Princípio da proporcionalidade enquanto um dos princípios guias da Administração Pública.
Como temos vindo a desenvolver nas aulas, a Administração Pública é caracterizada pela lei como um espaço de autonomia, autonomia esta que não é liberatória, nem arbitral, mas sim um poder discricionário[1]. Este poder é um poder legal, regulado e condicionado pela lei, tendo de ter por base alguns princípios constitucionais tal como a igualdade, a imparcialidade, boa fé e a proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade consagrado no Art.266º número 2 da CRP e no número 2 do Art.5º do CPA, hoje visto como princípio geral de direito[2]é o princípio que vou analisar e desenvolver.
Conceito:
São vários os conceitos dados por diferentes autores para definir princípio da proporcionalidade.
JORGE MIRANDA[3]define-o como “princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos atos de poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjetivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos e concretos que cada um daqueles que os visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins”.
Por outro lado, FREITAS DO AMARAL[4]afirma “é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”.
Já o Professor MARCELO REEBELO DE SOUSA[5]afirma que o “princípio da proporcionalidade constitui, porventura, o mais apurado parâmetro de controlo de atuação administrativa ao abrigo da margem de decisão”.
Âmbito:
É, no entanto, consensual que este princípio tem várias dimensões e muitas vezes, a forma de as definirem é similar. Podemos identificar três dimensões basilares: a Adequação, a Necessidade (ou proibição do excesso) e o Equilíbrio (razoabilidade ou proporcionalidade em sentido restrito)[6].
- Adequação: Neste caso é necessário que a medida administrativa adotada seja idónea à prestação do fim público visado pelo legislador.
Para o professor FREITAS DO AMARAL, nesta dimensão tenta-se encontrar um modo de justificar a existência de relação entre a medida tomada e a finalidade da mesma, ou seja, tentar compreender se a medida verifica ou não o fim pretendido, sendo que a medida tomada deve ser ajustada ao fim que se propõe a atingir[7].Medida vs. Fim.
Para o professor MARCELO REBELO DE SOUSA, o conceito apresentado é diferente. O senhor professor apresenta esta dimensão como uma conduta de proibição, não sendo permitidas de ser adotadas medidas administrativas inaptas à prossecução do fim que visam atingir[8].
Para GOMES CANOTILHO, nesta dimensão há um controlo da “relação de adequação medida-fim”[9]sendo que a pergunta que se pretende responder é a de se a medida proposta concretiza o fim. Há, neste ponto de vista uma aproximação com a ideia de Freitas do Amaral.
- Necessidade: aqui, o objetivo é que dentro do leque das medidas possíveis de adotar e que visem o fim, o decisor administrativo adote a medida menos lesiva.
Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, nesta dimensão importa que além de ser idónea para o fim que se quer alcançar, a medida seja aquela que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares[10]. Nesta dimensão o cerne da questão passa a ser uma comparação: entre as várias medidas possíveis adequadas, o objetivo é escolher a menos lesiva.
Para o professor MARCELO REBELO DE SOUSA, temos novamente um subprincípio baseado na proibição, não é permitido adotar condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que visam atingir[11]– sendo imperativo que entre os meios possíveis adequados se escolha o menos lesivo.
GOMES CANOTILHO, frisa que a intenção é a de ter “menor desvantagem possível”[12]defendendo que, na medida do possível, devem ser escolhidas as medidas menos lesivas. O objetivo desta dimensão é a de garantir que o meio adotado seja mesmo necessário para atingir os fins[13]. Este autor chega a dizer que este subprincípio como um “subprincípio concretizador” do princípio do Estado de Direito Democrático[14]. A pregunta a que se tenta responder é “a medida proposta é a medida menos lesiva?”[15]– Operação principal é a comparação;
- Equilíbrio: esta vertente é vista como a ultima ratiouma vez que a grande parte dos casos se passa as duas primeiras passe também nesta última. No entanto esta vertente obriga a uma ponderação dos interesses, é necessário ver se os benefícios da medida são superiores aos custos suportadas, é um juízo concreto. Há autores que até se referem a este como “válvula de escape”[16]contra situações extremamente fora do comum, visto que a esmagadora maioria dos casos de desproporcionalidade não passa logo na adequação e na necessidade.
No ponto de vista do professor FREITAS DO AMARAL, esta última dimensão apresentada impõe que os benefícios que advêm da medida escolhida superem os custos que dela advêm[17]. VITALINO CANAS afirma que nesta dimensão “procura avaliar-se se o ato praticado, na medida em que implica uma escolha valorativa, isto é, o sacrifício de certos bens a favor da satisfação de outros, é correto, é válido à luz de parâmetros materiais”[18].
