A DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA

A DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA

A Audiência Prévia em sede de procedimento do ato Administrativo – em que consiste
A audiência prévia em sede de procedimento tendente à aprovação de ato administrativo encontra-se consagrada no artigo 121º do CPA (2015), trata-se de um dever da administração pública e portanto em contraposição um direito que assiste aos particulares interessados.
 O dever de audiência prévia tem desde logo os seus fundamentos no princípio da colaboração da administração com os particulares, art.11º nº 1 do CPA (2015) e no princípio da participação, art.12º do CPA (2015).Mas releva aqui o facto de a audiência prévia ser um corolário do princípio da democracia participativa, art.2º CRP, acrescendo o facto de ter consagração expressa no artigo 267/5 CRP. Esta situação não é desprovida de interesse jurídico, nomeadamente no que diz respeito às consequências jurídicas da violação do dever de promover a audiência prévia, que sem discórdias constitui uma ilegalidade. A divergência doutrinária surge quanto à possível aplicação do art.163º, nº1CPA (2015) – a falta de audiência produz mera anulabilidade-, ou em sentido contrario a aplicação do art.161, nº2, al d) CPA (2015) - a falta de audiência produz a nulidade do ato-. A posição a adotar depende da conceção perfilhada quanto ao direito de participação. Em consonância com aquela que aprece ser a posição do professor regente da cadeira, entendemos que a consequência da falta de audiência gera a nulidade do ato, atendendo a jusfundamentalidade do direito em questão e ao facto do art.17º da CRP consagrar uma clausula aberta dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente quando determina: “(…) e aos direitos fundamentais de natureza análoga(…)”; contribui para esta opção o facto de ser aquela que melhor parece tutelar os interesses dos particulares, uma vez que diferentemente da anulabilidade a nulidade não esta sujeita a prazos para a sua invocação. A posição contrária à jusfudamentalidade do direito de participação, consegue ancorar a respetiva posição no facto de este não vir elencado no título II, parte I da CRP – referente aos direitos liberdades e garantias.
A audiência prévia corresponde à terceira fase do procedimento administrativo, isso resultava explícito do art.100º nº1 do CPA, 1991: “Concluída a instrução,” (…) os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, (…)”, resultando o mesmo da organização sistemática do atual CPA, 2015.
Cumpre então referir que o propósito da audiência prévia é garantir aos interessados a possibilidade de se pronunciaram naquilo que entenderem (matéria de facto e de direito) ser relevante para a decisão final, nomeadamente dar oportunidade para que possam contraditar os pressupostos em que a “pré- decisão “assenta, isto uma vez que deve ser fornecido ao particular um projeto de decisão, art.122º nº2, de onde se consiga retirar o “sentido provável desta”, art.121 nº1, ultima parte, é sobre este documento que o particular irá fazer incidir a sua argumentação, pelo que só se compreende um eficaz exercício do direto de participação nesses moldes. Neste contexto o professor Diogo Freitas do Amaral entende que deve não só haver lugar a um projeto de decisão que aponte o seu sentido, como uma fundamentação desse mesmo sentido (pag.295- Curso de Direito Administrativo Vol. II). Nada parece obstar a que a falta de fundamentação em sede de audiência prévia produza os mesmos efeitos que a falta de fundamentação do próprio ato, fase final, uma vez que em ambas as situações a falta de fundamentação vem gorar a possibilidade de defesa dos interessados.

A importância da Audiência Prévia
A audiência prévia passa a figura genérica ao procedimento administrativo com o CPA de 1991, sendo que já era prevista enquanto direito de defesa nos procedimentos disciplinares. Este parece ser um ponto de viragem no Direito Administrativo, o professor Diogo Freitas do Amaral considera até: “uma pequena-grande revolução na nossa ordem jurídica (pag.293- Curso de Direito Administrativo Vol. II), relevância que não é menos reconhecida pelo professor Vasco Pereira da Silva.
Efetivamente até à consagração da audiência prévia enquanto figura geral, aos particulares apenas cabia intentar a impugnação de atos já consumados na ordem jurídica, o que proporcionava uma tutela dos interesses dos particulares em certa medida deficitária e colidia com a ideia de uma atuação Administrativa eficiente, uma vez que só corrido o processo e adotado o ato podiam os particulares agir, quando era preferível que participassem no próprio processo que nas suas esferas viria a produzir efeitos.

A Dispensa de Audiência Prévia e as suas diferenças
Chegámos ao cerne da questão que pretendemos expor com este post.
O artigo do CPA (2015) que releva para efeitos de dispensa de audiência previa em sede do procedimento do ato administrativo é o artigo 124º:
Artigo 124º
Dispensa de audiência dos interessados

1 - O responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados quando:
a) A decisão seja urgente;
b) Os interessados tenham solicitado o adiamento a que se refere o n.º 2 do artigo anterior e, por facto imputável a eles, não tenha sido possível fixar-se nova data nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c) Seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
d) O número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada;
e) Os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
f) Os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão inteiramente favorável aos interessados.
2 - Nas situações previstas no número anterior, a decisão final deve indicar as razões da não realização da audiência.

