A Dupla Aprovação Do Ato Administrativo
O princípio do aproveitamento do ato consagrado no artigo
163º\5 do CPA foi durante muitos anos desenvolvido pela jurisprudência dos tribunais
administrativos, que veio a ser consagrado em 2015 com o novo Código de procedimento
administrativo.
A ratio deste princípio consagra-se por intermédio de uma
colisão de princípios, ora vejamos, Vieira
de Andrade prevê que a base do princípio do aproveitamento do ato tem
por fundamento três princípios vetores: O princípio da economia dos atos públicos,
o princípio da boa administração e finalmente o do interesse público.[1]
O primeiro é resultado da ineficiência inerente à tomada de
decisões desnecessárias que iram aumentar a despesa da administração pública, e
limitar a sua eficiência na prossecução do interesse público.
O segundo princípio tem como objetivo tornar a atividade da
administração mais célere e eficiente no seu dever de prossecução do bem comum.
Finalmente, o princípio do interesse público, base de toda a
atuação administrativa, tendo em conta que a administração deve considerar primordialmente
o interesse público acima de tudo.
Contudo, todos estes princípios entram em conflito com um
outro princípio de Direito Administrativo, o princípio da legalidade. Este define-se
pelo respeito ao bloco de legalidade, de onde fazem parte normas de foro
constitucional, Direito da União Europeia, Direito Internacional Público, atos
legislativos, entre outros. Teremos de ter especial atenção, à dimensão de preferência
de lei, que se desenrola na limitação da atuação administrativa na medida em
que nenhum ato administrativo pode contrariar diretamente uma norma legal.[2]
A solução deste conflito de normas está consagrada
expressamente no artigo 163º\5 CPA que parece preferir nas suas diversas
alíneas os princípios referentes ao princípio do aproveitamento do ato. [3]
Este princípio transforma um a anulabilidade de um ato inválido
por um vício formal, material, procedimental, numa mera irregularidade[4].
Continuando o ato a permanecer no ordenamento jurídico e a produzir os seus
efeitos. Esta decisão tem por base o facto de o vício em causa não afetar a
decisão final, ter sido irrelevante de modo a que se posso fazer um juízo que
nos levaria a concluir que se o vício fosse sanado o ato iria ser efetuado
exatamente com o mesmo conteúdo.
Este princípio foi assim tido em conta pelo legislador como
uma obrigação legal de não anulação destes atos, é um dever da administração,
caso estejam preenchidos todos os requisitos das alíneas do número 5 do artigo
163º CPA não anular o ato em causa.[5]
Quanto ao 163º\5, alínea, este traduz-se na aplicação do
princípio do aproveitamento do ato em atos vinculados. São casos em que o conteúdo
do ato nunca poderia ser diferente daquilo que foi, existe apenas uma solução
como legalmente possível. O Supremo Tribunal Administrativo, já antes da
consagração do 163º tinha discutido sobre estes atos, por exemplo no Acórdão do
STA, de 13\04\2004, Proc.nº 04245, onde chegou a conclusão de que a decisão
administrativa que tivera sido impugnada não tinha uma alternativa juridicamente
válida, a decisão final não poderia ter sido outra. Pedro Machete considera incluírem-se nesta alínea vícios de
fim e formais[6].
Por sua vez, a alínea b) do nº 5 do 163º refere-se a
situações em que haja uma violação de regras formais ou procedimentais. O que
se exige é que “os valores protegidos pela norma procedimental ou formal
violada tenham sido assegurados por outra via, de modo a afirmar-se que a
ilegalidade cometida não teve qualquer efeito sobre a substância da decisão,
pelo que não se justifica que tenha relevância invalidante em relação a ela”[7].
A administração tem de conseguir fundamentar que o fim foi alcançado por outro
meio.
Finalmente a alínea c) consagra o aproveitamento de atos
anuláveis discricionários, tem de se comprovar que o ato seria aprovado
exatamente com o mesmo conteúdo caso o vício estivesse sanado. A aplicação
desta alínea é excecional, na medida em que exige uma prova diabólica pois a
administração tem de conseguir comprovar que o ato em causa estaria reduzido a
discricionariedade zero, de certa forma que havia uma vinculação da
administração ao conteúdo do ato. É necessário apurar a inexistência de um nexo
causal entre a ilegalidade cometida e o conteúdo da decisão final.[8]
Nesta alínea encontram-se previstas as situações de atos administrativos que
padecem de vícios formais, procedimentais ou materiais. [9]
Um acórdão referente aos atos discricionários será o Acórdão
do STA, de 07\02\2002, Proc. Nº 046611, onde se decidiu «… o tribunal pode
negar a relevância anulatória ao erro, sem risco de substituir-se à
administração, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que
foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação
errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão
administrativa porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas
(efetuadas ou potenciadas) nesse espaço discricionário.»[10]
Finalmente, a nosso ver, o Princípio do aproveitamento do
ato, embora contrarie um Princípio fundamental como o da legalidade - Na medida
em que este princípio protege os particulares da ação, por vezes abusiva, da
administração pública e confere segurança, pois funciona como um escudo de
proteção – é necessário na relação entre Administração Pública e particulares,
pois caso os atos fossem anulados por meras irregularidades não fundamentais
havia uma total paralisação da atividade administrativa. A anulação de um ato, que
mais tarde terá de ser aprovado, de novo, com o mesmo conteúdo, não só provoca
despesas extraordinárias que a administração terá de suportar, como impede que haja
uma atuação eficiente da administração no sentido de efetuar outros atos igualmente
necessários. Caso este princípio não existisse, ocorreria um “dever” de dupla
aprovação dos atos, aprovar-se-iam os mesmos atos, com o mesmo conteúdo, o
mesmo fim, duas vezes, quiçá, três.
[1] Andrade,
José Vieira de “O Dever de fundamentação Expressa de atos Administrativos”,
Coimbra, Almedina, 1992.
[2] Amaral, Diogo Freitas do “Curso de Direito
Administrativo Volume II”, Almedina, Lisboa, 3ª Edição, 2016
[3] Conde,
Edmilson Wagner Dos Santos, “Algumas reflexões sobre o artigo 163º, nº5 do
CPA: O «novo» princípio do aproveitamento do ato administrativo”
[4]
Leite, Luísa Da Costa, “O Dever de Fundamentação No Direito De Contratação Pública”,
Porto, julho, 2015
[5] Conde,
Edmilson Wagner Dos Santos, “Algumas reflexões sobre o artigo 163º, nº5 do
CPA: O «novo» princípio do aproveitamento do ato administrativo”
[6] Pedro
Machete, “O aproveitamento dos atos administrativos ilegais”, Estudos em
homenagem a Rui Machete, Almedina, 2015.
[7] Mário
Aroso De Almeida, “Teoria Geral do Direito Administrativo”, Almedina,
2015.
[8] Pedro
Machete, “O aproveitamento dos atos administrativos ilegais”, Estudos em
homenagem a Rui Machete, Almedina, 2015.
[9] Conde,
Edmilson Wagner Dos Santos, “Algumas reflexões sobre o artigo 163º, nº5 do
CPA: O «novo» princípio do aproveitamento do ato administrativo”
[10] Acórdão
do STA, de 07\02\2002, Proc. Nº 046611
Sofia Duarte Tavares
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