Para o professor MARCELO REBELO DE SOUSA, que chama a este princípio de Razoabilidade, este parâmetro “proíbe que os custos da atuação administrativa escolhida como meio de prosseguir um determinado fim sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização”[19].Quanto a esta figura o professor como trata-a por “figura do erro manifesto de apreciação”, isto é, casos em que a administração faz uma qualificação de tal modo equívoca que nem o erro se considera dentro da margem de livre decisão, nem a conduta administrativa se consideraria imune ao controlo jurisdicional[20]. Esta é uma figura que tem vindo a ser densificada, ganhando cada vez mais importância.
GOMES CANOTILHO, assume o significado de “justa medida” – umas das denominações também atribuídas a este princípio – basicamente, o objetivo é saber se os resultados obtidos estão numa relação de “medida” ou de “desmedida”[21]. Como LAURA NUNES frisa[22], este é um juízo de ponderação normativa.
Verificação e aplicação do princípio consoante as suas dimensões:
À medida que prosseguimos na leitura dos autores e através das nossas aulas, é fácil perceber o modo como verificamos o cumprimento ou não do princípio da proporcionalidade. Como sabemos, basta que apenas uma das vertentes seja violada para que o ato seja considerado ilegal, a aplicação das três dimensões é uma aplicação sequencial. Assim sendo, se o ato não verificar as três vertentes, a ilegalidade deste é baseada na violação do princípio da proporcionalidade.
Tal como dito, também a doutrina converge no sentido do necessário para que este princípio esteja verificado. O professor MARCELO REBELO DE SOUSA frisa que “a preterição de qualquer uma das três dimensões envolve a preterição global da proporcionalidade: assim, para que a atuação administrativa não seja desproporcional ela não pode ser, nem inadequada, nem desnecessária, nem desrazoável”[23]. Também através da opinião deste professor, e do já antes dito, chegamos à conclusão de que assim que uma das vertentes não se verifique, não há necessidade de passar para as seguintes, uma ação que não seja adequada não pode ser necessária.
As dimensões de proporcionalidade são de natureza relacional[24], a diferença reside no facto de que a adequação e a necessidade fazem apelo a juízos abstratos enquanto que a razoabilidade envolve um juízo concreto, implicando a formulação de ponderações, como o professor afirma, “a sua objetividade enquanto parâmetro de controlo de margem de livre decisão administrativa é, assim, muito menor”[25].
O professor FRITAS DO AMARAL estabelece a forma de como aplicar o princípio da proporcionalidade[26]: o primeiro passotem de ser o de definir o fim que se pretende alcançar com a medida em causa; em segundolugar tentamos apurar qual a relação entre medida e fim (ponto já mencionado anteriormente), se esta relação é ou não adequada, se sim continuamos; em terceiro lugartenta entender-se qual das várias medidas possíveis e adequadas é menos lesiva; em quarto lugarverificamos se o fim a prosseguir justifica materialmente determinado sacrifício do interesse dos particulares conflituantes com o interesse público.
Princípio da proporcionalidade vs Princípio da Igualdade:
No seu manual, o professor FREITAS DO AMARAL desenvolve este tema acerca da relação e aplicação do princípio desenvolvido e o princípio da igualdade, ambos princípios basilares da administração pública.
No entanto sublinha a importância de compreender que a ideia de proporcionalidade é inconfundível com a de igualdade recorrendo à opinião de VITALINO CANAS “embora ambas visem assegurar a justa medida e o equilíbrio dos atos do estado (..) materialmente correm em direções distintas”[27].
No livro do professor FREITAS DO AMARAL[28]com base no professor VITALINO CANAS[29]explica-se que “o juízo sobre a razoabilidade das discriminações (...), típico do exame do respeito pelo princípio da igualdade, baseia-se na apreciação ou na comparação de dois tipos legais na sua relação com tensão entre base factual e resultado visado”.Acrescentando, por outro lado, “o princípio da proporcionalidade preocupa-se com a questão de saber se o sacrifício de certos bens ou interesses é adequado, necessário e equilibrado na relação com os bens e interesses que se pretende promover”.
É, assim, fácil compreender que numa decisão administrativa podemos não encontrar verificado princípio da proporcionalidade e, ao mesmo tempo, encontrar o princípio da igualdade intacto, o mesmo pode acontecer na situação inversa[30].