 A partir do numero 1 do artigo 124º CPA, é possível entender que a dispensa de audiência nas situações elencadas se trata de um ato cujo exercício envolve discricionariedade de ação: “(…)pode não proceder à audiência dos interessados (…)”, ou seja, a contrario – “pode proceder”. Quer isto dizer que verificadas as situações do art.124 nº1 pode o instrutor decidir se procede à audiência prévia (agir), ou se pelo contrario a dispensa (omitir).
A ocorrência das situações elencadas parece depender de uma verificação objetiva: a decisão ser urgente; ser imputável aos interessados a não ocorrência das condições necessárias à audiência; a audiência em si poder gorar os efeitos da decisão, por exemplo quando se imponham necessidades de uma atuação discreta, em que a publicidade que audiência pode acarretar comprometesse a eficácia dessa atuação; o número de interessados ser incompatível com o instituto da audiência, o que não implica de per si a dispensa de consulta pública; os particulares já se terem pronunciado; ser a decisão integralmente favorável.
Esta ideia da verificação objetiva das situações para efeitos do artigo 124º nº1 é em certa medida corroborada com o sentido do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 01429/02 de 01/07/2003, no qual se refere que: “IV- A urgência deve, assim, ser objetivamente verificada, baseada em factos concretos, que legitimem a preterição da formalidade da audiência prévia nas circunstâncias do caso.
Efetivamente nada obsta a esta perceção, mas pretendemos aqui afirmar que nas e) e f) do artigo 124º nº 1 do CPA- 2015 para alem de uma verificação objetiva da situação será de exigir uma analise assente em critérios subjetivos. Ou seja, o instrutor só pode dispensar a audiência prévia, se no caso concreto, atento aquele particular interessado/ sujeito, em cuja esfera a decisão visa produzir efeitos, for de entender com algum grau de segurança que os interesses do particular são salvaguardados e concordantes.
A corroborar esta ideia temos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 027/10.4BECTB 0850/17 de 20/o2/2019, no qual se vem a entender que os interesses do particular não haviam sido suficientemente atendidos, pois embora nesse caso o particular se tenha pronunciado em momento anterior ao de audiência prévia, não podia essa pronúncia afastar a audiência uma vez ao particular não havia sido dada a oportunidade de se pronunciar em toda a extensão da matéria abarcada pela decisão: “nunca antes da liquidação lhe fora dada oportunidade de o contraditar”. Ou seja apesar de objetivamente se verificar uma pronúncia do particular anterior ao momento da audiência esta não foi suficiente para salvaguardar os interesses daquele particular interessado.
Acresce ainda que no CPA de 1991 existia uma diferença de regime entre as situações, que aqui pretendemos diferenciar, tendo em conta o artigo 103º CPA de 1991 (que corresponde ao art.124º/1 do atual CPA):
Artigo 103º
Inexistência e dispensa de audiência dos interessados
1 - Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão.
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.
2 - O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
É de observar que no número 1 do art.103º do CPA de 1991, a dispensa de audiência era de exercício vinculado, ao passo que as situações elencadas no nº 2 desse mesmo artigo e que correspondem às alíneas e) e f) do art.124/1 do atual CPA, a dispensa era discricionária. Pretendemos com isto dizer que a discricionariedade permitida no nº2 do art.103 do CPA servia o propósito de conferir ao instrutor a possibilidade de atendendo a critérios subjetivos, a que anteriormente nos referimos, tomar a decisão mais conveniente. Raciocínio este que já não estava subjacente, nem era de certa forma necessário nas situações do nº1 do artigo em análise.
Entendemos que a distinção que assim se verifica e que a uniformização do regime no atual CPA, não torna evidente, não é totalmente despicienda de interesse jurídico nomeadamente para efeitos daquilo que o particular pode exigir que esteja subjacente à decisão (e nesse sentido aquilo que seja elencado na fundamentação que se exige no art.124º nº2 do CPA) de dispensar au não a audiência, uma vez que nem sempre uma pronúncia antecipada salvaguardara todos os interesses do particular e nem sempre aquilo que a Administração entende ser uma decisão integralmente favorável/ benéfica, assim será entendida/ querida pelo particular (sob pena de estarmos ate perante um caso de “invito beneficium non datur”).
É de deixar claro que a uniformização do regime é favorável na medida em que a extensão da discricionariedade a todas as situações estende também a flexibilidade a ela inerente.
Conclusão
Atualmente a dispensa de audiência prévia é de exercício discricionário sendo que nas alíneas e) e f) do art.124 nº 1 CPA (2015) encontramos uma discricionariedade “mais limitada”, o que significa que nesses caos a dispensa exige a verificação de uma maior número de requisitos.
Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013

Joao Seringa
Nº 58546
Turma: B
Subturma: 17


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