A Boa Administração

O conceito de Boa Administração já é desde há muito objeto de atenta elaboração doutrinal por parte da doutrina italiana, por alusão ao conceito de bom andamento do procedimento. Com efeito, a referência aos critérios de eficiência, economia e eficácia é influência do artigo 1 nº1 da legge nº241 de 7 de Agosto de 1990 sobre o procedimento administrativo, mas não só. Também a doutrina alemã teve um papel relevante, nomeadamente quando se refere ao “effizienzprinzip” - critério ou exigência da eficiência.

Entre nós, muitos foram os autores que, marcados por referida influência, trataram do tema com especial atenção.
Começando por citar o Professor Rogério Soares, que escreveu anteriormente à consagração do Princípio no Código de Procedimento Administrativo, doravante CPA, o autor defendia a existência de um dever funcional da administração. Isto é, a administração estaria não só obrigada a atuar, mas a atuar de certa maneira: o ordenamento jurídico pretendia que o agente administrativo (através de um puro juízo técnico, uma vez que os fins da atividade lhe são impostos) ao atuar satisfizesse a título modo substancial a necessidade pública em causa. Administrar não seria apenas “propor meios a um determinado fim, mas propor, de certo modo, meios a um fim determinado”
Assim, surge a ideia de melhor meio, meio justo, meio ótimo - ótima administração como sinónimo de boa administração e esta última é remetida pelo legislador para as regras com recurso às quais o agente pode encontrar a conduta ótima.

Contudo, o autor coloca uma questão: poderia resultar que, para atos que se traduzem no exercício de poderes vinculados (em que existe uma remissão puramente mediata, uma vez que no preceito o legislador define a regra de agir do agente), o dever de boa administração se dissolveria, prevalecendo apenas o dever de administração (sendo o legislador o bom administrador), o que faria com que o primeiro se tornasse num valor parcial em face da totalidade da ação administrativa. Porém, como é do conhecimento geral, nenhum ato é totalmente vinculado ou totalmente discricionário. Ou seja, mesmo perante um ato maioritariamente vinculado, existirá sempre algum elemento onde o agente gozará de discricionariedade - e ai se impõe o dever de escolher a solução conveniente, através de regras “não jurídicas” (contidas em preceitos internos, costumes administrativos, ou até na consciência geral da sociedade).

Em suma, no entendimento do Professor, este “dever” de boa administração (que se viria a tornar num princípio consagrado no CPA em 2015), consistia num autêntico dever jurídico de não proceder arbitrariamente, impondo ao agente em cada situação de exercício do poder, uma atenta consideração dos precedentes, das particularidades do caso concreto e do fim de interesse público, pois “só quando ele atua depois de ter tomado na devida conta esses elementos, é que a sua escolha pode ser a única que satisfará cabalmente o interesse público substancial”.

Analisada que está esta posição, cumpre de resto mencionar o facto de o referido dever de boa administração já ter tido consagração, ainda que não total, num preceito anterior (artigo 10.º do CPA de 1991).

Artigo 10.º CPA 1991
Princípio da desburocratização e da eficiência
A Administração pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.

Mais recente, a definição apresentada pelo Professor Freitas do Amaral, é a de que a Boa Administração se traduz no “dever de a Administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível”, estando por isso associada a este dever, a ideia de eficiência da administração. Na mesma medida, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa faz referência a um princípio da boa administração, do mérito ou da eficiência.
De outra forma, o Professor Mário Aroso de Almeida, um dos membros da comissão revisora do CPA, entende a boa administração como “aquela que assegura a eficiente satisfação por parte da administração das necessidades coletivas que a Constituição e a lei põe a seu cargo, sem, para o efeito, atropelar as exigências que, no plano jurídico, lhe são impostas, designadamente para a proteção dos direitos e interesses dos particulares”.

Enquanto Princípio, a Boa Administração encontra consagração no artigo 5.º do CPA.

Artigo 5.º
Princípio da boa administração
1 - A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.

