Advogados do João Sorridente - Alegações
Advogados do João Sorridente
Análise do Procedimento do Ato Administrativo
Na situação em análise, encontramos um procedimento – concurso - tendente à prática de um ato administrativo, a nomeação.
Tendo em conta o artigo 148º CPA e os requisitos do ato elencados pela doutrina, esta nomeação consiste num ato unilateral, embora a sua eficácia dependa de aceitação, ou seja, o ato fica perfeito pela declaração de vontade da Administração Publica - a aceitação não é condição da sua existência ou validade. Trata-se ainda de um ato que visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, neste caso, uma vez que se trata de uma nomeação no contexto de cinco vagas, estaremos perante um ato plural, ou seja, uma decisão que implica um conjunto de atos administrativos individuais e concretos, tantos quantos os nomeados.
Não estamos, portanto, perante uma norma geral e abstrata ou perante um contrato, pelo que será potencialmente aplicável o regime do procedimento do ato administrativo (artigos 102º e seguintes CPA).
Resta afirmar que o concurso, enquanto procedimento, visa potenciar os pressupostos da concorrência, nomeadamente um processo equitativo, impondo-se uma interpretação e aplicação das normas que favoreçam a participação dos interessados no concurso. De resto, não se deve perder de vista que as normas restritivas e condicionadoras do exercício de direitos fundamentais devem ser interpretadas de forma restritiva sob pena de inconstitucionalidade.
O procedimento em questão parte de uma iniciativa oficiosa (artigo 53º, 1ºparte CPA) - do Secretário de Estado da Administração Interna e do Secretário de Estado do Ambiente -, pelo que se presume que se lhes havia sido delegada competência para a prática do ato administrativo em análise, tendo em conta o regime da delegação de poderes (artigos 44º a 50º CPA e artigo 8º/3 Lei Orgânica do Governo), isto uma vez que os Secretários de Estado, de acordo com as regras de organização do Governo, não dispõem de competências próprias (artigo 10º/1 LOG). O Secretário de Estado da Administração Interna e o Secretário de Estado do Ambiente coadjuvam o Ministro da Administração Interna (artigo 3º/6 LOG) e o Ministro do Ambiente (artigo 3º/16 LOG), respetivamente, sendo que a prática de atos administrativos se inclui nas competências dos ministros, neste caso a nomeação de guardas florestais, tendo em conta os artigos 16º e 26º da LOG, no que respeita essencialmente às politicas de segurança interna e conservação da natureza.
A prática do ato sem a competência que se presume redundaria num vício de incompetência relativa, o que tornaria o ato permeável à anulação pelo artigo 163º/1 CPA.
Nesta fase inicial compreendia-se ainda o dever de notificação do início do procedimento aos interessados possivelmente identificáveis (artigo 110º/1 CPA).
A segunda etapa do procedimento – instrução - parece não levantar questões relevantes tendo em conta os dados disponibilizados. No entanto, seria sempre de aplicar nesta fase a vertente positiva do Princípio da Imparcialidade, ao serem ponderados os interesses juridicamente relevantes.
O Princípio da Imparcialidade, expresso no artigo 9º CPA e no artigo 266º/2 CRP, possui duas vertentes. Explorada a vertente positiva, cabe-nos abordar vertente negativa, que nos mostra que a Administração Pública não pode ponderar outros interesses para além dos considerados juridicamente relevantes.
Enquanto a vertente positiva deste princípio se reporta à fase instrutória, a vertente negativa deve estar presente ao longo de todo o processo, independentemente da fase em que estejamos e possui um regime próprio que consta dos artigos 69º e seguintes do CPA.
Analisando o caso concreto, afirma-se estarmos perante um caso de suspeição que “põe em causa a legalidade dos atos praticados pela Secretário de Estado do Ambiente”, que teria interferido na avaliação e seleção de candidatos juntamente com o seu primo, nomeado para seu Assessor.
A ponderar a violação do Princípio da Imparcialidade na sua vertente negativa, o Código de Procedimento Administrativo apresenta-nos duas possibilidades: casos de impedimentos e casos de suspeição. Como os casos de impedimentos constantes no artigo 69º são de enumeração taxativa, consideramos que o caso concreto apresentado não corresponde a nenhuma das alíneas referidas. Assim, estamos de facto perante um caso de suspeição onde se pode “com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão”, como refere o artigo 73º/2 CPA. O facto de um Secretário de Estado e o seu respetivo primo decidirem, em conjunto, o resultado do concurso para ingressar na carreira de guarda florestal, retira, logo à partida, a credibilidade da decisão e respetiva confiança que os particulares e concorrentes possuem relativamente à decisão tomada.
