O Princípio da Legalidade no Liberalismo e as suas dimensões



O Princípio da Legalidade no Liberalismo e as suas dimensões

Importa começar por referir qual é a definição dada ao Princípio da Legalidade. Ora, tradicionalmente, o professor Marcello Caetano definia este princípio como «nenhum órgão ou agente da Administração Pública tem faculdade de praticar atos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior». Ora, desta definição resulta que o Princípio da Legalidade seria considerado um limite à Administração Pública. Limite esse que seria estabelecido no interesse dos particulares.

Atualmente a definição do Princípio da Legalidade não é a mesma. Para o professor Diogo Freitas do Amaral este princípio respeita ao seguinte: «os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos».

Após o período de Monarquia Absoluta, considerado como Estado de polícia (poder absoluto, que não está limitado nem pela lei nem pelos direitos subjetivos dos particulares), passamos ao período do Liberalismo, mais concretamente após a Revolução Francesa.

Com a Revolução Francesa, tudo o que não estivesse proibido, o poder executivo poderia fazê-lo. A lei aparece como limite da ação administrativa, nesta que era uma formulação negativa. Esta formulação negativa tratava-se de uma proteção aos direitos dos particulares. O grau de vinculação da administração pública baseava-se em normas em modo proibitivo. O legislador era apenas o parlamento e este definia os limites da atuação da administração pública. A motivação da revolução liberal foi limitar o poder executivo que era exercido pelo monarca. A lei parlamentar surgia como forma de controlo da atuação do poder executivo. 

Atualmente, na nossa ordem jurídica também temos normas proibitivas, contudo a vinculação da Administração Pública vai muito além daquela que é a mera disposição de normas em modo proibitivo. Associado a este período, podemos ver outras vertentes deste princípio, tais como:

O Princípio da Presunção da Legalidade da Atuação Administrativa, que em muitos casos numa situação de dúvida presumia-se que a Administração Pública respeitou a lei. Tudo isso iria gerar uma inversão do ónus da prova. Podemos concluir que acaba por redundar num Princípio de Legalidade que se aproxima num Princípio de Liberdade. Certamente, que isto trará consequências no modo como se interpretava a discricionariedade da Administração Pública. Apesar da existência dos princípios liberais e do controlo parlamentar, era reconhecido que existia uma espécie de livre arbítrio do poder executivo. 
No Período Liberal, começou a exigir-se uma espécie de permissão legal para que o poder executivo praticasse atos ambulativos do Direito de Propriedade. Ainda na vertente liberal, para determinados casos excecionais, o controlo que o legislador fazia da administração era excecionalmente através de normas de permissão, o que hoje em dia chamamos de normas de competência.  

Deformações próprias nos períodos do Estados Totalitários. Foi nesta altura que o Princípio da Legalidade começou a ganhar uma maior notoriedade. A lei passou a ter maior importância, mas o poder legislativo era exercido de forma a satisfazer o poder político. A principal deformação é o facto de o poder legislativo passar a ser exercido não só pelo parlamento, mas também pelo executivo.  Estes regimes deram uma maior densidade à função legislativa para os fins que em princípio não seriam os melhores segundo a visão de um Estado Democrático.

Quando olhamos para a camada normativa de controlo da Administração Pública, esta não restringe aquilo que é o ato legislativo. Tendo em conta os artigos 266º CRP e 3º CPA podemos concluir que temos uma vinculação da função administrativa e fontes normativas que se encontram numa função superior face à lei. Temos, também, normas produzidas pela própria administração que são os regulamentos administrativos (Princípio da Juridicidade).

Os regulamentos correspondem a normas que têm de ser respeitadas pela Administração Pública no exercício de outras formas do poder administrativo tais como o ato administrativo, contratos administrativos, atuações informais da Administração Pública e as operações materiais. Neste Bloco de Legalidade temos diferentes níveis hierárquicos. 