Assim, e seguindo o entendimento da generalidade dos autores, conclui-se que a atividade administrativa deve, teleologicamente, traduzir-se em atos cujo conteúdo seja também inspirado pela necessidade de satisfazer de forma mais eficiente o interesse público constitucional e legalmente fixado.

Resulta ainda do preceito (originando uma falta de unanimidade do mesmo, de acordo com o entendimento do Professor Miguel Assis Raimundo), a integração de três princípios constitucionais: eficiência, aproximação dos serviços das populações e desburocratização.

Neste âmbito, cumpre esclarecer cada um deles. 
Começando pela eficiência, esta define-se pela exigência da otimização dos recursos no atingimento dos fins. Isto é, entre as várias alternativas que conduzem ao mesmo resultado, deve selecionar-se a que implica menores custos na perspetiva económica.
Para além do CPA, também a Constituição portuguesa faz referência a este princípio, num artigo dedicado ao setor público empresarial.

Artigo 81.º
(Incumbências prioritárias do Estado)
Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:
c) Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público.

Quem se tem debruçado atualmente entre nós, na alçada da doutrina italiana, relativamente ao tema da eficiência é o Professor Paulo Otero.
Para o autor, apoiado pelo entendimento do Professor Gomes Canotilho, a consagração constitucional de um Estado de bem-estar determina uma regra obrigatória de eficiência na atividade administrativa. Por conseguinte, a eficiência da administração pública configura-se como um imperativo constitucional.
Prova disto são as inúmeras referências à exigência de eficiência ao longo da Constituição portuguesa:
Ø  No artigo 199 alínea c) encontra-se o poder regulamentar do governo. Apesar de formulada a propósito da atividade administrativa regulamentar do governo, a regra de “boa execução das leis” vincula todos os restantes órgãos da administração, seja na prática de regulamentos, atos ou contratos administrativos.
Ø  Por outro lado, a subordinação da administração aos princípios da justiça, da igualdade e da imparcialidade (artigo 266 nº2) pressupõe uma regra implícita de eficiência administrativa.
O relacionamento entre o princípio da imparcialidade e o princípio da boa administração tem a sua fonte direta no artigo 97 da constituição italiana de 1947, sendo o ponto de partida de diferentes reflexões doutrinárias:
Por um lado, como sublinha o Professor Sérvulo Correia, a prossecução do interesse público segundo critérios de justiça, envolve um dever de satisfação de necessidades coletivas vitais através da repartição ponderada dos meios disponíveis a utilizar no sentido de maximizar as vantagens.
Por outro lado, a sujeição da administração aos princípios da igualdade e da imparcialidade determina um conjunto de regras que, mesmo sem terem em vista primariamente a ideia de boa administração, a título acessório contribuem para uma maior eficiência, economicidade e racionalidade decisória.
Ø  A preocupação constitucional com a eficiência reflete-se também ao nível das regras respeitantes ao procedimento administrativo (artigo 267 nº5 CRP e 56 CPA), uma vez que este está subordinado ao princípio da racionalização dos meios a utilizar pelos serviços.
Na esteira dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, conclui-se que a ideia de racionalização envolve regras de economicidade, simplicidade e prontidão na atividade administrativa. Neste contexto, os princípios da desburocratização e da aproximação dos serviços às populações (artigo 267 nº1) surgem como indicadores de eficiência e celeridade decisória da administração em termos procedimentais.

Deste modo, o autor conclui que a administração de um Estado de Direito democrático envolve, além de pluralismo e de juridicidade, eficiência.


Relativamente à integração dos princípios da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização - dois princípios da organização administrativa de natureza procedimental e substantiva - esta pode ser alvo de crítica. Neste sentido, defende o Professor Vasco Pereira da Silva, que o legislador deveria ter juntado num outro artigo os princípios da organização administrativa, deixando o nº2 do preceito para uma finalidade diferente, a qual será tratada infra.

