A Boa Administração
O
conceito de Boa Administração já é desde há muito objeto de atenta elaboração
doutrinal por parte da doutrina italiana, por alusão ao conceito de bom andamento do procedimento. Com
efeito, a referência aos critérios de eficiência, economia e eficácia é
influência do artigo 1 nº1 da legge
nº241 de 7 de Agosto de 1990 sobre o procedimento administrativo, mas não só.
Também a doutrina alemã teve um papel relevante, nomeadamente quando se refere
ao “effizienzprinzip” - critério ou exigência da eficiência.
Entre
nós, muitos foram os autores que, marcados por referida influência, trataram do
tema com especial atenção.
Começando
por citar o Professor Rogério Soares, que escreveu anteriormente à consagração
do Princípio no Código de Procedimento Administrativo, doravante CPA, o autor
defendia a existência de um dever funcional da administração. Isto é, a
administração estaria não só obrigada a atuar, mas a atuar de certa maneira: o
ordenamento jurídico pretendia que o agente administrativo (através de um puro
juízo técnico, uma vez que os fins da atividade lhe são impostos) ao atuar
satisfizesse a título modo substancial a necessidade pública em causa.
Administrar não seria apenas “propor meios
a um determinado fim, mas propor, de certo modo, meios a um fim determinado”.
Assim, surge a ideia de melhor meio, meio justo, meio ótimo - ótima
administração como sinónimo de boa administração e esta última é remetida pelo
legislador para as regras com recurso às quais o agente pode encontrar a
conduta ótima.
Contudo,
o autor coloca uma questão: poderia resultar que, para atos que se traduzem no
exercício de poderes vinculados (em que existe uma remissão puramente mediata,
uma vez que no preceito o legislador define a regra de agir do agente), o dever
de boa administração se dissolveria, prevalecendo apenas o dever de
administração (sendo o legislador o bom administrador), o que faria com que
o primeiro se tornasse num valor parcial em face da totalidade da ação
administrativa. Porém, como é do conhecimento geral, nenhum ato é totalmente
vinculado ou totalmente discricionário. Ou seja, mesmo perante um ato
maioritariamente vinculado, existirá sempre algum elemento onde o agente gozará
de discricionariedade - e ai se impõe o dever de escolher a solução
conveniente, através de regras “não jurídicas” (contidas em preceitos internos,
costumes administrativos, ou até na consciência geral da sociedade).
Em
suma, no entendimento do Professor, este “dever” de boa administração (que se
viria a tornar num princípio consagrado no CPA em 2015), consistia num
autêntico dever jurídico de não proceder arbitrariamente, impondo ao agente em
cada situação de exercício do poder, uma atenta consideração dos precedentes,
das particularidades do caso concreto e do fim de interesse público, pois “só quando ele atua depois de ter tomado na
devida conta esses elementos, é que a sua escolha pode ser a única que
satisfará cabalmente o interesse público substancial”.
Analisada
que está esta posição, cumpre de resto mencionar o facto de o referido dever de
boa administração já ter tido consagração, ainda que não total, num preceito
anterior (artigo 10.º do CPA de 1991).
Artigo 10.º CPA 1991
Princípio da desburocratização e da
eficiência
A
Administração pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das
populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a
economia e a eficiência das suas decisões.
Mais
recente, a definição apresentada pelo Professor Freitas do Amaral, é a de que a
Boa Administração se traduz no “dever de
a Administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível”,
estando por isso associada a este dever, a ideia de eficiência da administração.
Na mesma medida, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa faz referência a um
princípio da boa administração, do mérito ou da eficiência.
De
outra forma, o Professor Mário Aroso de Almeida, um dos membros da comissão
revisora do CPA, entende a boa administração como “aquela que assegura a eficiente satisfação por parte da administração
das necessidades coletivas que a Constituição e a lei põe a seu cargo, sem,
para o efeito, atropelar as exigências que, no plano jurídico, lhe são
impostas, designadamente para a proteção dos direitos e interesses dos
particulares”.
Enquanto
Princípio, a Boa Administração encontra consagração no artigo 5.º do CPA.
Artigo 5.º
Princípio da boa administração
Princípio da boa administração
1 - A Administração Pública deve
pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.
