135º e ss. do CPA.
31. De acordo com o 136º nº1 do CPA para a
emissão de um regulamento tem de existir uma lei habilitante para tal, sendo
essa neste caso a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo
à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que regula o vínculo do trabalho em funções
públicas. Mais precisamente, o Regulamento em causa foi aprovado ao abrigo dos
artigos 30º nº1 e artigo 33º dessa mesma Lei, relativos ao preenchimento dos
postos de trabalho e ao procedimento concursal. No artigo 136º nº 2 conjugado
com o 112º nº7 da CRP os regulamentos devem indicar expressamente as leis que
visam regulamentar, o que no caso do Aviso em questão é respeitado referindo esta
essa mesma lei logo no ponto 1 do mesmo.
32. Estamos perante um regulamento de
execução, pois este visa desenvolver a disciplina jurídica que consta da LGTFP,
contudo não é devido, mas sim espontâneo, uma vez que não consta da lei a
necessidade de complementarização da mesma. A Administração pode editar um
regulamento de execução, se para isso tiver competência e achar adequado. O Governo,
como já referido, tinha competência e era adequado dada a aproximação da época
estival e a necessidade de vigilância acrescida das florestas para a prevenção
de incêndios.
33. O Regulamento em causa é eficaz, uma vez
que foi publicado no Diário da República, respeitando o disposto no artigo 139º
do CPA. Para além disso, entra em vigor na data da sua publicação, conforme
consta do mesmo e ao abrigo do disposto no artigo 140º do CPA.
34. REQUISITOS DO
AVISO - No Aviso n.º 3055/2019, é de realçar que ao longo do regulamento são apresentados
os vários aspetos, formalidades e requisitos necessários para o cargo de guarda
florestal. No ponto 3) são apresentadas as caraterísticas do posto, e no ponto
6) são apresentados os requisitos de admissão, e um exemplo disso é não ter
reprovado mais
de uma vez em anterior curso de formação de guardas-florestais ou não ter sido
eliminado por falta de mérito ou sanção disciplinar. No ponto 9 são expostos os documentos necessários. Seguidamente,
no ponto 11) e seguintes do Aviso são apresentadas as etapas de seleção
são as seguintes: uma prova de conhecimentos; provas físicas; avaliação
psicológica composta por três diferentes fases. Os anexos são fundamentais para
esclarecer relativamente as provas físicas e em relação as restrições,
respetivamente.
35. Para contextualizar a posição de guarda florestal no panorama jurídico nacional,
analisaremos a partir do topo hierárquico. Começamos pela Guarda Nacional
Republicana (GNR), uma força de segurança de natureza militar de Portugal,
dependente, para efeitos policiais e operacionais em tempo de paz, do Ministério
da Administração Interna e, para efeitos militares, do Ministério da Defesa
Nacional (contexto da Administração Direta do Estado). De entre os vários
serviços e competências dela, é do nosso interesse o Serviço de Proteção da
Natureza e Ambiente (SEPNA), pois é nesta que se encontram inseridos as equipas
de proteção florestal (EPF), constituídas pelos guardas florestais, tal como
refere o ponto 3.1 do Aviso. O trabalho dos guardas-florestais vai além da
vertente policial, tendo também uma vertente técnica: existe uma relação
estreita com a floresta e um contacto direto com as populações, indo ao
encontro do princípio administrativo da aproximação dos serviços às populações.
Zelar pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares referentes a conservação
e proteção da natureza e do meio ambiente, dos recursos hídricos, dos solos e
da riqueza cinegética, piscícola, florestal ou outra, previstas na legislação
ambiental, bem como investigar e reprimir os respetivos ilícitos são as
principais funções do cargo. Para mais, fazem serviço de vigilância e
fiscalização das florestas e das atividades nelas realizadas, como a caça e a
pesca proibidas; fazem também controlos de podas e de cortes de árvores;
verificam o descortiçamento (de grande relevância nacional, face à importância
da cortiça na economia do país); contabilizam áreas ardidas; fiscalizam
operadores de resíduos; vigiam o território através de postos estrategicamente
colocados, que visam uma deteção oportuna de incêndios florestais; apoiam o sistema
de gestão de informação de incêndios florestais (SGIF), colaborando para a
atualização permanente dos dados; entre muitas outras.