O Princípio da Juridicidade mencionado anteriormente, relaciona-se tanto com o bloco de vários níveis normativos, bem como com uma nova dimensão do Direito que se trata da dimensão no qual, nos dias de hoje, o Direito Administrativo é conformado pelos princípios enquanto razões de primeira ordem. Quando olhamos para aquilo que Administração Pública faz não podemos apenas fazer juízos de legalidade estrita. 

Para uma certa parte da doutrina a aplicação dos princípios provoca uma erosão no Princípio da Legalidade na sua dimensão mais tradicional. Apesar desta erosão, daquilo que é a visão de uma legalidade estrita, atualmente, já não temos apenas um Princípio da Legalidade que é apenas uma legalidade limite.

Temos de conhecer bem as diferentes dimensões normativas do princípio da legalidade:

Primeira dimensão: esta ainda se verifica no Período Liberal por normas proibitivas e todos os outros tipos de normas. Trata-se da dimensão do Princípio da Legalidade enquanto limite da Administração Pública (primazia de lei, preferência de lei, prevalência de lei). Nenhum ato administrativo pode contrariar diretamente uma norma legal, é um juízo de conformidade. Hoje em dia, o Princípio da Legalidade não se resume a isto porque temos a dimensão de reserva de lei.

Segunda dimensão: trata-se da dimensão de reserva de lei que tem a sua principal projeção na precedência de lei. A Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei permite. É preciso que identifiquemos normas de competência. A competência para a atuação administrativa tem de estar prevista na lei. Discute-se qual é o grau de densidade que tem de ter esta reserva de lei na vertente da precedência. Ou seja, a chamada reserva de densificação normativa. É preciso que a lei permita o ato para que ele possa ser aprovado ou praticado pela Administração Pública. Todavia, falta saber qual é a exigência do ponto de vista do conteúdo dessas normas legais. A grande maioria da doutrina fala que as exigências do Estado de Direito Democrático obrigam a uma reserva total de lei que é de densificação e que obriga o legislador a definir minimamente os meios e os fins que a Administração Pública deve prosseguir na prática de um determinado ato. Isto tem consequências muito relevantes no artigo 199º da CRP quanto à aprovação de regulamentos pelo governo. Tem algumas variações conforme o tipo de atuação e entidade. Há entidades que têm mais autonomia administrativa. Tendencialmente, as exigências de densificação para uma autarquia serão menores porque os órgãos têm legitimidade democrática, por exemplo. Quem fala de densificação total, fala em excesso. Todavia, há sempre uma margem de discricionariedade. O legislador não pode nem deve definir tudo. Esta ideia de reserva de lei tem outra vertente da reserva material de lei, ou seja, as matérias que apenas o legislador pode regular e Administração Pública, pela via dos regulamentos administrativos, não o pode fazer. 

Terceira dimensão: falamos aqui da reserva material de lei quanto ao conteúdo. Estamos a mencionar do conjunto de matérias que não estão ao alcance da Administração Pública regular através de regulamento ou pelo menos fazê-lo pela primeira vez com conteúdo inovatório. Podemos ter como referência os artigos 161º; 164º e 165º da CRP. Outra coisa distinta é saber se o governo ou o parlamento podem regular determinada norma, contudo o que nos interessa relativamente a estes artigos é saber se a Administração Pública não invade a competência do governo ou parlamento. Ou seja, se a função administrativa não invade a função legislativa. Visto que se tal se verificasse seria um caso de violação do princípio da separação de poderes.  


Bibliografia:
  • AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª edição, Almedina, 2016.
  • CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2009.
  • Aulas teóricas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa lecionadas pelo professor Vasco Pereira da Silva.
  • Aulas práticas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa lecionadas pelo professor Jorge Pação.
Legislação:
  • Constituição da República Portuguesa (CRP). 
  • Código do Procedimento administrativo (CPA).
Joana Leonor Leal Nunes
Nº 58436
Turma B
Subturma 17



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