Assim,
e seguindo o entendimento da generalidade dos autores, conclui-se que a
atividade administrativa deve, teleologicamente, traduzir-se em atos cujo
conteúdo seja também inspirado pela necessidade de satisfazer de forma mais
eficiente o interesse público constitucional e legalmente fixado.
Resulta
ainda do preceito (originando uma falta de unanimidade do mesmo, de acordo com
o entendimento do Professor Miguel Assis Raimundo), a integração de três
princípios constitucionais: eficiência, aproximação dos serviços das populações
e desburocratização.
Neste
âmbito, cumpre esclarecer cada um deles.
Começando pela eficiência, esta define-se pela exigência da otimização dos
recursos no atingimento dos fins. Isto é, entre as várias alternativas que
conduzem ao mesmo resultado, deve selecionar-se a que implica menores custos na
perspetiva económica.
Para
além do CPA, também a Constituição portuguesa faz referência a este princípio,
num artigo dedicado ao setor público empresarial.
Artigo
81.º
(Incumbências
prioritárias do Estado)
Incumbe prioritariamente ao Estado
no âmbito económico e social:
c) Assegurar a plena utilização das
forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público.
Quem
se tem debruçado atualmente entre nós, na alçada da doutrina italiana,
relativamente ao tema da eficiência é o Professor Paulo Otero.
Para
o autor, apoiado pelo entendimento do Professor Gomes Canotilho, a consagração
constitucional de um Estado de bem-estar determina uma regra obrigatória de
eficiência na atividade administrativa. Por conseguinte, a eficiência da
administração pública configura-se como um imperativo constitucional.
Prova
disto são as inúmeras referências à exigência de eficiência ao longo da
Constituição portuguesa:
Ø No
artigo 199 alínea c) encontra-se o poder regulamentar do governo. Apesar de
formulada a propósito da atividade administrativa regulamentar do governo, a
regra de “boa execução das leis” vincula todos os restantes órgãos da
administração, seja na prática de regulamentos, atos ou contratos
administrativos.
Ø Por
outro lado, a subordinação da administração aos princípios da justiça,
da igualdade e da imparcialidade (artigo 266 nº2) pressupõe uma
regra implícita de eficiência administrativa.
O
relacionamento entre o princípio da imparcialidade e o princípio da boa
administração tem a sua fonte direta no artigo 97 da constituição italiana de
1947, sendo o ponto de partida de diferentes reflexões doutrinárias:
Por
um lado, como sublinha o Professor Sérvulo Correia, a prossecução do interesse
público segundo critérios de justiça, envolve um dever de satisfação de
necessidades coletivas vitais através da repartição ponderada dos meios
disponíveis a utilizar no sentido de maximizar as vantagens.
Por
outro lado, a sujeição da administração aos princípios da igualdade e da
imparcialidade determina um conjunto de regras que, mesmo sem terem em
vista primariamente a ideia de boa administração, a título acessório contribuem
para uma maior eficiência, economicidade e racionalidade decisória.
Ø A
preocupação constitucional com a eficiência reflete-se também ao nível das
regras respeitantes ao procedimento administrativo (artigo 267 nº5 CRP e
56 CPA), uma vez que este está subordinado ao princípio da racionalização
dos meios a utilizar pelos serviços.
Na
esteira dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, conclui-se que a ideia
de racionalização envolve regras de economicidade, simplicidade e prontidão na
atividade administrativa. Neste contexto, os princípios da desburocratização e
da aproximação dos serviços às populações (artigo 267 nº1) surgem como
indicadores de eficiência e celeridade decisória da administração em termos
procedimentais.
Deste
modo, o autor conclui que a administração de um Estado de Direito democrático
envolve, além de pluralismo e de juridicidade, eficiência.
Relativamente
à integração dos princípios da
aproximação dos serviços das populações e da desburocratização - dois princípios da organização administrativa
de natureza procedimental e substantiva - esta pode ser alvo de crítica. Neste sentido,
defende o Professor Vasco Pereira da Silva, que o legislador deveria ter
juntado num outro artigo os princípios da organização administrativa, deixando
o nº2 do preceito para uma finalidade diferente, a qual será tratada infra.
