Análise do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-03-2015:
O
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-03-2015, processo 24/14.1YFLSB,
apresenta-nos uma série de questões, nomeadamente, sobre o princípio da
legalidade e discricionariedade.
Breve resumo da problemática apresentada
no acórdão:
O acórdão centra-se
no ato de nomeação dos presidentes de comarca pelo Conselho Superior da
Magistratura, no qual um Juiz requer que a deliberação seja declarada inválida.
Uma vez que, considera que o Conselho Superior da Magistratura(doravante CSM) ignorou
os critérios a que se encontrava vinculado, não só no ato de nomeação, cujos
critérios se encontravam no artigo 92º nº2 da Lei 62/2013, mas também pelo aviso nº4/2013 emitido. Solicitando a invalidade das deliberações por
violação dos princípios da igualdade, legalidade, imparcialidade e boa-fé.
De forma a
facilitar a análise, consideram-se as questões mais pertinentes levantadas pelo
STJ:
1.
“Da
natureza do ato de nomeação dos juízes presidentes dos tribunais das comarcas
da Lei de Organização do Sistema Judiciário.”
O acórdão apresenta-nos
uma decisão que advém de um ato discricionário da Administração, relativo à Lei
da Organização do Sistema judiciário, nomeadamente, quanto ao ato de nomeação
dos presidentes da comarca. Cabe então proceder a avaliação do artigo 92º da
Lei 62/2013:
“Artigo 92.º
Juiz presidente
1 - Em cada tribunal de comarca existe um presidente.
2 - O presidente do tribunal é nomeado, por escolha, pelo Conselho
Superior da Magistratura, em comissão de serviço, pelo período de três anos, e
sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, de entre juízes que cumpram os
seguintes requisitos:
a) Exerçam funções efetivas como juízes desembargadores e possuam
classificação de Muito bom em anterior classificação de serviço; ou
b) Exerçam funções efetivas como juízes de direito, possuam 15 anos de
serviço nos tribunais e última classificação de serviço de Muito bom.
3 - A comissão de serviço pode não dar lugar à abertura de vaga e pode
ser cessada a qualquer momento, mediante deliberação fundamentada do Conselho
Superior da Magistratura.”
Os critérios
que se dizem violados são os que constam nas alíneas do nº2, que os candidatos
devem completar para que sejam nomeados. Estes não se podem considerar
totalmente vinculativos, estando assim sujeitos ao poder discricionário. No
entanto, nem toda a doutrina entende o poder discricionário de igual modo. Primeiro,
é importante salientar que embora alguns autores considerem que a
discricionariedade surge como uma das exceções ao princípio da legalidade, esta
opinião tem sido sucessivamente abandonada, nomeadamente, porque se considera
que discricionariedade não é sinónimo de liberdade. Contudo, para se
compreender o porquê de alguma doutrina o considerar ou ter considerado, tem
que se recorrer ao período liberal onde segundo o Professor Vasco Pereira da
Silva vigorava uma administração “agressiva”. Onde a filosofia jurídica era de uma
administração que atuava numa lógica de polícia, o que não se encontrava
regulamentado por lei, ou seja, o que não se encontrava sob o princípio da
legalidade cabia à administração intervir e utilizar a sua liberdade para
formular o não legislado. Assim, se percebe a afirmação de Marcello Caetano ao
considerar que a liberdade é um poder discricionário e, por isso, é uma exceção
ao princípio da legalidade. Esta teorização é refutada por Marcelo Rebelo de
Sousa e Freitas Amaral e também pelo Professor Vasco Pereira da Silva[1],
que considera que as escolhas nunca são livres estão sempre sujeitas às regras
da administração.
