O Princípio da Proporcionalidade enquanto princípio geral do Direito Administrativo


O Princípio da Proporcionalidade enquanto princípio geral do Direito Administrativo

Introdução:

O princípio da proporcionalidade é um dos princípios que vinculam a Administração, incluindo nos atos discricionários. Grande parte desses princípios encontram-se no artigo 266º da CRP. Deste artigo resultam princípios tão relevantes como a imparcialidade, justiça, boa-fé e, aquele que irei analisar, proporcionalidade. É necessário reconhecer também que na nossa ordem jurídica acolhemos outros princípios com origem europeia e global, ultrapassando a ideia de que as vinculações impostas por estas fontes de Direito supralegal são meramente avulsas, visto haver uma verdadeira multiplicidade de princípios aplicáveis à Administração. Estes níveis de juridicidade, são parâmetros de controlo jurisdicional da conformidade à lei e ao Direito dos próprios atos e são também parâmetros de controlo jurisdicional do seu mérito.

Portanto, estes princípios gerais do Direito Administrativo, são critérios normativos, são as principais formas de controlo da discricionariedade, da decisão tomada pela Administração Pública quanto a esses elementos discricionários.

Evolução histórica:

Este princípio surgiu no Direito de Polícia, na Alemanha sendo primeiramente visto como um princípio de necessidade e posteriormente chegou ao direito prussiano de polícia do final do século XVII.

O princípio expandiu-se, com a finalidade de aproximar todo o ordenamento vigente ao Direito justo, a outros ramos do Direito Administrativo e até mesmo ao Direito Constitucional e devido a esta expansão tornou-se num princípio geral de direito a que nenhuma área do direito interno, nenhum ato seja ele legislativo, regulamentar, judicial, administrativo, político stricto sensu e até de revisão constitucional, está imune.

Este princípio foi uma das poucas ideias jurídicas que, nas últimas décadas, receberam uma grande prosperidade e difusão no Direito Comparado.

Conceito:

O professor Freitas do Amaral começa por dizer que o princípio da proporcionalidade é uma manifestação essencial do princípio do Estado de Direito que resulta do artigo 2º da CRP, pois num Estado de Direito democrático as decisões ou as medidas que são tomadas pelos poderes públicos não devem ultrapassar o estritamente necessário para a verificação do interesse público.

Este princípio está especificamente enunciado no já referido artigo 266º nº2 CRP e no 7º do CPA.
Relativamente à definição de princípio da proporcionalidade, podemos ter em conta o que nos dizem os seguintes autores:

Freitas do Amaral: “é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”.

João Caupers: “O termo proporcionalidade corresponde, em matemática, a uma ideia de variação correlativa de duas grandezas; enquanto conceito jurídico- administrativo, as grandezas conexionadas são benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respetivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares (também se pode designar esta ideia por racionalidade da decisão)”.

Marcelo Rebelo de Sousa: “constitui, porventura, o mais apurado parâmetro de controlo da atuação administrativa ao abrigo da margem de livre decisão”.

Paulo Otero: “envolve sempre um juízo que pressupõe uma relação entre a conduta administrativa tomada (ou a tomar) e as circunstâncias que a justificam, os propósitos visados ou os efeitos que comporta”.

Já Aristóteles defendia que a expressão clara de proporcionalidade tem subjacente um postulado de justiça distributiva, envolvendo a necessidade, adequação e equilíbrio no agir administrativo. Estas 3 dimensões serão desenvolvidas de seguida.

As 3 dimensões do princípio da proporcionalidade:

Adequação (artigo 7º nº1 CPA): o comportamento administrativo ou medida administrativa terá de ser idónea à prossecução do interesse público visado, do fim que se propõe para atingir esse interesse. Deverá existir uma relação entre o meio que é utilizado e a finalidade.

Necessidade ou proibição do excesso (artigo 7º nº2 CPA): essa medida administrativa terá que ser, dentro daquelas que são idóneas, a que menos lese os direitos e interesses dos particulares, a menos gravosa para a esfera jurídica destes, a que impõe menores sacrifícios aos valores e bens envolvidos. É preciso fazer uma comparação entre uma medida idónea que será tomada e as outras medidas também idóneas com o objetivo de escolher a menos lesiva. Os interesses, tanto público como privados, não podem ser excessivamente prejudicados.

Equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade (artigo 7º nº2 CPA): é uma relação entre custos e benefícios, tem que existir uma proporção entre as vantagens que se verificam na prossecução do interesse público e os sacrifícios próprios dos interesses privados. É necessário verificar se “o sacrifício de certos bens a favor da satisfação de outros bens, é correto, é valido à luz de parâmetros materiais”, diz Vitalino Canas. Os custos não podem ser manifestamente superiores aos benefícios.

Para João Caupers o conceito jurídico-administrativo de proporcionalidade divide-se em 3 níveis de apreciação, mas fala numa exigibilidade do comportamento administrativo que constitui uma condição que é indispensável da prossecução do interesse público. Este autor não se refere à necessidade como uma das dimensões deste princípio apenas dizendo que decorre do 266º nº2 da CRP “obriga a administração pública a provocar com a sua decisão a menor lesão de interesses privados compatível com a prossecução do interesse público em causa”.

Mário Aroso de Almeida designa estas 3 vertentes de subprincípios e Paulo Otero de princípios parciais.

Para complementar, há quem ainda defenda, apesar de não estar referido no CPA, que este princípio envolve ainda mais 3 vertentes ou subprincípios:

Princípio da interdição de proteção insuficiente ou princípio da proibição do defeito: este é acolhido a nível legislativo pela jurisprudência constitucional e requer um nível superior ou mais exigente de proteção jurídica de certa realidade, há determinação de uma proteção mínima, pois a conduta administrativa não pode conter uma proteção insuficiente, não pode ficar aquém da tutela ou garantia exigível face à situação. 

Princípio da subsidiariedade: a conduta administrativa deve inserir-se no campo daquelas que, dentro da legalidade, menor lesão causar aos interesses dos privados opositivos e sobre os outros interesses públicos que podem ser afetados.

Princípio do perturbador: se estiverem em causa medidas que visam restabelecer a legalidade, a prevenção ou o sancionamento da sua relação, essas medidas devem ser adotadas contra quem, através de um nexo de causalidade adequada, teve um comportamento ilícito ou então em a disponibilidade de uma situação que poderá gerar risco ou um perigo de dano, sendo um causador da perturbação da ordem pública ou da ordem jurídica e essas medidas não podem destinatários terceiros que não são os perturbadores.

Algumas observações em relação a estas 3 vertentes:

• Embora o CPA consagre a adequação no artigo 7º do CPA no que toca ao princípio da proporcionalidade, esta está configurada de modo autónomo no nº1 do mesmo artigo, sendo que tem um âmbito de aplicação mais amplo do que aquele que o nº2 apresenta para a necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, pois o nº1 impõe adequação a todo o tipo de atuação administrativa que envolvam uma escolha de meios em função de fins e não apenas às decisões que sacrifiquem certos tipos de bens, valores ou interesses em benefício de outros.

A adequação trata-se de uma exigência de estrita racionalidade, que não comporta uma dimensão valorativa, assentando numa avaliação meramente empírica, de causa e efeito, entre o meio e o fim e daí que se lhe atribui esta autonomia que tem sido defendida na doutrina comparada.

• Relativamente à necessidade, a sua aplicação coloca dificuldades na generalidade das situações, pois diferentes alternativas implicam custos diferentes e têm vantagens diferentes, porque atingem em diferente grau o fim visado ou implica custos de natureza e intensidade diferente e nestes casos a aplicação depende de ponderações com vista a fixar critérios de preferência para a escolha entre as diferentes alternativas.

• A ideia de razoabilidade deve também, segundo a posição de Mário Aroso de Almeida, ser aplicada ao subprincípio da necessidade, porque esta também envolve uma apreciação valorativa através da qual se verifica, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício que irá surgir daquela medida adotada é aceitável ou tolerável.

• Estas 3 dimensões não devem ser chamados de pressupostos, precisamente por não serem cumulativos isto é, não tem que se verificar a falta dos 3 para que haja violação do princípio da proporcionalidade, basta que falhe 1 para que o ato seja considerado ilegal e o princípio ser dado como violado. Perante a falta de uma delas, não vale sequer a pena analisar as demais visto que uma atuação inadequada nunca pode logicamente ser necessária, se não passa o teste da adequação então iremos concluir de imediato que não alcança o fim e portanto eu não posso escolher de um leque de medidas que alcançam o fim a que sejas menos lesiva, não faz sentido raciocinar num pressuposto que não se verifica. No entanto, estes testes terão que se aplicados pela ordem já exposta.