Por
outro lado, cumpre sublinhar com vigor a circunstância de neste preceito
introduzido em 2015, o legislador ter deixado explícita a primazia e total
autonomia dos critérios de eficiência, economia e celeridade face à aproximação
da administração às populações e à desburocratização. Assim, pode conclui-se
que este artigo foi construído num sentido oposto ao do artigo 10.º do CPA de
1991, uma vez que este último fazia referência as estes critérios enquanto
resultado de uma administração próxima das populações e desburocratizada.
Portanto, como nos diz o Professor Mário Aroso de Almeida, resultava do
preceito que a exigência da eficiência era imposta apenas ao legislador, que
tinha de estruturar a Administração de modo a promover a desburocratização e a
eficiência do seu funcionamento. Com a nova consagração, esta exigência
impõe-se diretamente à própria Administração uma vez que existe um comando
geral de sujeição da atividade administrativa a estes três critérios.
Analisado
que está o conceito de boa administração, cumpre fazer referência ao facto de
este não ser objeto de um consenso generalizado, uma vez que ao contrário de
outros princípios, como o da cooperação leal ou o da administração eletrónica,
que se reportam a modos e formas de agir da administração, este torna clara uma
genérica vinculação a critérios de economia e eficiência, e apresenta-se, pelo
menos potencialmente, como um princípio com um âmbito de aplicação normativo de
intervenção nitidamente subjetivo.
Seguindo
a trilogia problemática proposta pelo Professor Miguel Assis Raimundo, cabe
analisar as seguintes questões relativas ao sentido e limites da normatividade
deste princípio: diálogo com o direito
europeu (e global); boa
administração como eficiência face a outros princípios já consagrados
(sobretudo, a proporcionalidade); e limites
da boa administração como eficiência enquanto parâmetro de controlo da
atividade administrativa.
1.
Questão
do diálogo com o direito europeu (e global)
Na
esteira do Professor Miguel Assim Raimundo, admite-se que existe efetivamente um
problema relacionado com a integração da boa administração como eficiência no sistema jurídico europeizado e globalizado, pois
a nível europeu é valorizada uma dimensão de boa administração num sentido
bastante diferente do constante do artigo 5.º do CPA. De acordo com a visão
europeia, “o nosso artigo 5.º é uma
espécie de “false friend” no sentido em que, apesar de partilharem o mesmo
nome, são princípios perspetivados de formas distintas”.
Este
princípio apresentado no direito europeu, e na doutrina jus-europeia surgiu de
acordo com a ideia de que a boa administração seria cumprir aquilo a que se
está obrigado, tendo mais tarde sido desenvolvido pela soft law, e finalmente consagrado
no artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (em diante
CDFUE).
Artigo
41.º
Direito
a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a
que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União
de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende,
nomeadamente:
a. O direito de qualquer pessoa a
ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a
afecte desfavoravelmente;
b. O direito de qualquer pessoa a
ter acesso a aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos
interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
c. A obrigação, por parte da
administração, em fundamentar as suas decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à
reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou
pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os
princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a
possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas dos
Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.
Apesar
desta consagração, o autor supramencionado tem dúvidas de que alguma vez possa
existir um controlo significativo da atuação administrativa com base no
preceito.
Como
anteriormente referido, o artigo 41.º da CDFUE tem poucos pontos de contacto
com o que consta no artigo 5.º do CPA. “Em
comum os dois preceitos reúnem sob a mesma designação um conjunto de exigências
heterogéneas”. O primeiro apresenta como componentes da boa administração
diversos elementos de procedimento devido (imparcialidade, justiça, acesso à
informação, dever de fundamentação, responsabilidade da administração por
danos), que já gozam entre nós de plena consagração constitucional e/ou legal,
com total autonomia face à ideia de eficiência. Esta tendência em construir
consensos a partir dos aspetos procedimentais, deve-se à dificuldade, em
contextos de relação entre Estados, de obter consensos relativos a parâmetros
materiais de atuação. Contudo, o artigo não faz qualquer menção aos critérios
de eficiência, economia e eficácia que o legislador nacional acolheu (com
exceção à celeridade - direito a um procedimento em prazo razoável) no artigo
5.º do CPA.