Extensão do Princípio da Proporcionalidade:
O professor MARCELO REBELO DE SOUSA, explora a forma como o Art.5º do CPA configura este princípio e daqui se retira um alcance meramente subjetivo – restringe a sua relevância, apontando apenas às situações em que em causa esteja a restrição de posições jurídicas de particulares. No entanto, segundo este autor, por força do Art.266º da CRP, este princípio além dessa vertente, abrange ainda uma dimensão objetiva – valendo para todas as decisões administrativas e podendo ser invocado para invalidar condutas administrativas por lesão de interesses públicos quer condutas que tenham projeção meramente interna, quer delas derivem, vantagens para particulares[31].
GOMES CANOTILHO afirma que o princípio da proporcionalidade “aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos”[32]e aqui, não há dúvidas quanto à vinculação da administração a este princípio, como se lê no Art.266º da CRP. Reside, ainda assim, a questão de saber se o princípio da proporcionalidade vincula ou não o exercício de poderes por parte dos privados (entidades e sujeitos). A doutrina tem vindo a dizer que sim. Ainda que o valor da autonomia privada goze de primazia, tornando se impermeável aos sacrifícios eventualmente impostos, não é possível afirmá-lo em absoluto[33]. Olhando para o Art.18º número 1 da CRP, vemos que tanto entidades públicas como privadas estão vinculadas ao regime de proteção de direitos fundamentais. Como vimos a demonstrar, o princípio da proporcionalidade desempenha um papel importante para defender e preservar esses direitos, pelo que me parece possível que este princípio, na medida em que for necessário possa ser um limite à autonomia privada dos privados.
Conclusão:
Verificamos, após uma exploração do princípio da proporcionalidade, que este se apresenta como um dos princípios mais relevantes para a Administração Pública e também particulares. Este não me parece ser, como se deduz da exposição, um assunto que apresente grandes dificuldades. A doutrina caminha no mesmo sentido: através de expressões diferentes visam chegar aos mesmos resultados.
Este não deixa de ser um princípio interessante a meu ver, por abranger uma dimensão diferente dos outros princípios e por ser elaborado de uma forma metodológica, com um sistema que garante, na medida em que seja aplicado, uma total reflexão acerca dos atos quanto à sua proporção e, consequentemente a garantia que os atos sejam proporcionais dentro do nosso ordenamento jurídico.
Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ªedição, 2011;
- CANAS, Vitalino, Princípio da Proporcionalidade;
- CANOTILHO, J. J Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos;
- MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional;
- VICENTE,Laura Nunes, “O princípio da proporcionalidade – Uma nova abordagem em tempos de pluralismo”, Instituto jurídico Universidade de Coimbra;
- REBEELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e princípios Fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2008.
Legislação:
- CRP, Constituição da República Portuguesa;
- CPA, Código do Procedimento Administrativo.
Madalena Simões Vaz
Nº59169
[1]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª edição, 2011 pp 42
[2]Laura Nunes Vicente, O princípio da proporcionalidade – Uma nova abordagem em tempos de pluralismo,
[3]Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, pp 219
[4]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª edição, 2011 pp 141
[5]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp 214
[6]Ordem apresentada não é em vão, cada uma das dimensões tem de ser verificada por motivos que exploraremos ao longo do trabalho, começando com a adequação, depois a necessidade e por fim o equilíbrio.
[7]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª edição, 2011 pp 142
[8]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp 214
[9]J. J. Gomes Canotilho,O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos, pp 270
[10]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp 143
[11]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp 214
[12]J. J. Gomes Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos, 270.
[13]Laura Nunes Vicente, O princípio da proporcionalidade – Uma nova abordagem em tempos de pluralismo, p 29
[14]J. J. Gomes Canotilho, O problema de responsabilidade do estado por atos lícitos, pp 266 ss
[15]Idem, p 30
[16]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp 215
[17]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp 144
[18]Vitalino Canas, Princípio da Proporcionalidade, pp 628
[19]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, p 214
[20]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito administrativo Geral, pp 215
[21]J. J. Gomes Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos, pp 270.
[22]Laura Nunes Vicente, O princípio da proporcionalidade – Uma nova abordagem em tempos de pluralismo, p 30
[23]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp 215
[24]Idem
[25]Idem
[26]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp 145
[27]Vitalino Canas, Princípio da Proporcionalidade, pp603-604
[28]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp 145
[29]Vitalino Canas, Princípio da Proporcionalidade, pp603-604
[30]Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp 145
[31]Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pp 216
[32]J.J. Gomes Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos,272.
[33]Laura Nunes Vicente, O princípio da proporcionalidade – Uma nova abordagem em tempos de pluralismo, p 26
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