Verificada a suspeição, a consequência da violação do Princípio da Imparcialidade em casos de suspeição consiste no referido no artigo 76º/4 CPA.
Na fase seguinte exigia-se a ocorrência de audiência prévia (artigos 11º, 12º e 121º CPA e 267º/5 CRP) onde João Sorridente se pudesse pronunciar sobre as questões com interesse para a decisão, nomeadamente a razão da sua falta de dentes, o que parece não ter ocorrido. O caso não se pronuncia quanto a esta fase, mas a falta de audiência prévia acarretaria uma ilegalidade procedimental e portanto a nulidade constante no artigo 161º/2 al.d posição por nós seguida, em concordância com a regência da cadeira, por atendermos ao caracter jusfundamental do direito de participação/defesa (artigo 267º/5 CRP).Em sentido diverso, desconsiderando a jusfundamentalidade do direito, é defensável a anulabilidade do ato -artigo 163º/1 CPA.
Quanto à última etapa – fase de decisão - era dever do órgão decisor fundamentar a decisão adotada, uma vez que a exclusão de um concorrente é necessariamente uma decisão contraria à pretensão formulada pelo interessado [art.152º/1 al.c) CPA].
Com o regime constante nos artigos 152º e 153º CPA, a fundamentação existe com o intuito de precisar e permitir aos interessados a compreensão dos motivos que levam a Administração Pública a tomar uma decisão num certo sentido, juntamente com a possibilidade de recorrerem dessa decisão através de impugnação.
Neste caso parece ter ocorrido uma fundamentação – “foi excluído, por ter sido considerado medicamente inapto, em virtude da falta dos 6 dentes da frente” -, mas manifestamente insuficiente, tendo em conta os requisitos mínimos de clareza exigíveis que permitam ao interessado compreender os motivos subjacentes à decisão. Sendo que a fundamentação deve também permitir compreender o processo cognitivo conducente ao ato final, ou seja, as opções que foram tomadas ao longo da marcha procedimental e até, tendo em conta a natureza do ato, o porquê da preterição do concorrente face aos de mais, uma vez que – “alguns dos candidatos escolhidos possuíam placas e implantes dentários”. Tendo em conta o exposto é de considerar a fundamentação obscura, na medida em que não era possível ao cidadão médio captar a ponderação em que se baseia a decisão e, portanto, equivalente à falta de fundamentação (artigo 153º/2 CPA).
É do nosso entender que a fundamentação elaborada não permite a compreensão de todo o processo do concurso, visto que não devem ser apresentados apenas os motivos finais para formação da decisão, mas todos aqueles que levaram à formação da vontade de assim decidir. Para além disso, os motivos apresentados devem ser destinados à compreensão de todos os cidadãos e não apenas dos candidatos envolvidos no concurso. No caso presente, a fundamentação falhou a cumprir ambos os requisitos.
A consequência por nós defendida é então encarar o ato como nulo com base no artigo 161º/2 al.d), pois entendemos que à luz do artigo 268º/3 CRP, o direito à fundamentação é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, para efeito do artigo 17º CRP. Em sentido contrário – desconsiderando a jusfandamentalidade do direito à fundamentação - será sempre de considerar o ato anulável, nos termos do artigo 163º/1 CPA.
Adotando a posição favorável à jusfundamentalidade do dever de fundamentação, é de excluir a aplicação do artigo 163º/5 CPA e respetivas alíneas, conforme a posição defendida pelo professor Vasco Pereira da Silva e pela doutrina mais moderna que autonomiza o procedimento[1] como uma realidade com importância jurídica própria, onde se insere o dever de proteção dos interesses dos particulares, nomeadamente quanto ao direito de acesso à justiça expresso no artigo 20º CRP. Assim, mesmo desconsiderando o direito de fundamentação como um direito fundamental, a sua violação implicará sempre uma restrição deste interesse/direito, uma vez que, de outra forma, não teriam fundamento para impugnar a decisão da administração pública.
