Grandes Intimidades no Princípio da Imparcialidade
O Princípio da Imparcialidade, primeiramente consagrado nos artigos 9º CPA e 266º/2 CRP, é também definido pelo professor Freitas do Amaral como um princípio “que significa que a Administração Pública deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, adequado ao cumprimento das suas funções específicas, não se tolerando que tais critérios sejam substituídos por influência de interesses alheios à função”.[1]O professor Marcelo Rebelo de Sousa apresenta-nos este princípio como o “comando de tomada em consideração e ponderação, por parte da administração, dos interesses públicos e privados relevantes para cada concreta atuação sua”[2].
O princípio em questão possui duas vertentes. A vertente positiva, que se refere à ponderação dos interesses juridicamente relevantes e onde o professor Freitas do Amaral se refere, mais especificamente, à ponderação de interesses públicos secundários e interesses privados legítimos, normalmente associada à fase instrutória do procedimento administrativo, e a vertente negativa, que nos mostra que a Administração Pública não pode ponderar outros interesses para além dos considerados juridicamente relevantes. A vertente negativa deve ser aplicada em qualquer momento do procedimento administrativo e possui um regime próprio de aplicação, correspondente aos artigos 69º e seguintes do CPA.
Analisando mais concretamente o regime dos artigos 69º e seguintes do CPA, o artigo 69º começa por nos indicar casos de impedimentos. Nestes casos, não existe qualquer tipo de ponderação, visto que os impedimentos apresentados são de enumeração taxativa, devendo, por isso, excluir-se qualquer tentativa de interpretação extensiva. É reconhecido um dever jurídico ao agente/órgão administrativo de comunicar ao superior hierárquico ou ao órgão colegial do qual faz parte sempre que se considere impedido. Depois, o próximo passo passa pela aplicação do artigo 70º CPA.
As consequências da verificação de uma das situações enunciadas são a anulação do ato praticado (artigo 76º/1 CPA, aliado ao número 2) e a obrigatória a substituição do órgão/agente administrativo que tomou a decisão por outro, considerado competente e imparcial[3].
Na resolução de casos concretos, na possibilidade de não se concluir efetivamente a aplicação do artigo 69º CPA, estamos então perante uma situação de escusa ou suspeição, que nos remete para o regime do artigo 73º CPA. Ao contrário do artigo 69º, a enumeração feita no artigo referido é meramente exemplificativa, nomeadamente quando o número 1 se refere à “circunstância pela qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da sua (da Administração Pública) conduta ou decisão”. Podemos concluir por enquanto, de forma muito simplificada, que o artigo 73º nos apresenta um conjunto de conceitos indeterminados.
Uma referência pertinente a fazer relativamente ao princípio da imparcialidade será também a sua diferença relativamente ao desvio de poder público para interesse privado. De salientar que nem toda a violação do princípio da imparcialidade leva ao desvio de interesse público para interesse privado, mas todo o desvio de interesse leva à violação do princípio da imparcialidade. Pode ocorrer um desvio de finalidade, quando o órgão administrativo prossegue um fim público, mas não o fim público efetivamente previsto. Nestes casos, estamos perante casos de anulabilidade do artigo 163º CPA.
O desvio de poder consiste na prática de um ato administrativo com motivo determinante num interesse privado, mas é necessário demonstrar que de facto ocorre, e que de facto foi esse o motivo determinante. Em sede de Direito Penal estaríamos perante casos de corrupção, mas em sede de Direito Administrativo a consequência prende-se com a nulidade do artigo 161º/2/e CPA. O Princípio da Imparcialidade, mais especificamente o regime de impedimentos, não necessita de qualquer tipo de demonstração e a sua consequência será então a anulabilidade.
O Princípio da Imparcialidade também não é considerado um corolário do Princípio da Justiça, mas sim uma forma de garantir a proteção da confiança dos cidadãos, visto que, a intervenção num procedimento em que a lei proíbe o órgão ou agente de o fazer não significa necessariamente que vá tomar uma decisão imparcial.[4]
Feitas as considerações iniciais sobre o regime do Princípio da Imparcialidade, será relevante abordar mais concretamente o problema do artigo 73º/1/d recorrendo ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul nº 274/17.8BELSB.