Por este
motivo, a discricionariedade já não se pode entender como uma liberdade, está
sempre sujeita a parâmetros de decisão que acabam por funcionar como um
controlo, encontrando-se sempre vinculada ao ordenamento. O que é extremamente
percetível, pois, se fosse completamente livre não haveria lugar a este
julgamento, a administração estaria isenta de responsabilidades face às suas
decisões e escolhas. Assumindo a opinião
de que se recusa “… que a discricionariedade seria uma liberdade essencial da
Administração que só caducava onde a lei lhe ocupasse o terreno.”[2]
Analisando agora a posição de Marcelo Rebelo
de Sousa, para este existe uma Margem de livre decisão administrativa que “…
consiste num espaço de liberdade de atuação administrativa conferido por lei…”[3]
e é dentro desta que se encontram duas formas: a discricionariedade e a margem
de livre apreciação. A discricionariedade é uma liberdade de escolha entre
diversas formas de atuação dadas pela lei. Detetando-se através da interpretação normativa da
estatuição das normas jurídicas; onde há conceitos que ajudam a perceber
perante que tipo de discricionariedade nos encontramos, existindo assim, uma
necessidade de recorrer aos argumentos sistemáticos e teleológicos para se
apurar o alcance normativo. Neste caso temos a conjunção “ou” o que nos indica
que estamos perante uma discricionariedade de escolha. Já a Margem de
livre apreciação é a atribuição pela lei à administração de uma liberdade de avaliação
das situações de facto que dizem respeito aos pressupostos das suas decisões
devido à utilização de conceitos indeterminados (diferentemente da
discricionariedade que é uma liberdade de escolha entre várias alternativas).
Podendo
considerar-se que é de entendimento geral que apesar de ser um ato
discricionário a administração pública encontra-se sempre vinculada por 2
elementos legais a competência e o fim[4].
Tal como que não basta que esses elementos estejam preenchidos, obriga ainda a
administração a ter em conta outros parâmetros e fatores como os princípios.
No entanto, a
forma como a doutrina avalia os atos é diferente. Para Freitas Amaral deve
perceber-se em que medida são vinculativos ou discricionários. Fundamenta-se,
no fundo, quando a lei dá à administração a faculdade de escolher entre várias
opções, estando neste caso no poder da administração a discricionariedade de
escolha, pois o CSM pode escolher um candidato que se insira na alínea a) ou um
candidato que se insira antes na alínea b), em detrimento da a). No entanto, será esta discricionariedade de
escolha livre desde que seja conforme ao fim? Afonso Queiró entende que sim, o
poder discricionário é liberdade dada à administração. Contudo, esta ideia tem
sido abandonada como dito anteriormente, porque se assim fosse, seria uma
exceção ao princípio da legalidade, mas a administração pública está sempre
obrigada/vinculada pela competência e fim, tal como condicionada pelos princípios
vinculativos da administração publica o que é percetível pela avaliação que se
irá fazer de seguida quanto ao respeito pelos mesmos neste ato administrativo.
Reiterando a posição de Viera de Andrade e Freitas Amaral de que a
discricionariedade opera para que se adote a melhor solução, mas não sendo
completamente arbitrária ou livre. Assim, tal como afirmado no acórdão “o CSM é
livre na escolha da pessoa que entende mais qualificada ao exercício do cargo,
considerando o interesse público que deve presidir a tal nomeação; trata-se
pois de um acto discricionário…” mas respeitando sempre os princípios do
ordenamento, não bastando que se alcance o fim exigido.
2. “Do
procedimento seguido pelo Conselho Superior da Magistratura para a nomeação dos
presidentes dos tribunais das comarcas da Lei de Organização do Sistema
Judiciário (em especial no que envolve o recorrente) e dos actos que o antecederam.”
a. “Da (alegada) violação do princípio da autovinculação
administrativa.”
A questão que
se concentra aqui é o facto de se terem nomeado os Juízes Presidentes sem ter
em conta os critérios que o aviso nº4/2013 indica, sendo que segundo o recorrente
este aviso autovincula o CSM, e por isso ao não segui-lo viola os princípios
que o CSM tinha dado como orientadores. “O CSM erigira, como critérios de
escolha, a categoria profissional; a classificação de serviço, a antiguidade,
comparação curricular entre os candidatos, comparação entre as qualidades
reunidas por cada candidato para o exercício do cargo e, finalmente, uma
comparação entre as explicitações de cada candidato relativamente ao modo como
se propunha exercer funções.” No entanto, o STJ considera que “Da análise dos
autos, nomeadamente dos documentos deles constantes, não se vê que o CSM se
tenha autovinculado ao que quer que fosse, largando mão dos poderes integrantes
da sua discricionariedade.”.
Primeiramente
é importante classificar o aviso, o aviso é um ato jurídico que se pratica à
luz de uma norma jurídica neste caso, referente à lei 92/2013 quanto ao
procedimento de nomeação dos presidentes das comarcas.
