Distinção entre regulamento e lei
Conceito de regulamento
Em primeiro lugar, e antes de passar à distinção em si entre regulamento e lei, cumpre procurar uma definição para regulamento, para um melhor entendimento da distinção em causa e da sua relevância.
Segundo o Professor Marcello Caetano um regulamento é uma “norma jurídica de caráter geral e execução permanente emanada de uma autoridade administrativa sobre matéria própria da sua competência”.
O Professor Freitas do Amaral, define os regulamentos como sendo “as normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei.” O Professor refere, então, que a definição de regulamento pode ser avaliada segundo três elementos: o material, o orgânico e o funcional.
· Do ponto de vista material, o regulamento é uma norma jurídica dada a sua característica de generalidade, que são características das normas jurídicas.
· Do ponto de vista orgânico, o regulamento administrativo é ditado por uma pessoa coletiva pública que faça parte da Administração ou excecionalmente entidades privadas.
· O último elemento, apresentado pelo Professor, é o elemento funcional segundo o qual regulamento é emanado no exercício do poder administrativo.
O Professor João Caupers apresenta também uma definição segundo a qual um regulamento administrativo seria “um conjunto de normas jurídicas editadas por uma autoridade administrativa (um órgão de uma pessoa coletiva pública) no exercício do poder administrativo (ao abrigo de uma faculdade jurídico-pública atribuída por uma norma legal.)”
Distinção
Das definições apresentadas conseguimos perceber a aproximação do regulamento à lei em certos pontos como, e de acordo com o Professor Marcello Caetano: ambas serem normas gerais, impessoais e objetivas; o princípio da igualdade perante a lei é válido para ambas; as regras de interpretação são as mesmas para ambos e ambas são aplicadas pelos tribunais indistintamente. Contudo, mesmo coincidindo nestes pontos, o Professor refere que é claro que “o Direito criado pelo regulamento não possui o mesmo valor que o estatuído na lei: este dir-se-ia de essência superior, mais sólido e mais poderoso do que o Direito regulamentário” e por isso, têm sido apresentados critérios que os permitem distinguir, até porque a distinção tem utilidade prática, tal como refere o Professor Freitas do Amaral, ao nível do fundamento jurídico, da ilegalidade e da impugnação:
· Quanto ao fundamento jurídico porque nos permite perceber que a lei se baseia unicamente na CRP, enquanto que o regulamento para ser válido carece de uma lei de habilitação;
· Relativamente à ilegalidade, esta distinção é também útil pois, permite distinguir qual o tipo de ilegalidade: quanto à lei, uma lei contrária a outra revoga-a ou podem coexistir com âmbitos de aplicação distintos, já um regulamento tem também de respeitar a lei, visto que se contrário a esta é ilegal;
· Por fim, ao analisarmos a distinção percebemos também que a impugnação também varia consoante estejamos a falar de regulamentos ou leis. Quanto à lei, esta só pode ser impugnada com fundamento em inconstitucionalidade, enquanto o regulamento é, em regra, impugnável com fundamento em ilegalidade propriamente dita.
Vários são os critérios apresentados na tentativa de encontrar um segundo o qual se consiga fazer uma distinção rigorosa entre regulamento e lei:
1. Um primeiro critério tem por base a diferença entre princípios e pormenores, segundo este critério e nas palavras do Professor João Caupers que embora não seja este o critério que defendelhe faz referência, “à lei caberia a fixação dos princípios de um certo regime jurídico, ao passo que ao regulamento pertenceria o desenho dos detalhes de tal regime”, este trata-se de um critério que partiu da escola clássica francesa;
2. Um segundo critério, sustentado pelo Professor Marcello Caetano, reporta-se essencialmente ao facto de, embora quer o regulamento quer a lei possuam caráter genérico, ao regulamento falta-lhe a novidade, este não tem, na opinião do Professor, um caráter inovatório, as suas normas são sempre desenvolvimento ou aplicação de outras. Nas palavras do Professor João Caupers que também não sustenta este critério, “o regulamento encarregar-se-ia de aspetos que, tornando mais fácil a aplicação da lei, não eram inovadores relativamente a esta”.