Por outro lado, cumpre sublinhar com vigor a circunstância de neste preceito introduzido em 2015, o legislador ter deixado explícita a primazia e total autonomia dos critérios de eficiência, economia e celeridade face à aproximação da administração às populações e à desburocratização. Assim, pode conclui-se que este artigo foi construído num sentido oposto ao do artigo 10.º do CPA de 1991, uma vez que este último fazia referência as estes critérios enquanto resultado de uma administração próxima das populações e desburocratizada. 
Portanto, como nos diz o Professor Mário Aroso de Almeida, resultava do preceito que a exigência da eficiência era imposta apenas ao legislador, que tinha de estruturar a Administração de modo a promover a desburocratização e a eficiência do seu funcionamento. Com a nova consagração, esta exigência impõe-se diretamente à própria Administração uma vez que existe um comando geral de sujeição da atividade administrativa a estes três critérios.

Analisado que está o conceito de boa administração, cumpre fazer referência ao facto de este não ser objeto de um consenso generalizado, uma vez que ao contrário de outros princípios, como o da cooperação leal ou o da administração eletrónica, que se reportam a modos e formas de agir da administração, este torna clara uma genérica vinculação a critérios de economia e eficiência, e apresenta-se, pelo menos potencialmente, como um princípio com um âmbito de aplicação normativo de intervenção nitidamente subjetivo.

Seguindo a trilogia problemática proposta pelo Professor Miguel Assis Raimundo, cabe analisar as seguintes questões relativas ao sentido e limites da normatividade deste princípio: diálogo com o direito europeu (e global); boa administração como eficiência face a outros princípios já consagrados (sobretudo, a proporcionalidade); e limites da boa administração como eficiência enquanto parâmetro de controlo da atividade administrativa.


1.      Questão do diálogo com o direito europeu (e global)
Na esteira do Professor Miguel Assim Raimundo, admite-se que existe efetivamente um problema relacionado com a integração da boa administração como eficiência no sistema jurídico europeizado e globalizado, pois a nível europeu é valorizada uma dimensão de boa administração num sentido bastante diferente do constante do artigo 5.º do CPA. De acordo com a visão europeia, “o nosso artigo 5.º é uma espécie de “false friend” no sentido em que, apesar de partilharem o mesmo nome, são princípios perspetivados de formas distintas”.
Este princípio apresentado no direito europeu, e na doutrina jus-europeia surgiu de acordo com a ideia de que a boa administração seria cumprir aquilo a que se está obrigado, tendo mais tarde sido desenvolvido pela soft law, e finalmente consagrado no artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (em diante CDFUE).

Artigo 41.º
Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a. O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;
b. O direito de qualquer pessoa a ter acesso a aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
c. A obrigação, por parte da administração, em fundamentar as suas decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.

Apesar desta consagração, o autor supramencionado tem dúvidas de que alguma vez possa existir um controlo significativo da atuação administrativa com base no preceito.

Como anteriormente referido, o artigo 41.º da CDFUE tem poucos pontos de contacto com o que consta no artigo 5.º do CPA. “Em comum os dois preceitos reúnem sob a mesma designação um conjunto de exigências heterogéneas”. O primeiro apresenta como componentes da boa administração diversos elementos de procedimento devido (imparcialidade, justiça, acesso à informação, dever de fundamentação, responsabilidade da administração por danos), que já gozam entre nós de plena consagração constitucional e/ou legal, com total autonomia face à ideia de eficiência. Esta tendência em construir consensos a partir dos aspetos procedimentais, deve-se à dificuldade, em contextos de relação entre Estados, de obter consensos relativos a parâmetros materiais de atuação. Contudo, o artigo não faz qualquer menção aos critérios de eficiência, economia e eficácia que o legislador nacional acolheu (com exceção à celeridade - direito a um procedimento em prazo razoável) no artigo 5.º do CPA.
Por conseguinte, resultaria que não seria possível invocar o direito europeu como fundamento supralegal da boa administração como eficiência.