Os princípios Administrativos e a Sua Aplicação ao Caso Concreto
Ao abrigo do Aviso 3055/2019foram abertas novas vagas para a carreira de guarda-florestal cujos requisitos nele abrangidos, bem como os princípios administrativos com eles relacionados cabem aqui analisar.
Como é possível retirar da leitura do mesmo aviso, e mais especificamente da sua alínea c), do ponto 12 pertencente ao Anexo II, o candidato a uma das vagas abertas, João Sorridente, vê a sua situação incluída nesta disposição. Sendo que a «Perda de mais de 5 dentes, não substituídos por prótese, ou existência de menos de 20 dentes naturais (à exceção dos sisos) ou perda de dente cuja localização cause má aparência;»não vai de encontro aos requisitos necessários para que os candidatos tenham acesso ao cargo de guarda-florestal, justificar-se-ia assim a não admissão daquele candidato.
No entanto, não consideramos correta esta forma de seleção adotada pela Administração Pública que apresenta, para além dos requisitos contidos no Anexo referido, outros bastante restritos, como a referência a limites de altura mínima, deformidades, cicatrizes, alterações da pigmentação, tatuagens, ou até mesmo neste caso do “aparelho digestivo e glândulas a ele anexas”. Deste modo, cabe aqui analisar a relação que se pode estabelecer entre tais requisitos e alguns dos princípios que se podem aplicar no caso concreto.
A Administração Pública encontra-se vinculada pelo Princípio da Legalidadee as suas três vertentes, que passam pela primazia da lei, precedência de lei e reserva material de lei (artigo 3º CPA e artigo 266º CRP), que nos mostra que, para prosseguir o interesse público, tem de atuar nos termos legalmente permitidos. Encontra-se assim vinculada ao bloco legal do artigo 266º/2 CRP, tal como aos princípios gerais, que passam pelo princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares (artigo 266º/1 e artigo 4º CPA); como refere o professor Freitas do Amaral[2]o sentido desta norma é, apesar de fundamentalmente a Administração Pública dever prosseguir o interesse público, tem de demonstrar um respeito em simultâneo com as garantias dos particulares, direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, salientando-se como exemplo o dever de fundamentação anteriormente referido.
Ao tratar-se de um concurso de acesso à função pública, como demonstra o artigo 25º-A nº1 do Estatuto dos Guardas Florestais e enquadrando-se no artigo 47º/2 CRP como direito de acesso à função pública, um direito, liberdade e garantia, a exclusão de um candidato só pode ser determinada nos termos legalmente previstos, devendo o motivo de exclusão respeitar as limitações impostas pelo artigo 18º CRP.
Materializa-se assim na possibilidade de qualquer cidadão aceder ao exercício de funções públicas e na proibição de exclusão por motivos que não se encontrem relacionados com a falta de requisitos adequados à função.
De acordo com o artigo 7º/1 do Estatuto da Carreira de Guarda-florestal, as aptidões físicas e psíquicas necessárias deveriam ser aquelas que não dessem origem a uma perda negativa das competências de trabalho que devem ser desempenhadas nesta função.
Indica o artigo 11º ECGF os deveres a que se encontram sujeitos, salientando-se neste âmbito algumas alíneas: b) Dedicar ao serviço e desenvolver, através da formação, esforço e iniciativa, as qualidades pessoais e aptidões profissionais necessárias ao pleno exercício das funções e ao cumprimento das missões que lhe sejam atribuídas; e) Prestar auxílio a qualquer diligência em matéria legal e tomar a iniciativa na repressão de qualquer infração de que tenha conhecimento, no âmbito das funções que lhe estejam cometidas por lei. A alínea b) estabelece como dever uma dedicação ao serviço e João Sorridente, ao ter perdido os seus 6 dentes em virtude de uma ação da ONG “Greenpeace” e ao demonstrar orgulho do seu “sorriso desdentado por amor a uma causa verde” transparece, claramente, que iria cumprir com verdadeiro afinco os seus deveres, com uma preocupação superior relativa ao respeito com a floresta e meio ambiente. Tal como as funções apresentadas no artigo 37º, a competência funda-se na fiscalização e investigação das florestas, não obstando a falta de dentes para que estas funções sejam cumpridas.