Apresentada a Recorrente (Fernanda) e o Recorrido (Hospital Professor Doutor …………….., E.P.E.), a Recorrente pede a condenação do Recorrido a deferir o “pedido de suspeição do júri do concurso” relativamente ao preenchimento de vagas para assistente hospitalar sénior de medicina interna, assim como a suspender o concurso até à nomeação de novo júri (substituição de todos os membros).
Em causa está o preenchimento dos requisitos do artigo 73º/1/d CPA.
Os argumentos apresentados pela Recorrente no sentido de violação do princípio da imparcialidade passam, em primeiro lugar, por demonstrar o favorecimento do oponente no concurso em causa (Dr. José). Após provada a existência de camaradagem profissional entre o oponente e o respetivo júri do concurso, assim como o tratamento recíproco pelo pronome “tu”, estaríamos perante provas suficientes para um caso de suspeição do artigo 73º CPA, tendo em conta a “exigência de seriedade e honestidade nos atos de recrutamento”. Para além disso, a Recorrente admite ter constatado elogios aos currículos dos seus oponentes, assim como atribuição de valores máximos na estimativa curricular dos mesmos, sem qualquer tipo de fundamentação do porquê desta valoração máxima.
De uma forma sumária, a Recorrente considerou que a provada camaradagem profissional seria suficiente para o preenchimento do artigo 73º/1/d CPA.
Em sentido contrário admite a conclusão da Sentença Recorrida e o acórdão em análise. O Tribunal Central Administrativo do Sul admite que a interpretação feita pela Recorrente seria incorreta, não incluindo aqui casos de mera camaradagem profissional.
Ao admitir-se, no entanto, a inclusão de relações de amizade, relações de “visitas de casa” ou até mesmo a rotina de tomarem refeições juntos, é apenas provado que entre os concorrentes e o júri do concurso em questão existe uma relação profissional e de cordialidade, considerada expectável visto pertencerem ao mesmo Núcleo profissional desde 1994, no qual partilhavam funções. Neste sentido, o Recorrido refere ser "normal e expectável que os membros do júri, por força dos seus percursos profissionais, conheçam ou tenham colaborado profissionalmente com algum ou alguns candidatos (e que até se tratem "por tu") sem com isso significar ou colocar em causa a sua imparcialidade como membros do júri em procedimentos concursais".
Neste mesmo sentido é defendido que a provada partilha de funções profissionais não é suficiente para se provar a existência de uma “grande intimidade”, exigível pelo artigo 73º/1/d invocado pela Recorrente. Assim, nada indica que “se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão”, como nos exige o artigo 73º/1 CPA. Embora não sejam exigíveis provas concretas como no artigo 69º CPA, será necessário a apuração de condutas que levantam dúvidas com alguma relevância e não apenas meras indiciações e suspeitas.
Por fim, o tratamento favorável dos concorrentes e consequente desfavorecimento da Recorrente, encontraria eventual fundamento no tratamento menos correto durante a entrevista alegado pela mesma se a causa apresentada para a suspeição fosse a “inimizade” também presente no artigo 73º/1/d. Mas não foi esta a acusação feita pela Recorrente, pelo que este argumento perde a sua força.
A decisão do Acórdão acaba por finalizar concluindo no mesmo sentido da Sentença Recorrida, admitindo não existir qualquer violação ao princípio da imparcialidade no concurso realizado. O júri foi considerado legítimo para intervir.
Bibliografia
PAÇÃO, Jorge, “Apontamentos da aula prática subturma 17”
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo v. II, Coimbra: Almedina, 4ª edição
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral – Introdução e Princípios Fundamentais Tomo I, Dom Quixote
Trabalho realizado por:
Ana Beatriz Alves 2ºano subturma 17
Nº 58463
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