36. JOÃO
SORRIDENTE- O Dr. Ricardo Crespo, médico dentista, no seu artigo sobre O impacto da falta de dentes (Edentulismo)
na qualidade de vida na população e como resolver de 2012, salienta a
importância dos dentes, visto que a falta destes dificulta funcionalidades como
a mastigação, a fala, o sorriso ou a comunicação interpessoal. Para além disso,
o Doutor reforça que as doenças orais têm um impacto significativo na qualidade
de vida da pessoa, pois estão associadas a diversas doenças crónicas, como é o
caso das diabetes e das doenças cardiovasculares. Os problemas dentários também
podem ser associados à ocorrência de dores de cabeça, ouvidos, tonturas e
alterações posturais, e a falta de dentes em concreto levar a baixa autoestima,
fruto dessa má aparência.
37. Estas condicionantes são muito relevantes
ao caso em questão, pois estão intimamente relacionadas com a função de guarda
florestal. A má aparência promove o isolamento e a anti sociabilidade das
pessoas, uma clara desadequação a um posto que procura uma aproximação à
população (princípio que rege a Administração direta do Estado - artigo 3º/3 da
Lei 4/2004) e está em constate interação com os particulares. Mais relevante
ainda, a comunicação interpessoal é absolutamente fundamental no exercício das
funções de guarda florestal, pois estas abrangem a comunicação com outras
pessoas, a necessidade de troca de informações, a comunicação correta com os
restantes guardas florestais e a realização dos alertas necessários, muitas
vezes em situações que exijam celeridade, como visto no ponto 37.
38. No que diz respeito à queixa do João
referente às placas e implantes dentários, podemos afirmar que esta não tem
fundamento, na medida em que, novamente de acordo com o Dr. Ricardo, as placas
e os implantes já permitem o ato da mastigação, essencial a uma nutrição
adequada, um dos fatores importantes para uma boa saúde geral. Passamos a clarificar:
a capacidade de mastigar fica reduzida com a falta de dentes (o que não
acontece em situações de prótese ou placa), que leva à afetação das escolhas
alimentares, tendendo-se a escolher alimentos com elevados teores de gordura e
colesterol, que contribuem para défices nutricionais e, consequentemente, para
um risco aumentado de aparecimento de outras doenças.
39. Conclui-se, então, que a falta de dentes
tem uma grande influência no funcionamento do corpo e, tendo em conta que o cargo de guarda florestal pode envolver grande
esforço físico, isto leva-nos a aferir que o João não possuía as
condições físicas indicadas para exercer o cargo.
40. O argumento utilizado pelo João
Sorridente, relativamente à questão de ter sido num âmbito de uma causa da
Greenpeace que perdeu os dentes apenas demonstra que o João é um cidadão
preocupado com o ambiente e que procura ajudar da melhor forma, envolvendo-se
diretamente em causas importantes. No entanto, este argumento é irrelevante
para a candidatura ao cargo de guarda florestal, pois a “paixão por causas
verdes” não é critério de seleção. O relevante é que, neste momento, o
candidato não se encontra na forma física mais indicada para atuar como guarda
floresta.