Comecemos pela análise do Princípio da Justiça em sentido estrito, cujo fundamento se encontra na relação com o Princípio da Legalidade. Apesar de aplicável ao caso concreto e com um conceito de difícil concretização, este princípio é visto pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa[3]como «conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico (…) objeto de consagração constitucional (…) integram mesmo as ideias de proporcionalidade e de igualdade.».Com este entendimento, é possível afirmar que, neste caso, a Administração Pública não agiu em conformidade com este princípio, devido ao facto de ter desvalorizado as aptidões profissionais de João Sorridente pela aparência física não desejada para o cargo de guarda-florestal.
Concretiza-se ainda o Princípio da Igualdade nos artigos 266º/2 CRP e 6ºCPA, onde este último afirma que a Administração Pública nas relações com os particulares “deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”. Este princípio decorre da máxima defendida há muitos séculos “tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, na medida da sua diferença.”. Dentro deste princípio, defende a jurisprudência e a doutrina, nomeadamente o professor Diogo Freitas do Amaral[4]e o professor Marcelo Rebelo de Sousa, dois sentidos: a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação.
Ao analisarmos a proibição de discriminação, concluímos que uma medida é discriminatória quando visa uma diferenciação de tratamento para a qual não existe fundamentação, para que se distinga em função do objetivo que se pretende alcançar. Assim, ao se estabelecer que uma pessoa que perdeu mais de 5 dentes não está apta para a profissão de guarda-florestal causa bastantes dúvidas, porque a sua perda substituída prótese nada obsta.
Nesta sequência, se o candidato for uma pessoa sem condições económicas para adquirir uma prótese dentária, é automaticamente excluído. Se o que se pretende com o Princípio da Igualdade é “tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente”, o facto de ter perdido mais de 5 dentes é uniforme quer tenha prótese quer não.
Cabe, deste modo, analisar o iter cognitivo [5]desta norma: o fim da medida visa apurar se uma pessoa se encontra “medicamente apta” ou não para ingressar na profissão de guarda-florestal; como aquele fim é alcançado e a diferenciação patente (pela falta de mais de 5 dentes se substituídos por prótese o candidato é apto, se não substituídos é não apto), concretamente entre João Sorridente e os restantes candidatos aceites; razoabilidade da decisão para a realização do fim à luz dos valores dominantes no ordenamento, que esta não se mostra de facto razoável. Nomeadamente, porque se tem assistido nos últimos anos a uma abertura de mente e pensamento, numa tentativa de igualação de oportunidades, sem diferenciar quem tem condições económicas de quem não as tem e tem surgido uma ideia de solidariedade subjacente à necessidade de ajudar, porque se nunca se der oportunidades entraremos numa “bola de neve”. Não se concebe que alguém seja excluído por causar má aparência. É certo que cada vez mais vivemos de aparências, mas diariamente tem-se tentado demonstrar o contrário.
O conceito de “má aparência” é um conceito indeterminado, conferindo a lei um poder discricionário à Administração Pública que, segundo o professor Freitas do Amaral, deverá ser concretizado através de preenchimentos valorativos, sendo necessário preenchê-lo através de um esforço reconstrutivo e criativo face às exigências externas impostas pela ordem jurídica.
É preferível uma pessoa com a dentição completa a alguém que, por falta de dentes, mas possuindo o conhecimento necessário e empenho que se retira da forma como os perdeu, seja excluída? Não nos parece que seja razoável discriminar um candidato com as aptidões e experiência a nível de projetos ambientais como João Sorridente e que este não seja admitido para a carreira de guarda-florestal apenas pelo seu aspeto físico, sendo que tal se devera a um acidente de trabalho e não a falta de brio do próprio.
Quanto à obrigação de diferenciação, nem tudo é absolutamente igual, e por isso, se tem partido da ideia de Aristóteles de que se trata de uma forma desigual as situações diferentes, no sentido de uma discriminação positiva. Nesta, procura proteger-se as situações que se consideram mais “fracas”, sendo que, como demonstrado anteriormente, este preceito faz exatamente o contrário. A Administração Pública deve intervir de modo a corrigir desigualdades a nível económico, social e cultural e não a acentuar com base na condição física ou social.
Não parece que o facto de João Sorridente não ter a totalidade dos seus dentes se ajuste ao conceito de uma condição física deficitária. Deste modo, e de acordo com a análise exposta, conclui-se que o Princípio da Igualdade enquanto imposição constitucional e administrativa se encontra violado. Salienta-se ainda o artigo 23º/1-a do Código do Trabalho, tal como o artigo 24º de direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho.