Por
conseguinte, resultaria que não seria possível invocar o direito europeu como
fundamento supralegal da boa administração como eficiência.
De
outra forma, esta discrepância teria como consequência reforçar o entendimento
de que a boa administração do artigo 5.º do CPA acabaria também por ter uma
vinculatividade ou juridicidade limitadas: de acordo com o Professor Mário
Aroso de Almeida, o direito europeu teria “optado
por afirmar a boa administração como valor jurídico” (onde é feito um controlo
de feição formal e procedimental - o que o autor considera
redutor). Já o legislador nacional teria conferido um sentido diferente e até
oposto do artigo 5.º do CPA (que remete para certos critérios substantivos
da ação administrativa, como a eficiência). Contudo, dada a natureza extrajurídica
desses critérios, que confinam ou já se enquadram mesmo no mérito, esta tese
tem por consequência algumas limitações à suscetibilidade desse princípio
servir como parâmetro de controlo jurisdicional da decisão administrativa.
Ainda
a propósito do tema em apreço, considera-se de especial interesse referir duas
posições opostas: a do Professor Jorge Pereira da Silva que nega de todo a
relevância do princípio tal como consagrado no CPA; e a do Professor Mário
Aroso de Almeida que admite a sua enorme importância mas circunscreve a
eficácia jurídica como parâmetro de controlo jurisdicional. Não obstante, ambos
assumem a discrepância entre os conceitos nacionais e europeu de boa administração.
Contudo,
de acordo com a visão do Professor Miguel Assis Raimundo, esta assinalada
discrepância não constitui um motivo para por em causa a essência do artigo 5.º
do CPA. Isto porque:
·
Em primeiro lugar, muito embora o que
foi supramencionado, não existem motivos suficientes para admitir que o “direito europeu, do qual a CDFUE é apenas
um elemento, possa ser interpretado totalmente à margem da ideia de um controlo
substantivo da ação administrativa, e
em concreto, da ideia de boa administração como eficiência”.
Prova
disto, é o facto a enumeração das concretizações de boa administração
constantes do artigo 41.º CDFUE serem meramente exemplificativas, não impedindo
o desenvolvimento de novas dimensões, ou até alterações.
Cumpre
mencionar também, a circunstância de estarem presentes no artigo referências
que apelam a uma perspetiva de controlo substantivo ou material, como o
princípio da imparcialidade, ou o direito à fairness
da apreciação (que não se reconduz apenas à ideia de procedimento equitativo).
Finalmente,
para além da CDFUE, existem outras referências, nomeadamente no direito dos
tratados, à boa gestão financeira: artigos 287 nº2 e 317 do Tratado sobre o
funcionamento da união europeia; e a uma administração eficaz: artigo 298 nº1
do mesmo tratado; bem como ao nível da jurisprudência.
·
Em segundo lugar, a discrepância
existente não constitui, para o autor, um motivo suficiente para afastar a
dimensão supralegal do princípio da boa administração como eficiência.
·
Finalmente há uma explicação para as
reservas em consagrar claramente nos textos, a nível europeu, um escrutínio tao
intenso em matéria de eficiência como o que se verifica nos ordenamentos
nacionais.
Seguindo
o entendimento do Professor, a boa administração como eficiência tem o papel de
tentar conferir maior legitimidade à administração através da sua reputação de
boa e diligente gestora dos recursos públicos. Para melhor explicar esta
afirmação, o Professor cita uma doutrina norte-americana que considera que a
administração está colocada numa posição fiduciária face aos particulares, que
lhe entregam os seus recursos para gerir, e nessa medida, tem de estar
preparada para esclarecer os seus “comitentes” sobre o que faz com esses
recursos e para suportar consequências se o resultado não for adequado.
Utilizando
estes três argumentos, o autor sustenta que “não há necessidade de empobrecer o escopo de controlos da legalidade
das decisões administrativas de direito nacional devido a um traço de
insuficiência que é específico das instituições europeias e que estas também
procuram ultrapassar”.