41. Podia ser posta em causa a possível
violação por parte da Administração Pública de alguns princípios fundamentais
constitucionais e administrativos, como o princípio da igualdade, da
proporcionalidade e da justiça. Estes princípios são as posições jurídicas
básicas reconhecidas pelo direito português, com vista à defesa dos valores e
interesses mais relevantes que assistem às pessoas singulares e coletivas em
Portugal, e encontram-se previstos no artigo 266º da Constituição da República
Portuguesa. Segundo o professor Freitas do Amaral, o princípio da justiça é o
princípio fundamental consagrado no artigo supramencionado, sendo que os da
igualdade e da proporcionalidade não passam de sub-princípios que se integram
no da justiça. Como tal, este princípio pode ser definido como um conjunto de
valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um
o que lhe é devido, em função da dignidade da pessoa humana. Acrescem também
aos sub-princípios já mencionados a boa-fé, a razoabilidade e a equidade. O princípio
da igualdade (art.266.º/2 da CRP e art.6.º do CPA), impõe que se trate de modo
igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é juridicamente
diferente, na medida da diferença. A própria proibição da discriminação
necessita de averiguação, já que se tem de ter em conta o fim visado pela
medida administrativa e, depois, isolam-se as categorias que, para realizar tal
fim, são objeto de tratamento idêntico ou diferenciado; por fim, questiona-se
se, para a realização do fim tido em visto, é ou não razoável, à luz dos
valores dominantes do ordenamento, proceder àquela identidade ou distinção de
tratamento. O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três pressupostos
cumulativos: a adequação (medida adotada é idónea para o fim público que se
propõe a alcançar), a necessidade (obrigação a que se lese o mínimo possível,
tanto a nível de interesses públicos como interesses privados) e a
proporcionalidade em sentido estrito (benefícios que se espera alcançar com uma
medida administrativa adequada e necessária suplantem os custos que
acarretará).
42. Não consideramos, todavia, que estamos
perante qualquer violação dos princípios supramencionados. Neste caso concreto,
em relação ao princípio da igualdade, podemos averiguar que o fim da medida
administrativa é restringir as candidaturas às pessoas capazes de exercer o
cargo de guarda florestal, tendo em conta as suas funções. Já foi comprovado
que as condições de João Sorridente não eram as indicadas tendo em conta as
funções a desempenhar, pelo que o tratamento desigual é justificado, pois o
principio da igualdade não proíbe diferenças de tratamento, mas sim medidas
discriminatórias materialmente infundadas, ou seja, sem qualquer fundamento
razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Quanto ao princípio
da proporcionalidade, verificamos que existe adequação, pois as funções de
guarda florestal necessitam, como já demonstrado, de pessoas com boa capacidade
de comunicação e forma física, que não se estende a pessoas com falta de, pelo
menos, 5 dentes. Está cumprida também a necessidade pois, apesar de privados na
situação do João Sorridente, serem lesados pela prática deste ato, os danos
públicos e privados seriam inconcebivelmente superiores se se admitisse a
candidatura de pessoas sem apetência para a função de guarda florestal. Por
fim, assume-se que a Administração Pública analisou os custos e, tendo em conta
os benefícios claros aliados ao aumento da quantidade de guardas florestais, é
claro que o pressuposto da proporcionalidade em sentido estrito se encontra
cumprido. Estando já analisados os princípios da igualdade e proporcionalidade,
também verificamos que a Administração Pública atuou de boa-fé, pois não tirou
uma vantagem desproporcional com o ato, não conseguindo com a prática deste ato
retirar proveitos inesperados e excessivos; com razoabilidade, visto que a
ideia de razoabilidade é no sentido de haver desproporcionalidade sempre que a
relação apurada entre a gravidade do sacrifício imposto pelo meio adotado e a
importância dos interesses públicos que o justificam seja desrazoável, o que
não é o caso, como analisado no pressuposto da proporcionalidade em sentido
estrito; por fim, no que diz respeito à equidade, que é a justiça do caso
concreto (não corrigindo o que é justo na lei, mas completando o que a justiça
não alcança), esta foi também respeitada porque a lei é justa. Tendo tudo isto
em conta, concluímos que não existe violação do princípio da justiça, nem de
nenhum dos seus sub-princípios.