Partindo então
à análise do que acarreta a autovinculação à luz da doutrina dominante. Para
Marcelo Rebelo de Sousa a autovinculação é a fixação pela administração de
determinados critérios para que esta exerça a sua decisão. Embora, se possa
considerar que estamos perante um ato discricionário como dito anteriormente,
nenhum ato é completamente discricionário está sujeito a limites. Podendo, segundo
Freitas Amaral, ser limites legais ou limites que decorram da autovinculação.
Os limites legais são os que resultam da própria lei (neste caso, em especial a
lei 62/2013), em que se estabelece limites variáveis e os princípios relativos ao
exercício da atividade administrativa art.º 266/1 CRP. Os limites
autovinculativos, são os que a própria administração cria, podendo exercê-los
de duas formas: singularmente de caso a caso, em cada um adota a solução mais
ajustada; Ou, através, de uma previsão do que poderá vir a acontecer,
elaborando normas genéricas onde se enuncie os critérios a que ela própria terá
que obedecer. Onde aparentemente se enquadra o aviso emitido pelo CSM, pois
estas normas genéricas podem ter a natureza de regulamentos externos ou normas
internas, mas demonstra sempre a forma como irá agir. Garantido o princípio da
igualdade de tratamento dos particulares, tal como, uma expetativa de atuação.
O CSM ao emitir
um aviso subentende-se que pretendia autovincular-se, estando, assim, obrigado
a cumprir. Apesar de vinculativo, não fica absolutamente impedido de alterar o
critério desde que o fundamente, já que o interesse público é variável, tal
como consta do artigo 124º/1-d CPA. No
entanto, o tribunal rejeita que o CSM se quisesse vincular, não tendo lugar por
tanto nenhuma ilegalidade para que este se possa pronunciar. Não se percebe porque razões considera o
tribunal que o aviso não vincula, uma vez que havia uma lei que lhe concedia discricionariedade
e, posteriormente, se emite um aviso cujo conteúdo pelo percetível com o
acórdão densifica os critérios de escolha. Pois, se o aviso não foi emitido com
o objetivo de limitar a escolha, então porque se emitiu? Por que razão o CSM
criou um aviso especial e que densifica o artigo 92º da LOSJ?
Não esquecendo
que ao afastar ou desaplicar este aviso, estaríamos perante o princípio da
legalidade na vertente da preferência de lei, quer isto dizer que havendo um
aviso de um lado e discricionariedade do outro, se irá sempre preferir uma
atuação de acordo com a lei, ou seja, de acordo com o aviso. Para o seu
afastamento teria que haver uma justificação materialmente válida. Uma vez que,
cria uma situação de confiança nos particulares de que o aviso será tido em
conta nas escolhas dos presidentes. Por isso, afirma o recorrente[5]
que houve violação do princípio da boa-fé, nomeadamente, da expetativa criada
na forma como o procedimento se iria realizar e quais os critérios serviriam de
base para a escolha. O princípio da boa-fé neste caso está interligado com a
ideia de proteção da confiança, mas para o confirmar temos que atender aos
pressupostos jurídicos[6]:
existir uma atuação de um sujeito de direito que crie confiança; uma situação de confiança justificada na
atuação, ou seja, neste caso de que os critérios do aviso seriam adotados para
efetuar a nomeação; investimento de confiança, o CSM omitiu que não teria na
base os critérios do aviso; um nexo de causalidade; uma frustração da confiança
por parte de quem a criou, ou seja, por parte do CSM, o que se verifica quando
se afastam esses critérios. Contudo considera o STJ que “Não pode falar-se em
violação da confiança ou frustração de expectativa no Recorrente, já que se não
prova nenhum comportamento da parte do CSM lha houvesse criado nesse sentido,
pelo que não há matéria de facto que possa seriamente densificar tais
princípios, emergentes da boa fé, que enforma a ordem jurídica actual.”. No
entanto, considero que o facto de se emitir um aviso pelo próprio CSM e este
tendo a faculdade de o afastar, não o fazendo criou na mesma uma expetativa na
atuação do CSM baseada nos critérios definidos no aviso.