De outra forma, esta discrepância teria como consequência reforçar o entendimento de que a boa administração do artigo 5.º do CPA acabaria também por ter uma vinculatividade ou juridicidade limitadas: de acordo com o Professor Mário Aroso de Almeida, o direito europeu teria “optado por afirmar a boa administração como valor jurídico” (onde é feito um controlo de feição formal e procedimental - o que o autor considera redutor). Já o legislador nacional teria conferido um sentido diferente e até oposto do artigo 5.º do CPA (que remete para certos critérios substantivos da ação administrativa, como a eficiência). Contudo, dada a natureza extrajurídica desses critérios, que confinam ou já se enquadram mesmo no mérito, esta tese tem por consequência algumas limitações à suscetibilidade desse princípio servir como parâmetro de controlo jurisdicional da decisão administrativa.

Ainda a propósito do tema em apreço, considera-se de especial interesse referir duas posições opostas: a do Professor Jorge Pereira da Silva que nega de todo a relevância do princípio tal como consagrado no CPA; e a do Professor Mário Aroso de Almeida que admite a sua enorme importância mas circunscreve a eficácia jurídica como parâmetro de controlo jurisdicional. Não obstante, ambos assumem a discrepância entre os conceitos nacionais e europeu de boa administração.

Contudo, de acordo com a visão do Professor Miguel Assis Raimundo, esta assinalada discrepância não constitui um motivo para por em causa a essência do artigo 5.º do CPA. Isto porque:
·         Em primeiro lugar, muito embora o que foi supramencionado, não existem motivos suficientes para admitir que o “direito europeu, do qual a CDFUE é apenas um elemento, possa ser interpretado totalmente à margem da ideia de um controlo substantivo da ação administrativa, e em concreto, da ideia de boa administração como eficiência”.
Prova disto, é o facto a enumeração das concretizações de boa administração constantes do artigo 41.º CDFUE serem meramente exemplificativas, não impedindo o desenvolvimento de novas dimensões, ou até alterações.
Cumpre mencionar também, a circunstância de estarem presentes no artigo referências que apelam a uma perspetiva de controlo substantivo ou material, como o princípio da imparcialidade, ou o direito à fairness da apreciação (que não se reconduz apenas à ideia de procedimento equitativo).
Finalmente, para além da CDFUE, existem outras referências, nomeadamente no direito dos tratados, à boa gestão financeira: artigos 287 nº2 e 317 do Tratado sobre o funcionamento da união europeia; e a uma administração eficaz: artigo 298 nº1 do mesmo tratado; bem como ao nível da jurisprudência.
·         Em segundo lugar, a discrepância existente não constitui, para o autor, um motivo suficiente para afastar a dimensão supralegal do princípio da boa administração como eficiência.
·         Finalmente há uma explicação para as reservas em consagrar claramente nos textos, a nível europeu, um escrutínio tao intenso em matéria de eficiência como o que se verifica nos ordenamentos nacionais.
Seguindo o entendimento do Professor, a boa administração como eficiência tem o papel de tentar conferir maior legitimidade à administração através da sua reputação de boa e diligente gestora dos recursos públicos. Para melhor explicar esta afirmação, o Professor cita uma doutrina norte-americana que considera que a administração está colocada numa posição fiduciária face aos particulares, que lhe entregam os seus recursos para gerir, e nessa medida, tem de estar preparada para esclarecer os seus “comitentes” sobre o que faz com esses recursos e para suportar consequências se o resultado não for adequado.

Utilizando estes três argumentos, o autor sustenta que “não há necessidade de empobrecer o escopo de controlos da legalidade das decisões administrativas de direito nacional devido a um traço de insuficiência que é específico das instituições europeias e que estas também procuram ultrapassar”.