Num
sentido distinto, o Professor Vasco Pereira da Silva sustenta que, tendo em
conta o direito europeu, e até mesmo global, a visão mais ampla do artigo 41º
da CDFUE seria fulcral para concretizar o conceito de due process of law, que é
entendido no quadro destes direitos como uma cláusula geral para que o
procedimento administrativo seja equitativo e para que as decisões
administrativas estejam também submetidas a regras procedimentais claras e que
conduzam a uma decisão equitativa. Segundo o Professor, no artigo 5.º do CPA
foi adotada uma concessão minimalista daquilo que é a boa administração. Com
efeito, não se encontram aqui previstos os valores da confiança, transparência
e precaução que têm vindo a ganhar uma importância significativa no âmbito do
direito comunitário (Paul Craig). Assim sendo, fará sentido interpretar o
artigo 5.º à luz do princípio consagrado na CDFUE e abri-lo (sendo o nº2 do
preceito bastante útil para o efeito), introduzindo-lhe designadamente essa
dimensão de cláusula última para permitir a introdução de valores e regras no
quadro do ordenamento jurídico.
Apesar
de a ideia de boa administração ser alvo de muita contestação, designadamente
no quadro europeu, por parecer caber neste conceito realidades de mérito, o
Professor reitera que este aspeto não deixa de ser positivo, na medida em que o
alargamento dos princípios implica o acréscimo do controlo da administração
pública, e este acréscimo que ocorre no quadro da discricionariedade, é também
ele uma forma de controlo do mérito da decisão, e não apenas da legalidade.
No
entanto, não pondo em causa a posição do Professor, entende-se que este
conceito não deve ser utilizado em todos os contextos, uma vez que tem um
conteúdo próprio: o artigo 5.º é visto de acordo com critérios de
economicidade, gestão dos recursos, eficiência na tramitação do procedimento e celeridade
na tomada de decisões. Ou seja, é verdade que na CDFUE existe um conceito
“macro” de boa administração que inclui outras vertentes que não aquelas que
constam do artigo 5.º, mas verdadeiramente, esse conceito “macro” inclui normas
que já resultam de outros princípios e regras do CPA, como anteriormente
referido (principio da administração aberta e do direito do acesso à informação
administrativa, previstos também na constituição e não apenas no CPA).
2.
O
problema da autonomia da boa administração como eficiência face a outros
princípios já consagrados (sobretudo, a proporcionalidade)
Relativamente
a este ponto, expressa-se o receio de que, ao colocar lado a lado princípios
como a boa administração e princípios como os da proporcionalidade, igualdade e
imparcialidade, isso contribua para degradar a própria força normativa destes
últimos.
Desacata-se
também a similitude entre a vertente da adequação (do princípio da
proporcionalidade) e a eficácia. Porém, a eficiência, não exige, para funcionar
como parâmetro de controlo, que haja qualquer lesão de posições jurídicas
alheias, ao contrário do princípio da proporcionalidade (na sua vertente mais
reconhecível da proibição do excesso).
O
Professor expõe uma panóplia de questões específicas às quais o princípio da
eficiência visa responder, que não seriam adequadamente solucionadas por outros
princípios.
Desta
forma, o facto de a generalidade dos princípios ter entre si normais zonas de
sobreposição, não leva só por si a defender a falta de autonomia deste
princípio, até porque, em última análise, “se
se partisse de todos os princípios e se fizesse uma regressão conceptual, todos
eles acabariam agrupados na respetiva fonte, que é a ideia de justiça”.
3.
O
problema dos limites da boa administração como eficiência enquanto parâmetro de
controlo da atividade administrativa
Aqui
está em causa como problema maior o problema da separação de poderes, da preservação
de uma esfera de decisão administrativa. Esta discussão desenvolve-se em torno
da discussão tradicional sobre a juridicidade do dever de boa administração e
as consequências que essa plena juridicidade traz consigo.
A
generalidade da doutrina defende que a administração está sujeita a um dever de
boa administração, que a obriga a encontrar sempre a melhor solução para o
interesse público, e esse dever assume natureza jurídica - um “dever jurídico imperfeito resultante da
ausência de sanção jurídica” (Professor Luís Cabral Monarca). Mas esta
imperfeição não põe em causa o seu caráter jurídico. Com efeito, são elencadas
pelos Professores Paulo Otero, Marcelo Rebelo de Sousa, Cabral de Monarca,
Freitas do Amaral, e Pacheco de Amorim, uma panóplia de situações que o
confirmam: responsabilidade disciplinar do trabalhador ou dirigente; fundamento
de impugnações administrativas; etc.