• O teste do equilíbrio raramente é aplicado em medidas administrativas, porque na maioria dos casos se passa o teste da necessidade passa ao do equilíbrio, é a última ratio de que todos os interesses são ponderados, públicos e privados, que se faça um juízo no sentido de que os benefícios que resultam da medida são globalmente superiores aos custos que dela advém para os privados, para os particulares, financeiros, não financeiros.

• Marcelo Rebelo de Sousa afirma que os 2 primeiros testes são juízos mais abstratos de caráter teleológico e lógico o 3º teste é um juízo concreto, axiológico, envolvendo apreciação dos factos para fazer a medição dos custos e benefícios que resultam da decisão administrativa adotada.

• A 3ª vertente é de mais difícil aplicabilidade, porque não é possível fazer um juízo absoluto, certeiro, seguro, há que ponderar os interesses de quem manifestou interesse naquele ato. O facto de ser mais objetiva faz com que a sua função de controlo de margem de livre decisão administrativa é muito menor, as possibilidades de controlo jurisdicional limitam-se aos casos e desrazoabilidade manifesta. A administração pública tem o dever fazer tudo o que está ao seu alcance para fazer essa ponderação.

• Ao teste da adequação passam quase todos os atos administrativos, pois não é difícil encontrar um meio ajustado ao fim visado.

Aplicação:

Nos diferentes ordenamentos jurídicos a aplicação deste princípio por parte dos tribunais é muito divergente.

A questão aqui é saber em que tipo de situações é que este princípio deve ser chamado a intervir, sendo que uma parte da doutrina defende uma conceção objetivista em que proporcionalidade é um critério que é submetido a todos os tipos de situações em que a Administração é chamada a proceder a ponderação de bens, valores ou interesses de qualquer tipo. Nesta visão, recusa-se que o âmbito de aplicação do princípio se restrinja aos domínios originários da limitação ou intervenção estatal em âmbitos de autodeterminação individual, tensão entre poder público e liberdade dos cidadãos, tomando posição de que se aplica em todos os casos de decisões em que os poderes públicos sejam chamados a diminuir conflitos entre bens, valores ou interesses, públicos ou privados.

No entanto, não é este o entendimento maioritário na doutrina e jurisprudência comparadas e também quanto ao direito português não parece que o princípio da proporcionalidade esteja concretizado no CPA através de um alcance maximalista.

Realmente o nº2 do artigo 7º do CPA ao consagrar as vertentes da necessidade e equilíbrio, restringe a aplicação às “decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares”. Portanto nestas vertentes o alcance do preceito é muito limitado, atendendo à lei.

Mário Aroso de Almeida pronuncia-se sobre este tema dizendo que “à luz da perspetiva garantística das esferas jurídicas dos cidadãos que preside ao CPA e, de um modo geral, ao nosso ordenamento jurídico-administrativo, nos parece aceitável que, no que diz respeito à ponderação da relação que se estabelece entre os meios que são utilizados pela Administração e os fins que por ela são visados, do CPA se retire a opção de apenas submeter às exigências mais densificadas de atuação e de controlo que decorrem dos princípios consagrados no seu artigo 7º, nº2, decisões assentes numa racionalidade ligada à proteção de situações jurídicas subjetivamente radicadas”, está então a referir-se à adequação. No que toca à necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, o autor diz que não deve ser feita uma interpretação literal e que devemos entender que neste campo a proteção é mais alargada, não se restringindo apenas a situações de interferência com bens, interesses ou valores subjetivados, estende-se também a bens, interesses e valores de natureza público e dá como exemplo a saúde pública.

A posição de Marcelo Rebelo de Sousa é a de que o nº2 do artigo 7º do CPA trata do alcance subjetivo, pois limita a sua relevância apenas às situações em que esteja em causa a restrição de posições jurídicas subjetivas dos particulares. Por outro lado, o artigo 266º nº2 da CRP apresenta a dimensão objetiva no sentido em que este princípio vale para todas as decisões administrativas e poderá ser invocado para tornar inválidas condutas administrativas que lesem interesses públicos, quer essas condutas tenham uma projeção interna ou sejam emanadas de ganhos para os particulares.