Segundo o professor Marcelo Rebelo de Sousa, a violação do Princípio da Igualdade depende de dois pressupostos: “a igualdade ou disparidade entre duas situações da vida e entre os tratamentos que lhes tenham sido dispensados”. Considera-se que há aqui um controlo da margem de livre decisão e sabe-se que os escolhidos possuem próteses e foram aceites e João, por não a possuir, excluído.
Seguidamente, é relevante abordar o Princípio da Proporcionalidade, que tem a sua base jurídica nos artigos 266º/2 CRP e 7º CPA. Ligado à persecução do interesse público pela Administração Pública, este princípio deve atuar para que não se excedam os limites necessários à persecução dos seus fins. Dependendo da doutrina adotada, os requisitos deste princípio variam, apesar de a denominação não influenciar o seu conteúdo. Assim, as dimensões defendidas pelo professor Diogo Freitas do Amaral dizem respeito à adequação, à necessidade e ao equilíbrio: a primeira pretende que o fim seja atingido de modo ajustado e em relação com os meios a utilizar; a segunda dimensão deve, com a mínima margem de dúvidas, adotar a medida que menos prejudicará os interessados; e a última é como que um teste às duas anteriores, visto que devem ambas suportar os limites para a aplicação da medida balançando os seus benefícios e custos sendo que, logicamente, as vantagens devam superar as desvantagens. O professor Marcelo Rebelo de Sousa apresenta as mesmas três dimensões deste princípio apesar das diferentes nomeações que lhes atribui: adequação, necessidade ou proibição do excesso e razoabilidade ou proporcionalidade em sentido estrito (expressão preferida pela doutrina). O seu conteúdo não diverge e aplica-se respetivamente às figuras anteriores. Acrescenta-se apenas que a razoabilidade se aplica enquanto juízo axiológico, valorativo. Concluindo, basta que uma das dimensões seja violada no caso concreto para que se comprometa a aplicação deste princípio. Analisemos o caso concreto: será que não aceitar um candidato a guarda-florestal pela falta de seis dentes se pode aceitar com vista na proporcionalidade?
Parece que tal facto não preenche o pressuposto da adequação: não dar oportunidade à ocupação do cargo de guarda-florestal a um sujeito cuja dentição não está completa não será ajustado ao fim que se visa prosseguir: a proteção das florestas portuguesas em época crítica de possíveis incêndios e, por isso, parece que o facto não é impedimento para que se atinja o fim visado. Quanto ao pressuposto da necessidade: a medida aplicada pela Administração Pública será aquela que, entre outras, menos prejudique a proteção da área florestal portuguesa. Este outro requisito não se encontra preenchido. Finalmente, é correto afirmar que não há um balanço entre as vantagens e as desvantagens da medida aplicada, sendo que, como já foi referido, seria bastante mais vantajoso para o interesse público que se desse a aprovação do candidato João Sorridente para a vaga de guarda-florestal enquanto experiente de longa data em questões ambientais, ou no mínimo uma reavaliação de todos os candidatos. O juízo entre a medida e os seus custos e benefícios não foi corretamente calculado.
Prosseguindo com os princípios, tratamos agora de analisar o Princípio da Boa-Fé, presente no artigo 266º da CRP e 10º do CPA. Com este princípio pretende-se um juízo da situação concreta dentro dos parâmetros da confiança entre a Administração Pública e os particulares (tutela da confiança) e um procedimento linear no desenrolar da atividade administrativa de forma verdadeira e sem desvios materiais ou formais (primazia da materialidade subjacente). Fruto do combate histórico ao formalismo, consideramos importante reforçar se encontra violada a vertente do princípio da Boa-Fé que diz respeito à primazia da materialidade subjacente. Mais concretamente, requerendo da Administração Pública uma submissão em termos de verdade material, é exigida a ponderação substancial entre valores em jogos. Aplicado ao caso concreto, estamos perante um desrespeito quanto à exigência material presente no Código de Procedimento Administrativo de dever de fundamentação.
Por último, aprofundando a norma mencionada anteriormente do Aviso 3055/2019, o seu Anexo II no ponto 12 o legislador ter consagrado: “Perda de mais de 5 dentes, não substituídos por prótese, ou existência de menos de 20 dentes naturais (à exceção dos sisos) ou perda de dentes cuja localização cause má aparência”.