43. Não obstante, se se considerar que existe
aqui violação de algum dos direitos fundamentais apresentados, há que relembrar
que estes não são direitos ilimitados ou ilimitáveis. Vivendo os indivíduos
numa sociedade, é normal que o Direito seja chamado a limitar os direitos
fundamentais de modo a proteger os direitos fundamentais de outras pessoas ou
ainda a garantir bens jurídicos de relevo específico, como a segurança ou a
ordem pública. Apesar de os direitos fundamentais serem universais e
inalienáveis, a sua interdependência e a vida em sociedade trazem, na prática
do dia-a-dia, a necessidade de determinar os limites aos direitos
fundamentais, desde que seja em condições bem definidas e de caráter
excecional, como entendemos que seja este o caso. Na vasta maioria das vezes, a
limitação dos direitos fundamentais é realizada pelos poderes públicos, por uma
questão de confronto de princípios. Trata-se da restrição desses princípios
fundamentais em prol da prossecução do interesse público, que se encontra
consignado no artigo 266º/1 da CRP e 4º do CPA (entenda-se interesse público
como o interesse coletivo ou interesse geral de uma determinada comunidade: o
bem comum). A exclusão da candidatura do João Sorridente prende-se por razões
de superior interesse, na medida em que é necessário limitar o princípio da
igualdade e da justiça no acesso a este cargo público, por força das
especificidades e importância do posto de guarda florestal, como já
desenvolvido. A admissão deste pode colocar em causa outros interesses e
princípios fundamentais tais como a propriedade privada, a dignidade humana, a
integridade física e até mesmo a vida.
44. Por tudo isto, conclui-se que o cargo em
causa exige, necessariamente, critérios mais apertados, não só pelo momento em
que vivemos com a proliferação de incêndios, mas também porque, desta maneira,
e recorrendo a uma ponderação valorativa dos princípios envolvidos, se asseguram
outros princípios fundamentais, não correndo o risco de sermos imprudentes.
Neste caso, como pudemos averiguar, os princípios da igualdade, justiça e
proporcionalidade não proíbem diferenças de tratamento, mas sim medidas
discriminatórias materialmente infundadas, ou seja, sem qualquer fundamento
razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Ora, neste caso não
se verifica essa discriminação, na medida em que os valores defendidos são
objetivamente superiores.
45. MANUEL
SABICHÃO - Manuel obteve a classificação de 0 valores na
respetiva prova de conhecimentos. Na presente prova foram contrapostos 2 textos
de Direito do Ambiente, cujas questões foram apresentadas sob forma de escolha
múltipla, tal como é referido no diploma, no ponto 11/3 do Aviso. A profissão
de guarda-florestal atua também sob princípios do Direito do Ambiente,
nomeadamente no que toca à fiscalização, sendo que a apresentação de tais conhecimentos
na prova parece ser relevante na avaliação da capacidade dos candidatos para o
exercício da função que vão desempenhar. Apesar de o réu alegar que não tem
formação jurídica, o ponto 3 do Aviso, especificamente no ponto 3.1
c) refere que o guarda florestal deve, no
âmbito da missão da Guarda, prestar auxílio a qualquer diligência em matéria
legal. Para além disso, o Direito do Ambiente,
sendo um ramo do Direito, com um conjunto de princípios e normas jurídicas que
pretendem a proteção do ambiente, parece ser necessário ter o mínimo de
conhecimento nessa área. Importa referir que, tendo em conta que os guardas
florestais se enquadram no SEPNA, compete-lhes zelar pelo cumprimento de
disposições legais e regulamentares referentes à conservação e proteção do meio
ambiente.
Para além disso, a
doutrina caracteriza-se pelas opiniões dos jurisconsultos sobre uma determinada
questão jurídica. Ao longo do tempo, a relevância da doutrina tem evoluído,
aumentando a sua interferência na vida jurídica em relação à compreensão de
certos institutos e princípios jurídicos, criação e interpretação de leis e
integração de lacunas.
Relativamente ao Direito do Ambiente, segundo o professor
Vasco Pereira da Silva, a aplicação do Direito do Ambiente abrange vários ramos
de Direito, incluindo o Administrativo. Por outro lado, segundo o professor
Jorge Miranda, a maior parte das normas de Direito do Ambiente remetem ao
Direito Administrativo, não tendo utilidade prática para outros ramos de
Direito.
As divergências doutrinárias no Direito do Ambiente são
escassas, o que demonstra que os conhecimentos que Manuel teria de ter
relativamente às divergências das Escolas de Lisboa e Coimbra não seriam assim
tao significativas. Por exemplo, um dos casos de divergência doutrinária[4]
é relativa ao dano ecológico, que existe entre as Escolas de Coimbra e de
Lisboa, sendo que para a Escola de Lisboa, representada por José Cunhal Sendim,
o dano ecológico é uma perturbação do património natural que afete a capacidade
funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens,
tutelada pelo sistema jurídico-ambiental. Por outro lado, para a Escola de
Coimbra, representada por Gomes Canotilho, o dano ecológico verifica-se quando
existe uma agressão aos bens naturais.