Tal como
retirado do acórdão “A Secção do contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça
não pode entrar no mérito do acto do órgão Administrativo, mas apenas
pronunciar-se sobre a legalidade dos critérios normativos que ao mesmo
conduziram. Ficam a salvo o erro manifesto de apreciação, desvio de poder e
incompetência.”. É então oportuno perceber como se exerce o controlo do poder
discricionário e como pode um particular impugnar uma decisão que considere
lesiva. Há várias modalidades de controlo, de forma a compreender o porquê de o
recorrente ter recorrido ao tribunal temos que entender quais seriam as
alternativas disponíveis. Como dito anteriormente a atuação discricionária não
é livre, logo é necessário que exista controlo, sendo que este controlo pode
ser realizado através[7]:
·
Controlos de legalidade- para averiguar se a lei
foi respeitada;
·
Controlos de mérito- independente da legalidade
se a decisão foi correta e socialmente oportuna;
·
Controlos administrativos- que são realizados
pelos órgãos da Administração;
·
Controlos Jurisdicionais- realizados pelos tribunais.
Assim, estamos
perante um controlo jurisdicional e um controlo de legalidade, pois o controlo
de mérito encontra-se vedado aos tribunais.
Deste modo, segundo o artigo 266º nº2 da CRP apesar de se ter
considerado que a justiça faz parte do controlo de mérito, ao ser consagrada na
CRP pode constituir uma ilegalidade e por isso ser apreciada à luz do controlo
da legalidade. Deste modo, para se impugnar um ato discricionário basta ter como
fundamento um vício do ato administrativo, como o facto da incompetência do
órgão, inobservância da forma, violação da lei que é o que decorre neste acórdão,
por ofensa aos limites do poder discricionário e ainda erro de facto.
b. “Da (alegada) violação do princípio da igualdade.”
Inicialmente,
no período liberal o princípio da igualdade era aplicado literalmente, sem
olhar às pessoas, aplicava-se uniformemente, era aplicado de forma igual a
todos os cidadãos. Agora, proclamado no artigo 13ºnº1 CRP, é percetível que
igualdade não significa aplicar a lei de forma igual a todas as pessoas.
Constitui, sim, um limite quer aos tribunais quer à Administração Pública.
Encontrando-se também proclamada no artigo 266º nº2 CRP e 5º nº1 CPA. Impõe-se
assim “…que se trate igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente o
que é juridicamente diferente, na medida da diferença.”[8]
O
que é necessário para que o princípio da igualdade se considere violado? É necessário
que o recorrente tenha sido discriminado. Para isso, tem que se entender se a
forma como o CSM alcançou o fim é ou não razoável de acordo com os valores
dominantes do ordenamento. O tribunal considera que não há forma de afirmar que
houve distinção de tratamento apesar de o apelante afirmar “(…) ter tido
conhecimento de que dois candidatos foram contactados telefonicamente por
membros do CSM exortando-os a candidatarem-se a ser escolhidos para a
presidência das comarcas já depois de esgotado o prazo previsto na comunicação
de 11 de março de 2014”. Face ao entendimento doutrinal deste princípio parece-me
estranho que o tribunal assuma que não houve distinção, se prorrogaram o prazo
contido no aviso a favor de x pessoa, não tendo conhecimento de que as
candidaturas dos candidatos referidos tenham sido aceites, penso que seja
legitimo pensá-lo uma vez que foram contactados posteriormente. Se qualquer
atuação está submetida ao princípio da igualdade, afigura-me estranho como não
se considera que este tenha sido violado, porque assim qualquer pessoa que
preenchesse os requisitos podia candidatar-se após o prazo do aviso e ver a sua
candidatura aceite. Indo contra à segurança jurídica e previsão de atuação. Se
é assim, não poderia existir qualquer penalização a quem se candidatasse após o
prazo. Deste modo, se um candidato que preenche todos os requisitos legais e
ainda concorre dentro do prazo estabelecido, não me parece legitimo afirmar que
não houve violação quando se ignorou totalmente o estabelecido pelo próprio
CSM, quer quanto aos critérios decorrentes do aviso, quer ao próprio prazo, o
que nos faz duvidar de que tenha havido uma ponderação totalmente igual.
Analisando o princípio da
igualdade, a doutrina considera que possui ainda uma vertente que obriga a
tratar de forma diferente o que é diferente, tratando-se de uma discriminação
positiva. Não me parece que tenha sido esse o caso, pois se ambos preencherem
os requisitos não faz qualquer sentido que uns só possam candidatar-se até 11
de março e outros se possam candidatar findo esse prazo.