Num sentido distinto, o Professor Vasco Pereira da Silva sustenta que, tendo em conta o direito europeu, e até mesmo global, a visão mais ampla do artigo 41º da CDFUE seria fulcral para concretizar o conceito de due process of law, que é entendido no quadro destes direitos como uma cláusula geral para que o procedimento administrativo seja equitativo e para que as decisões administrativas estejam também submetidas a regras procedimentais claras e que conduzam a uma decisão equitativa. Segundo o Professor, no artigo 5.º do CPA foi adotada uma concessão minimalista daquilo que é a boa administração. Com efeito, não se encontram aqui previstos os valores da confiança, transparência e precaução que têm vindo a ganhar uma importância significativa no âmbito do direito comunitário (Paul Craig). Assim sendo, fará sentido interpretar o artigo 5.º à luz do princípio consagrado na CDFUE e abri-lo (sendo o nº2 do preceito bastante útil para o efeito), introduzindo-lhe designadamente essa dimensão de cláusula última para permitir a introdução de valores e regras no quadro do ordenamento jurídico.
Apesar de a ideia de boa administração ser alvo de muita contestação, designadamente no quadro europeu, por parecer caber neste conceito realidades de mérito, o Professor reitera que este aspeto não deixa de ser positivo, na medida em que o alargamento dos princípios implica o acréscimo do controlo da administração pública, e este acréscimo que ocorre no quadro da discricionariedade, é também ele uma forma de controlo do mérito da decisão, e não apenas da legalidade.

No entanto, não pondo em causa a posição do Professor, entende-se que este conceito não deve ser utilizado em todos os contextos, uma vez que tem um conteúdo próprio: o artigo 5.º é visto de acordo com critérios de economicidade, gestão dos recursos, eficiência na tramitação do procedimento e celeridade na tomada de decisões. Ou seja, é verdade que na CDFUE existe um conceito “macro” de boa administração que inclui outras vertentes que não aquelas que constam do artigo 5.º, mas verdadeiramente, esse conceito “macro” inclui normas que já resultam de outros princípios e regras do CPA, como anteriormente referido (principio da administração aberta e do direito do acesso à informação administrativa, previstos também na constituição e não apenas no CPA).


2.      O problema da autonomia da boa administração como eficiência face a outros princípios já consagrados (sobretudo, a proporcionalidade)
Relativamente a este ponto, expressa-se o receio de que, ao colocar lado a lado princípios como a boa administração e princípios como os da proporcionalidade, igualdade e imparcialidade, isso contribua para degradar a própria força normativa destes últimos.

Desacata-se também a similitude entre a vertente da adequação (do princípio da proporcionalidade) e a eficácia. Porém, a eficiência, não exige, para funcionar como parâmetro de controlo, que haja qualquer lesão de posições jurídicas alheias, ao contrário do princípio da proporcionalidade (na sua vertente mais reconhecível da proibição do excesso).

O Professor expõe uma panóplia de questões específicas às quais o princípio da eficiência visa responder, que não seriam adequadamente solucionadas por outros princípios.
Desta forma, o facto de a generalidade dos princípios ter entre si normais zonas de sobreposição, não leva só por si a defender a falta de autonomia deste princípio, até porque, em última análise, “se se partisse de todos os princípios e se fizesse uma regressão conceptual, todos eles acabariam agrupados na respetiva fonte, que é a ideia de justiça”.


3.      O problema dos limites da boa administração como eficiência enquanto parâmetro de controlo da atividade administrativa
Aqui está em causa como problema maior o problema da separação de poderes, da preservação de uma esfera de decisão administrativa. Esta discussão desenvolve-se em torno da discussão tradicional sobre a juridicidade do dever de boa administração e as consequências que essa plena juridicidade traz consigo.

