O Princípio da Legalidade
Com
base no artigo Do princípio da legalidade
à juridicidade. O sentido atual das fontes de Direito Público, de 2017, escrito pelo professor
regente Vasco Pereira da Silva, a seguinte publicação vem a propósito da análise
daquele mesmo princípio tendo em conta a sua evolução histórica e a visão do
professor, bem como de outros autores. No referido artigo é bastante presente a
influência liberal para o desenvolvimento do princípio da legalidade ao longo dos tempos. Este princípio nem sempre teve o
mesmo entendimento nos diferentes regimes históricos, sendo que, de acordo com
o que afirma o professor Diogo Freitas do Amaral, houve três fases essenciais
com perspetivas distintas a serem analisadas de seguida, juntamente com o
artigo indicado.
A
primeira, a fase da Monarquia e do Estado
de polícia, em que o poder não era sequer limitado pela lei e em que a
Administração era livre de atuar sem assegurar obrigatoriamente o bem- estar e
a segurança dos particulares, agindo até de forma desigual e com base em
interesses. O professor Vasco Pereira da Silva adota até uma expressão alemã,
que traduzida origina “Administração agressiva”, uma vez que, o imenso poder e
pouco controlo para com a Administração Pública através da lei, que era rara,
levavam, como refere o professor, a Administração a exercer «o seu poder
autoritário de uma forma muito ampla». Sem a intervenção do Tribunal era
possível prejudicar interesses de uns para beneficiar outros. O seguinte
período, foi a fase liberal do regime oitocentista. A Administração Pública regia-
se pelo princípio da subordinação à lei,
pois era esta que impunha os limites da sua atuação- princípio do primado da lei- para que, ao contrário do que havia
acontecido, se impusessem os direitos dos particulares como fim da atuação
administrativa, «limitada negativamente pela lei» (FREITAS DO AMARAL, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, vol. II). Na ótica do professor Marcelo Rebelo
de Sousa, para além da imposição dos direitos dos particulares, também passou a
ser importante, nesta fase, garantir que a atuação administrativa se dava em
função da legitimidade democrática e não com base na vontade e nos interesses
dos governantes. O princípio do primado
da lei é, assim, uma das modalidades do princípio da legalidade juntamente
com o princípio da reserva de lei,
que a usa como fundamento para atos inferiores à lei, de acordo com a concessão
do professor Freitas do Amaral. Finalmente, a fase que vigora hoje em dia,
considerada a Monarquia Liberal do século
XIX ou o Estado Social. Na Europa
a forma de ver o princípio da legalidade diferia consoante o regime político
adotado nos seus diferentes países. Contudo, a primazia e a reserva de lei
continuaram a adotar- se neste período. Atualmente, o papel da Administração já
é diferente e mais controlado, pois apenas age e exerce os seus poderes de
acordo com o que dita a lei, tem em vista o bem- estar dos particulares e os
seus direitos. Daqui se entende que a Administração se subordina a todo o
Direito, uma novidade, bem como à lei, pela sua preferência e primazia, como
refere o professor Vasco Pereira da Silva. Esta dupla subordinação diz respeito
então ao conteúdo deste princípio. É de acrescentar que este professor desvia, totalmente,
a ideia de que o princípio da
discricionariedade se encontra agregado ao princípio da legalidade, discordando de Marcello Caetano e
afirmando que um cargo público, destinado aos particulares como parte de um
todo, um ordenamento jurídico, nunca poderia ser livre, mas sim dependente
daquilo que por lei lhe é permitido: «A Administração está subordinada não
apenas à lei, mas ao direito na sua totalidade. (…) não goza de liberdade.»,
afirma o professor no referido artigo. Assim, a dupla subordinação ao direito e
à lei é reconhecido por autores como Gomes Canotilho, Vital Moreira e Vieira de
Andrade como o princípio da juridicidade
(doutrina alemã), pois o objetivo seria visar os interesses de todos, tanto
particulares como Administração, que intervém apenas naquilo que a lei a permite,
não sendo, assim, autónoma no seu poder. Também o professor Vasco Pereira da
Silva concorda com esta visão administrativa, sendo que a subordinação implica
toda a ordem jurídica, até mesmo a internacional.
Com a
“autoridade” da lei a regência da Administração encontra- se na generalidade e
na abstração das normas aplicadas consoante o necessário nos diferentes casos,
sendo este entendimento mais material do que formal, como seria no século XIX.
Cede, o caráter arbitrário e autoritário da Administração, lugar a uma maior
abertura e flexibilidade da mesma. Deste modo, hoje, a Administração tem poder
discricionário, mas sempre de acordo com o que antecede da lei, ou seja, a
“liberdade” do poder discricionário encontra- se apenas no facto de a
Administração decidir dentro das opções que lhe são expostas pela lei, nunca
tendo uma “liberdade real” na sua atuação.
Estes
princípios emanam, portanto, da lei (fundamental- a Constituição), daí que, contrariamente
à opinião de Otto Mayer, o Direito Administrativo atual funcione na dependência
constitucional sendo o aplicador do Direito Constitucional, das suas normas,
referidas em cima, bem como dos seus princípios orientadores como são os já
referidos. No artigo que é base deste trabalho, o professor refere ainda que o
contrário também se afirma como verdadeiro, ou seja, o Direito Constitucional
também depende do Direito Administrativo, pois por si só não se concretiza e
precisa de outro para que possa ser posto em prática como complemento e meio
aos seus fins. Mais do que a ordem nacional que conhecemos, o Direito
Administrativo deve respeitar também outras ordens internacionais que acolhe
diretamente. Acolhendo essas ordens, enquanto sujeito de Direito Internacional,
como são o Direito da União Europeia e o Direito Internacional Público, o princípio da legalidade passa também a
dever respeito àqueles mesmos. Portanto, hoje em dia, o princípio da legalidade, no sentido de princípio da juridicidade, deve correspondência e obediência não só
à ordem jurídica nacional como também à ordem jurídica internacional, de modo a
prosseguir os seus fins da melhor forma: protegendo os direitos e interesses dos
particulares, tendo a legalidade como fundamento da sua ação administrativa.
Matilde Geraldes Duarte Tomás
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