Já
os tribunais não poderiam invalidar um ato administrativo por razões que se
prendam com a sua falta de eficiência, nem poderiam conceder tutela preventiva
(inibitória) contra uma ameaça da prática de um ato “anti-económico” (apesar de
o Professor Mário Aroso de Almeida admitir a sua invocação para exigir a adoção
em tempo útil de atuações administrativas concretas), ou ainda tutela
condenatória. Nestes casos, estar-se-ia a invadir a esfera do mérito, ficando
lesada a separação de poderes.
Esta
tese afirma a juridicidade mas não a sua justiciabilidade, que ficaria excluída
por o dever não comportar uma proteção jurisdicional - a relevância do dever de
boa administração é estritamente intra-administratva (Professor Marcelo Rebelo
de Sousa).
Neste
sentido, o Professor Paulo Otero diz-nos que “a tendencial ausência de mecanismos de controlo jurisdicional tendo por
base a ideia de eficiência, constitui a expressão de que a eficiência se move
em áreas sujeitas a um princípio de elasticidade de conteúdo da atividade
administrativa, isto é, de discricionariedade de decisão por parte da
administração”. Para tal, o artigo 199.º alínea d) da Constituição
portuguesa, confere ao governo uma posição central na garantia
intra-administrativa da eficiência da administração (através de meios
indispensáveis como o poder de revogação e de substituição).
Com
algumas reservas, o Professor Mário Aroso de Almeida, admite um controlo
jurisdicional mínimo de razoabilidade. O autor começa por considerar que o
princípio em apreço vincula a administração enquanto norma de ação, mas não enquanto
norma de controlo. O motivo deste entendimento prende-se com o facto de este não
possuir um sentido negativo (diferentemente dos demais princípios), mas impor
pelo contrário um imperativo de conteúdo positivo à administração. Todavia, baseado
na distinção entre defensabilidade jurídica (realizada pelos tribunais) e juízo
de determinação da medida mais eficiente, o Professor considera que no plano da
justiciabilidade, “se justifica que a eficiência
da atividade administrativa seja, pelo menos, submetida a um controlo
jurisdicional mínimo, que permita censurar decisões arbitrárias sem exigir que
se encontre a melhor solução possível”.
Não
obstante, conclui-se que hoje em dia se mantem o entendimento tradicional de
que o principio da boa administração é um dever objetivo (não confere aos
particulares um direito subjetivo à sua invocação).
Em
sentido contrário, o Professor Miguel Assis Raimundo:
·
Desde logo porque o argumento de que os
autores se socorrem (este princípio não teria capacidade para construir
direitos subjetivos dos particulares e dai provém a sua reduzida
justiciabilidade) não é suficiente. Isto porque existem uma série de formas de
legitimidade processual que não dependem da existência de um direito subjetivo
afetado.
·
Na atual metodologia de aplicação do
direito, qualquer princípio que seja realmente normativo (e jurídico) tem um
tipo de vinculatividade que pode levar à invalidação de atuações que sejam com
ele desconformes.
·
Também lhe parece improcedente o argumento
de que os critérios da boa administração são extrajurídicos, e por essa via,
dado que os tribunais só podem aplicar critérios normativos (jurídicos), não
poderia admitir-se o controlo jurisdicional da boa administração. Isto porque, “na aplicação do princípio da eficiência, o
critério jurídico-normativo existe: conseguir uma “repartição ponderada” dos
meios de modo a conseguir maximizar as vantagens” (Professor Sérvulo
Correia), mas o modo de aplicar esse critério necessita do auxílio de outros
saberes.
Enfim,
considera-se esta última tese como a melhor conseguida, apesar de se frisar a
necessidade de invocar este princípio de acordo com o seu conteúdo (como ele
esta referido no CPA) - tem que ser demonstrado que existiu uma decisão que, do
ponto de vista económico não é uma decisão que passe pelo crivo do princípio ou
até que viole o direito à obtenção de uma decisão administrativa em prazo razoável,
por exemplo.
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Patrícia Ferreira Courelas, Turma B, Subturma 17.
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