A generalidade da doutrina defende que a administração está sujeita a um dever de boa administração, que a obriga a encontrar sempre a melhor solução para o interesse público, e esse dever assume natureza jurídica - um “dever jurídico imperfeito resultante da ausência de sanção jurídica” (Professor Luís Cabral Monarca). Mas esta imperfeição não põe em causa o seu caráter jurídico. Com efeito, são elencadas pelos Professores Paulo Otero, Marcelo Rebelo de Sousa, Cabral de Monarca, Freitas do Amaral, e Pacheco de Amorim, uma panóplia de situações que o confirmam: responsabilidade disciplinar do trabalhador ou dirigente; fundamento de impugnações administrativas; etc.
Já os tribunais não poderiam invalidar um ato administrativo por razões que se prendam com a sua falta de eficiência, nem poderiam conceder tutela preventiva (inibitória) contra uma ameaça da prática de um ato “anti-económico” (apesar de o Professor Mário Aroso de Almeida admitir a sua invocação para exigir a adoção em tempo útil de atuações administrativas concretas), ou ainda tutela condenatória. Nestes casos, estar-se-ia a invadir a esfera do mérito, ficando lesada a separação de poderes.
Esta tese afirma a juridicidade mas não a sua justiciabilidade, que ficaria excluída por o dever não comportar uma proteção jurisdicional - a relevância do dever de boa administração é estritamente intra-administratva (Professor Marcelo Rebelo de Sousa).

Neste sentido, o Professor Paulo Otero diz-nos que “a tendencial ausência de mecanismos de controlo jurisdicional tendo por base a ideia de eficiência, constitui a expressão de que a eficiência se move em áreas sujeitas a um princípio de elasticidade de conteúdo da atividade administrativa, isto é, de discricionariedade de decisão por parte da administração”. Para tal, o artigo 199.º alínea d) da Constituição portuguesa, confere ao governo uma posição central na garantia intra-administrativa da eficiência da administração (através de meios indispensáveis como o poder de revogação e de substituição).

Com algumas reservas, o Professor Mário Aroso de Almeida, admite um controlo jurisdicional mínimo de razoabilidade. O autor começa por considerar que o princípio em apreço vincula a administração enquanto norma de ação, mas não enquanto norma de controlo. O motivo deste entendimento prende-se com o facto de este não possuir um sentido negativo (diferentemente dos demais princípios), mas impor pelo contrário um imperativo de conteúdo positivo à administração. Todavia, baseado na distinção entre defensabilidade jurídica (realizada pelos tribunais) e juízo de determinação da medida mais eficiente, o Professor considera que no plano da justiciabilidade, “se justifica que a eficiência da atividade administrativa seja, pelo menos, submetida a um controlo jurisdicional mínimo, que permita censurar decisões arbitrárias sem exigir que se encontre a melhor solução possível”.

Não obstante, conclui-se que hoje em dia se mantem o entendimento tradicional de que o principio da boa administração é um dever objetivo (não confere aos particulares um direito subjetivo à sua invocação).

Em sentido contrário, o Professor Miguel Assis Raimundo:
·         Desde logo porque o argumento de que os autores se socorrem (este princípio não teria capacidade para construir direitos subjetivos dos particulares e dai provém a sua reduzida justiciabilidade) não é suficiente. Isto porque existem uma série de formas de legitimidade processual que não dependem da existência de um direito subjetivo afetado.
·         Na atual metodologia de aplicação do direito, qualquer princípio que seja realmente normativo (e jurídico) tem um tipo de vinculatividade que pode levar à invalidação de atuações que sejam com ele desconformes.
·         Também lhe parece improcedente o argumento de que os critérios da boa administração são extrajurídicos, e por essa via, dado que os tribunais só podem aplicar critérios normativos (jurídicos), não poderia admitir-se o controlo jurisdicional da boa administração. Isto porque, “na aplicação do princípio da eficiência, o critério jurídico-normativo existe: conseguir uma “repartição ponderada” dos meios de modo a conseguir maximizar as vantagens” (Professor Sérvulo Correia), mas o modo de aplicar esse critério necessita do auxílio de outros saberes.

Enfim, considera-se esta última tese como a melhor conseguida, apesar de se frisar a necessidade de invocar este princípio de acordo com o seu conteúdo (como ele esta referido no CPA) - tem que ser demonstrado que existiu uma decisão que, do ponto de vista económico não é uma decisão que passe pelo crivo do princípio ou até que viole o direito à obtenção de uma decisão administrativa em prazo razoável, por exemplo.

Bibliografia:

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Joaquim Gomes Canotilho, José; Moreira, Vital, Constituição República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora.

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Patrícia Ferreira Courelas, Turma B, Subturma 17. 

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