Cabe-nos analisar este preceito normativo. Começamos por frisar que a forma adotada pelo legislador neste ponto não foi a mais clara. No entanto, através da interpretação por nós feita a conjunção “ou” indica alternativa. Deste modo temos três critérios, não cumulativos:
1. Ou não pode por ter a perda de 5 dentes não substituídos por prótese;
2. Ou não pode se tiver menos que 20 dentes naturais;
3. Ou não pode se a perda ocorre numa localização que cause má aparência.
Com os três critérios em opção e sabendo que o nosso arguido apresenta a falta de 6 dentes, um dos critérios existentes é o de que o candidato ao não ter pelo menos 20 dentes, não pode ser admitido. Daqui se retira, através de uma leitura da norma ad contrarium, que uma pessoa tem de ter pelo menos 20 dentes naturais para se candidatar.
O nosso arguido ao apresentar a falta de 6 dentes, e uma vez que a dentição num adulto é composta por 32 dentes, excluindo os sisos como dita a norma resta-nos 28. O nosso arguido apresenta 22 (28-6) dentes naturais.
O nosso arguido ao apresentar a falta de 6 dentes, e uma vez que a dentição num adulto é composta por 32 dentes, excluindo os sisos como dita a norma resta-nos 28. O nosso arguido apresenta 22 (28-6) dentes naturais.
Apresenta-se assim, perante a lei, possível admitir alguém com estas características, que cumpre uma das formas de avaliar a situação. Face à atitude do legislador de estabelecer três meios quanto à dentição para averiguar se a pessoa pode ou não ser escolhida, das quais se pode optar pela mais favorável.
Conclusão:
Com estes factos aquilo que se pretende demonstrar é como o que importa não tem que ver com aquilo que existe ou não a nível físico, muito menos sendo um facto tão supérfluo como a inexistência de dentes. O indivíduo apresenta-se como mais que capaz tanto a nível mental como saúde física, não apresentando problemas de mobilidade, de visão ou psicológicos. Deste modo, é evidente como a exclusão de um indivíduo sem dentição se torna muito mais um prejuízo que um ganho para um cargo de função pública. Cargos como a guarda florestal tornam-se a cada dia mais importantes, principalmente após os eventos passados em 2017. Com estes, o nosso Governo não deveria estar tão preocupado com questões de aspeto, mas sim com questões de capacidade de empenho e de segurança, algo que com o depoimento desta testemunha se torna evidente que existe.
A realidade é que, com os factos expostos e com a análise feita relativamente aos prejuízos gerados quando nos reportamos aos princípios administrativos com este ato administrativo, pretendemos que algum bom-senso seja demonstrado – incorremos, com esta solução da lei em graves preconceitos e discriminações.
Não se trata da importância do aspeto físico, mas sim da dedicação e capacidade para desempenhar o trabalho, trabalho este que a cada dia se torna mais importante, escusado será relembrar o que ocorreu 2017 e como se torna urgente a escolha de pessoas qualificadas, capazes e que gostem da função que desempenham, uma vez que esta é a única forma de obter bons resultados na sua prestação.
Bibliografia
REBELO DE SOUSA, Marcelo e SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral, Tomo I (páginas 213- 218; 218- 219; 221- 222)
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, volume II, 2011- 2º Edição (páginas 135-139; 139- 146; 146- 151; 151-152)
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2012.
PAÇÃO, Jorge, Aulas práticas da subturma 17
SILVA, Vasco Pereira da, Aulas teóricas de Direito Administrativo II
SILVA, Vasco Pereira da, “Breve Crónica De Um Legislador Do Procedimento Que Parece Não Gostar Muito De Procedimento” p. 3
Ana Beatriz Alves
Catarina Riça
Madalena Vaz
Maria Ana Pires
Matilde Tomás
João Seringa
Kamba Reis
2º ano Subturma 17
[1]SILVA, Vasco Pereira da, “Breve Crónica De Um Legislador Do Procedimento Que Parece Não Gostar Muito De Procedimento” p. 3
[2]FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p.71
[3]REBELO DE SOUSA, Marcelo e SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral, Tomo I
[4]FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p.138
[5]FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p.138
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