Paulo Otero diz-nos que a adequação e necessidade têm especial aplicabilidade no campo de uma Administração agressiva isto é, restrições a direitos e interesses dos cidadãos, mas que a razoabilidade, sendo um balanço entre custos e vantagens, aplica-se na área da administração prestadora e quando estivermos perante atos com repercussões financeiras.


Finalidades a prosseguir:

Paulo Otero enumera as finalidades mais relevantes deste princípio:

• A proporcionalidade limita a intervenção administrativa à necessidade e irá sujeitá-la a uma exigência de adaptabilidade às circunstâncias de facto.

• A proporcionalidade indica-nos a medida em que a consideração da prossecução do interesse público junto dos interesses privados exige que o interesse público tome em consideração o respeito pelo interesse privado ou então a medida em que o interesse privado pode sofrer uma legítima restrição por efeito da prossecução do interesse público.

• A proporcionalidade manifesta-se como um critério que pondera interesses, sejam eles públicos ou privados, insuscetíveis de satisfação integral, procurando uma solução conciliadora em cenários em que há uma igual valia dos interesses em conflito.

Exemplo:

Podemos exemplificar a aplicação do princípio da proporcionalidade com um exemplo já referido nas aulas teóricas do professor Vasco Pereira da Silva e que ilustra também, de forma muito clara as 3 vertentes deste princípio.

Imaginemos o caso de um incêndio na localidade X do País A.

Poderá ser justificada e proporcional a medida de restringir o trânsito de viaturas civis na localidade X, para que as forças de emergência acedessem ao local e pudessem prestar apoio às populações. Por outro lado, seria manifestamente desproporcional um ato administrativo que proibisse a circulação de automóveis em todas as restantes regiões do País A (neste caso por violação da vertente de necessidade).

Desproporcional seria ainda o ato que, ordenando a restrição do trânsito na localidade X, impusesse ainda que esta restrição se aplicasse aos próprios veículos de emergência – o que, impedindo o acesso dos bombeiros, não permitiria atingir a finalidade de resolver o incêndio, havendo por isso uma manifesta inadequação do ato.

Por último, seria justificada a restrição ao acesso das populações da localidade X às suas habitações, devido aos perigos do incêndio ainda por controlar. Mas seria obviamente excessiva a prisão preventiva dessas populações, ou o apresamento dos seus bens.

Conclusão:

Em suma, se a medida tomada pela Administração não for simultaneamente adequada, necessária e equilibrada, em relação ao fim que se pretende atingir, então essa medida será ilegal por desrespeito ao princípio da proporcionalidade. O desvalor desta violação será, ao abrigo do artigo 163º nº1 do CPA, a anulabilidade. Porém, um entendimento mais antigo da jurisprudência administrativa admitia que em casos de “ofensa grave e grosseira” da garantia da proporcionalidade, a conduta administrativa seria nula.

Podemos ainda concluir esta análise com as palavras de João Caupers: “O princípio da proporcionalidade é uma importante conquista dos cidadãos no sentido da melhoria da eficácia da fiscalização do exercício dos poderes discricionários, na medida em que permite um controlo objetivo destes, bem mais operativo do que o controlo subjetivo, restrito à busca dos motivos determinantes da decisão, no quadro da investigação do desvio de poder”, e portanto este princípio é uma forma de controlar a Administração no âmbito dos seus poderes discricionários.

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ªedição, Almedina, 2016.

REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral - Tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2008.

CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 11ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2013.

OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 2016.

AROSO DE ALMEIDA, Mário, Teoria Geral do Direito Administrativo, 5ª edição Almedina, 2018.

Apontamentos das aulas teóricas do professor Vasco Pereira da Silva.
Apontamentos das aulas práticas do professor Jorge Pação.

Legislação:

Código do Procedimento Administrativo.
Constituição da República Portuguesa.

Luísa Cró, subturma 17, nº 58434.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os vários tipos de atos administrativos

O regulamento externo e interno

Caso Prático Direito Administrativo:Tópicos Correção