Sendo assim, segundo o Professor Marcello Caetano, é de fácil entendimento que o regulamento deve ser incluído na função executiva, pois é uma atividade de execução das leis.
O Professor refere ainda que, a iniciativa e liberdade do procedimento administrativo poderiam conduzir à discordância entre órgãos e agentes administrativos e por isso mesmo, segundo o Professor, “os órgãos superiores da Administração recebem da lei o poder de auto-disciplinar a sua atuação mediante a elaboração de regulamentos, de modo a garantir maior eficiência administrativa e maior certeza do Direito para os particulares.”, o Professor reforça por fim que têm mesmo de existir regulamentos e não apenas leis pois “há pormenores que só podem ser previstos por quem esteja em contacto com a prática administrativa e com as realidades quotidianas”;
O Professor Freitas do Amaral critica esta solução apresentada pelo Professor Marcello Caetano, dizendo que, os regulamentos independentes “ não se destinam à boa execução das leis já existentes”, diz até que esses, ao contrário do que defendia o Professor Marcello Caetano acerca dos regulamentos no geral, são inovadores, apresentando como exemplo o facto de poderem existir regulamentos diferentes e contraditórios de município para município, no âmbito da Administração autónoma.
3. Um terceiro critério, sustentado pelo Professor João Caupers e pelo Professor Freitas do Amaral, consiste na rejeição de que exista um critério que permite uma distinção material entre lei e regulamento visto que, ambos são normas jurídicas e de acordo com o Professor Freitas do Amaral, “a nossa Constituição não fornece qualquer critério de definição da fronteira material entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar”, reforçando até esta ideia referindo o facto de o Governo, nos termos do 198º /1 a) e do 199º c), ter competências de caráter legislativo mas também regulamentar.
Embora defendam a inexistência de critério de distinção ao nível material, os Professores sustentam que, é contudo possível proceder à distinção nos planos orgânico e formal e assim, segundo o Professor Freitas do Amaral é “lei todo o ato normativo que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma de lei; é regulamento todo o ato normativo dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento, ainda que seja independente ou autónomo e, por conseguinte, inovador.”;
4. Existe ainda o critério apresentado pelos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, segundo o qual, não deve existir confusão entre regulamento e lei pois um traduz o exercício da função administrativa e outro da função legislativa, respetivamente.
De acordo com os Professores, a confusão entre regulamento e lei pode derivar do facto de ambos terem caráter geral, contudo esta confusão deve ser ultrapassada, apresentando os Professores como argumentos, o facto de o 112º/1 da CRP identificar taxativamente as formas de lei, das quais não consta o regulamento e ainda acrescentam que o que caracteriza a lei de um ponto de vista material não é a generalidade e abstração, mas sim o seu caráter político, assim “a distinção substancial entre lei e regulamento é, portanto, decorrente da distinção entre função legislativa e função administrativa: a lei partilha do caráter primário da função legislativa, enquanto o regulamento partilha do caráter secundário da função administrativa, estando por isso subordinado ao princípio da legalidade.”
Concluindo, na minha opinião o critério que mais se adequa à distinção entre lei e regulamento é o sustentado pelos Professores Freitas do Amaral e João Caupers, pois é verdade que do ponto de vista material é difícil alcançar uma distinção rigorosa entre ambos dado o seu critério geral e até mesmo o facto de não conseguirmos encontrar na nossa Constituição nenhuma norma que sustente essa distinção, contudo quando olhamos aos órgãos que as realizam a à forma de cada um conseguimos estabelecer diferenças, sendo esse o melhor critério para os distinguir.
Bibliografia
DIOGO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Volume II. Almedina, 3ª edição, Lisboa, 2006.
JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora, Lisboa, 2009.
MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, D. Quixote, Lisboa - tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais, 3.ª edição, Dom Quixote, 2004.
MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo
Mariana Vaz, subturma 17, nº 58477
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