PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – art. 266º/2 CRP + art. 3º CPA



PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – art. 266º/2 CRP + art. 3º CPA

A atuação da AP está subordinada a princípios constitucionalmente consagrados no art. 266º/2 CRP, tendo dever de os seguir e fundamentar a sua atuação tendo-os por base e respeitando-os.
O princípio da legalidade é um princípio concretizador do Estado de Direito e exprime a subordinação da AP à lei.
A subordinação jurídica comporta duas dimensões:
·         Preferência de lei – AP não pode agir em desconformidade com a lei
·         Reserva de lei – exige que a atuação da AP, mesmo que não contrarie nenhuma lei, tenha fundamento numa norma jurídica (norma de competência).
A reserva de lei projeta-se ainda de duas maneiras complementares:
o   Precedência de lei: exprime a necessidade do fundamento jurídico-normativo da atuação administrativa, ou seja, é necessário a existência de uma norma de competência;
o   Reserva de densificação normativa: “exprime a necessidade de o mesmo fundamento jurídico-normativo possuir um grau de pormenorização suficiente para permitir antecipar adequadamente a atuação administrativa em causa”

Evolução histórica
No período liberal o princípio da legalidade aparecia como uma limitação à atuação da AP numa vertente apenas proibitiva no sentido de que este principio expressava que a AP podia fazer tudo exceto aquilo que a lei não permitisse, ou seja, a AP só não pode fazer aquilo que a lei lhe proíbe. A regra geral era na base do princípio da liberdade – tudo o que não seja proibido a AP pode fazer.
Assim, havia uma presunção da legalidade da AP – se esta podia fazer tudo menos aquilo que era proibido presumia-se que a AP respeitou a lei ao agir e em caso de dúvida havia uma inversão do ónus da prova (o particular tem de provar que a AP agiu mal e ainda afastar a presunção)
Havia então uma espécie de livre arbítrio da AP; a não ser que existisse uma norma proibitiva expressa, a AP podia fazer tudo.
Com a evolução passou a ser exigida uma norma legal, em casos excecionais, para atuações que fossem especialmente restritivas ao direito de propriedade dos particulares.
Assim, era muito difícil haver uma execução do poder administrativo.

Preferência de lei
O art. 266º/2 CRP e art. 3º CPA devem ser entendidos, desde logo, num sentido negativo ou proibitivo: são proscritas atuações que contrariem a lei; em caso de conflito entre a lei e um ato administrativo, a lei prevalece sobre este.
Hoje em dia a lei é apenas uma entre muitas fontesde direito pelo que a preferência de lei passou a ser entendida como a preferência da ordem jurídica globalmente considerada. O parâmetro jurídico da atividade administrativa passou a ser todo o bloco de legalidade.
O bloco de legalidade inclui Constituição, direito internacional (convencional, consuetudinário e decisões de org. internacionais), o direito comunitário, a lei ordinária, os regulamentos administrativos (bem como o costume interno, de nível constitucional, legal ou regulamentar, para quem aceite a sua relevância). A expressão lei, no âmbito da preferência de lei, vai abranger todos estes parâmetros da atuação administrativa.
A preferência de lei acarreta duas consequências fundamentais:
·         Os atos administrativos que contrariem o bloco de legalidade são ilegais e, em regra, inválidos (a consequência da ilegalidade impõe-se também quanto às omissões de atos cuja prática a lei impõe)
·         A ordem jurídica assegura mecanismos, quer intra-administrativos, quer jurisdicionais, que permitem a erradicação dos atos ilegais da ordem jurídica, bem como o suprimento de omissões ilegais
A maior dificuldade que este principio apresenta é o de saber que conduta deve a AP adotar quando se depare com normas conflituantes no interior do bloco de legalidade – à primeira vista poderia ser tentador resolver o problema através da desaplicação pura e simples da preferência imediata da norma de fonte hierarquicamente superior e tal conduziria a uma aplicação unilateral do principio da preferência de lei. Mas pode a AP fazer o juízo de desaplicação de leis em função da hierarquia entre as fontes? Regra geral NÃO – A AP NÃO PODE RESOLVER CONFLITOS NORMATIVOS ATRAVÉS DA DESAPLICAÇÃO DE NORMAS COM FUNDAMENTO NA SUPERIORIDADE OU INFERIORIDADE DE UMA PERANTE A OUTRA:
·         Princípio da igualdade: se a AP fizer este juízo então poderia estar a pôr-se em causa o princípio da igualdade uma vez que um órgão ou dirigente podia considerar a norma inferior e não a aplicar enquanto outro órgão poderia considerar q não e já aplicar a norma.
·         O juízo é um critério subjetivo: para uma pessoa ou órgão pode ser ilegal e para outra já não
·         Juízo de reserva de jurisdição – no caso por exemplo de conflito entre a CRP e leis ordinárias, existe uma reserva jurisdicional de desaplicação de leis inconstitucionais e cabe apenas aos tribunais fiscalizar a constitucionalidade das leis