Como exposto, o Manuel Sabichão não precisa de formação
jurídica, mas apenas dos conhecimentos mínimos para a realização da prova. Não
obstante as divergências doutrinárias serem escassas em matéria de Direito do
Ambiente, é importante que os guardas tenham conhecimento destas questões,
nomeadamente da divergência supramencionada, visto que a violação de um dano
ecológico é a violação de um direito coletivo juridicamente protegido, podendo
gerar responsabilidade civil por dano ecológico.
Independentemente da relevância
atribuída à divergência doutrinária das Escolas de Coimbra e Lisboa, a obtenção
de zero valores por parte de Manuel, demonstra total desconhecimentos de
aspetos fundamentais para o exercício de guarda florestal, visto que a prova de
conhecimento procura averiguar se tem as competências técnicas necessárias ao
exercício da função, tais como cultura geral sobre a atualidade, por isso,
Manuel para além de não conhecer divergência doutrinária, também desconhece
aspeto gerais sobre o Direito do Ambiente e questões atuais, não estando por
isso preparado para o cargo.
46. A carreira de guarda-florestal é dotada de
um elevado sentido de responsabilidade e defensabilidade perante a sociedade,
uma vez que das suas competências se pode extrair a necessidade de defender a
floresta contra incêndios, bem como a investigação das causas das quais
resultam os incêndios florestais. O ponto 3 do Aviso referente às funções dos
guardas florestais, demonstra que estes exercem funções de grande relevância,
abrangendo fiscalização, investigação das causas de incêndios, tarefas
administrativas, formações, tarefas de carater operacional e auxílio em matéria
legal. Deste modo, conclui-se que a sua missão não se relaciona apenas com
questões de proteção ambiental, mas também a vida da população e a sua defesa é
um dos pilares basilares, não fosse Portugal ocupado em 35.4% por Floresta,
percentagem esta que expressa os 3.2 milhões de hectares da Floresta Portuguesa.
47. FAMILYGATE – O princípio da
imparcialidade está previsto no art.9.º, art. 69º, 76º/1 e 2 do CPA e determina
que a Administração Pública deve tomar decisões determinadas exclusivamente com
base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das
suas funções específicas, não se tolerando que tais critérios sejam
substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função,
sejam estes interesses pessoais do órgão, funcionário ou agente, ou mesmo
interesses políticos concretos do Governo. A imparcialidade traduz a ideia de
que os titulares de órgãos e agentes da Administração Pública estão impedidos
de intervir em procedimentos, atos ou contratos que digam respeito a questões
do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de pessoas com quem tenham
relações económicas de especial proximidade, a fim de que não se possa
suspeitar da isenção ou retidão da sua conduta (vertente negativa). Traduz
também a ideia de ponderação de todos os interesses públicos secundários e os
interesses privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão,
antes da sua adoção. Tal obrigação de ponderação comparativa implica um
apreciável limite à discricionariedade administrativa. Este princípio é
independente das decisões da Administração serem justas, ou não, a lei
pretende que os cidadãos possam ter sempre confiança na capacidade de a Administração
tomar decisões justas. Ou seja, pretende-se que não haja razões para suspeitar,
à partida, da imparcialidade dos órgãos competentes que vão tomar a decisão.
48. O artigo 69º do CPA determina as
circunstâncias em que "os titulares
de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como
"quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se
encontrem no exercício de poderes públicos", "não podem intervir em
procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado
da Administração Pública”. Na alínea b) do nº 1 do dito artigo diz-se que os
abrangidos pela lei "não podem intervir" quando tenham interesse
direto (ou através de representantes) no "procedimento
administrativo" ou no tal "ato ou contrato de direito público",
ou quando estejam envolvidos o "cônjuge ou pessoa com quem viva em
condições análogas às dos cônjuges" (uniões de facto), "bem como
qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma
relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil".