Ainda assim há várias exceções a esta regra:
·         Jorge Miranda – considera que se a norma levar à prática de um crime pode ser desaplicada pela AP
·     Gomes Canotilho – se for uma norma que expresse uma inconstitucionalidade manifesta pode ser desaplicada pela AP, ou se houver uma violação dos direitos, liberdades e garantias
·         Vieira de Andrade – se for uma inconstitucionalidade material pode haver desaplicação por parte da AP

Reserva de lei
1.      Reserva de lei como precedência de lei
A reserva de lei expressa a necessidade da atuação da AP ser fundamentada na competência atribuída pela lei, ou seja, a AP tem de atuar tendo por base uma norma que lhe atribuía competência para realizar o determinado ato.

2.      Reserva de densificação normativa e abertura das normas
A reserva de densificação normativa relaciona-se com o grau de determinação e pormenorização da norma habilitante da atuação administrativa.
Norma fechada – norma que densifica totalmente os pressupostos e meios da atuação administrativa. Estas normas estabelecem a VINCULAÇÃO da administração a uma conduta, ativa ou omissiva, totalmente predeterminada.
Norma aberta – norma que densifica apenas parcialmente esses pressupostos e meios de atuação. Estas normas concedem à AP alguma MARGEM DE LIVRE DECISÃO.
Na prática é inconcebível uma norma ser totalmente vinculativa, mas pelo principio da legalidade também vemos que os poderes administrativos nunca serão totalmente livres: o bloco de legalidade constitui sempre um fundamento e limitação da AP. A maioria das vezes uma norma é vinculativa em determinados aspetos e da uma margem de livre decisão em relação a outros.

Princípio da legalidade e a margem de livre decisão administrativa
A margem de livre decisão administrativa consiste num espaço de liberdade da atuação administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade, implicando, portanto, uma parcial auto determinação administrativa.
Existem duas formas de margem de livre de decisão: a discricionariedade e a marfem de livre apreciação – ambas têm hoje fundamentos e consequências idênticas.
A base jurídica da margem de livre decisão é a lei, tudo aquilo que a lei não definir de forma vinculada é onde existe esta margem de livre decisão.
A margem de livre decisão implica que não exista controlo judicial – não significa que os atos praticados ao abrigo da margem de livre decisão não possam ser objeto de controlo, mas sim que esse controlo deve resumir-se à aferição do respeito administrativo pelas vinculações normativas e pelos limites internos da margem de livre decisão (mais a frente falo sobre isto).
Há uma distinção entre a esfera da legalidade, sujeita a controlo jurisdicional, e a esfera do mérito, a ele subtraído.

Bibliografia

Sousa, Marcel Rebelo; Matos, Salgado André (2004) Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição (2008), D. Quixote.  

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