49. Já quanto a outros familiares, a lei
menciona o "parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha
colateral" (alínea d) do mesmo preceito). Ora, os primos - caso da
nomeação que levou à demissão do réu - não estão abrangidos pela expressão
"parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha
colateral", pois estes pertencem ao quarto grau da linha colateral.
50. Tendo isto em conta, a nomeação de um
primo do Secretário de Estado para seu Assessor não é, como alegado, ilegal.
Não sendo a demissão de ambos fundamentada numa ilegalidade, mas sim em razões
políticas e pessoais, não pode ser de maneira nenhuma posta em causa a
legalidade dos demais atos praticados pelo Secretário de Estado do Ambiente,
nomeadamente a lista dos candidatos escolhidos.
51. No entanto, mesmo que o ato de nomeação
pelo Secretário de Estado do Ambiente do seu primo para seu assessor fosse
ilegal, o ato de nomeação da lista dos candidatos escolhidos para guardas
florestais nunca poderia ser posto em causa, quanto à sua legalidade.
52. Se efetivamente estivéssemos perante um
ato inválido, seria um ato anulável (163º/1 do CPA, por violação do princípio
da imparcialidade), pelo que continuaria a produzir efeitos jurídicos, que
poderiam ser destruídos com eficácia retroativa ex tunc se o ato viesse a ser declarado anulado.
53. Pelo facto de esse ato por parte do
Secretário de Estado ser inválido, não significa que todos os atos praticados
por ele também o sejam. É preciso entender que são dois atos distintos: o de
nomear o primo para seu assessor (anulável), e o do nomear os guardas
florestais pelo concurso público. A invalidade de um não implica a invalidade
automática do outro, mesmo que praticados pelo mesmo órgão. Para o ato de
nomeação dos guardas florestais ser anulável, teria ele também que violar algum
princípio ou norma jurídica, que como já vimos não acontece. Isto ocorre pela
necessidade de segurança jurídica, bem como não pôr em causa a continuidade das
instituições, que não aconteceriam se sempre que um órgão praticasse um ato
inválido, todos os seus outros atos já praticados se tornassem inválidos
também. A máquina administrativa parava, e não seria possível prosseguir o
interesse público.
54. Um exemplo recente é o da perda de mandato
pelo presidente da Câmara da Maia, em abril deste ano, pela intervenção direta
deste num processo administrativo “para o qual estavam impedidos, visando a
obtenção de uma vantagem patrimonial” (artigo 69º/1 a.). Este ato de
imparcialidade é anulável e levou à perda de mandato, mas não implicou uma
invalidade de todos os outros atos tomados pelo presidente da autarquia.
55. Basta analisar o conceito de anulabilidade
do ato, para perceber que não há fundamento a esta pretensão por parte dos
acusadores: reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse
sido praticado. Ora, o primo do Secretário de Estado deixaria de ser seu
assessor, e então já teríamos a situação que existiria, caso o ato não fosse
praticado, não havendo lógica nem base jurídica que invalide o ato de nomeação
da lista dos candidatos escolhidos para guardas florestais.
56. Face ao exposto, o Ministério do Ambiente
solicita ao Tribunal que decida pela improcedência do pedido de impugnação, uma
vez que não se verificam quaisquer invalidades no procedimento que justifiquem
as alegações feitas pelos autores.
Subturma 17
Carolina Vieira
João Duarte
Brazão
João Ferro
Mariana Vaz
Raquel Oliveira
Sara Lemos
Tiago Peyroteo
[1] AMARAL, Diogo Freitas de, Curso
de Direito Administrativo, 3ª edição, 2016, Almedina, p.450.
[2] SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom
Quixote, p.53
[3] http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ac23cdbe6d492d59802583220046ae1d?OpenDocument&ExpandSection=1
[4] Retirado
da Tese Dano à ecodiversidade: rutura
conceptual, uma perspetiva juspublicista de Paula de Castro Silveira,
orientada pelo professor Doutor Vasco Pereira da Silva, 2017, Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa
Comentários
Postar um comentário