No entanto, o STJ considera que
apesar da afirmação do apelante não demonstrar que houve qualquer
favorecimento, não demonstra que tenham sido avaliados de forma diferente: “Excluída
a prova de qualquer tratamento de favor não estão minimamente preenchidos os
factos que indiciem violação do princípio da igualdade, improcedendo as
considerações do Sr. Juiz neste particular.” É exatamente por não demonstrar
que houve uma apreciação diferenciada, que não se pode afirmar que houve uma
apreciação igual. Não temos qualquer argumento da parte do CSM que nos garanta
igualdade ou segurança. Levando a uma descrença na igualdade de tratamento,
pois ao contactarem determinadas pessoas exortando-as a candidatarem-se que
demonstra que houve desigualdade ou pelo menos que há uma preferência por
aqueles candidatos. Especialmente por serem advertidos após o prazo. “Por outro
lado, tão pouco se prova que qualquer dos preterentes do Sr. Juiz tivesse sido
objecto de tratamento de preferência, correcto ou não, que não radicasse, em
Juízo isento do CSM.” Embora me pareça uma afirmação criticável, o facto de a
prorrogação do prazo a favor destes não demonstrar conexão com os nomes
escolhidos, tal como terem sido objeto de preferência, devia pelo menos questionar-se
se realmente houve um juízo isento. No entanto, foi esta a decisão do STJ,
estando o CSM a operar na base de uma liberdade de escolha quanto ao
comportamento adotado, irá analisar-se de seguida se o princípio da legalidade foi
respeitado.
c. “Da (alegada) violação do princípio da legalidade.”
Não havendo
muito mais a acrescentar ao exposto anteriormente, quanto a este caso em
especifico, cabe apenas salientar que a administração é obrigada a prosseguir o
interesse público, sempre em conformação com o expresso na lei, ou seja,
respeitando o princípio da legalidade que se encontra consagrado no artigo 266º
nº2 CRP. A antiga formulação na dita “administração agressiva” era como um
limite à atuação porque no que não se encontrava regulado tinha a administração
liberdade, e o que estava funcionava como uma proibição. Atualmente, é visto de
uma forma positiva o que a administração pode ou não fazer, funcionando como
fundamento para a sua atuação. Assim, o CSM para além de vinculado às suas
normas internas encontra-se subordinado à Constituição, à lei ordinária, aos
regulamentos, aos direitos resultantes de contratos administrativos, aos atos
administrativos que constituam direitos e ainda aos princípios gerais,
considerando o Professor Vasco Pereira da Silva que ainda está subordinada de
uma forma supranacional ao Direito internacional e ao direito da União
europeia. Num breve resumo, este princípio possui três vertentes: a preferência
de lei, vedando que um ato inferior contrarie a lei, sob pena de ilegalidade; a
reserva de lei, na vertente da precedência de lei que funciona como uma
subdimensão desta, tratando-se no fundo
de uma habilitação legal em que para a prática de um ato inferior este tem que ter
fundamento numa norma legal; e ainda a reserva material de lei, como outra
subdimensão ou vertente da reserva de lei, ou seja, existindo um fundamento com
um grau de pormenorização suficiente para permitir atuar a administração e que
esta a densifique.
Quando no
acórdão se afirma que o princípio não se restringe à legalidade estrita,
pretende-se demonstrar que tem evoluído mais num sentido de um princípio de
juridicidade como afirmado pelo professor vasco pereira da silva, do que apenas
referente ao expresso na lei. Pois, tem que se recorrer também à ponderação
face ao caso concreto e aos princípios que ordenam o sistema jurídico.
Considera, o
STJ que o princípio do não foi violado, pois, para além do ato se encontrar
dentro das linhas orientadoras do artigo 92º da LOSJ se estes estiverem
preenchidos cabe ao CSM escolher como atuar e quem designar. No entanto, apesar
de se encontrar o ato de nomeação dentro dos critérios dessa lei, não devia o
aviso encontrar-se submetido a este princípio?
3. “Mostra-se violado o princípio da imparcialidade?”
O princípio da
imparcialidade impõe que a administração pública tem que adotar uma posição
isenta e imparcial, como dispõe o artigo 9º do CPA. Devendo as decisões ser
tomadas unicamente com base no interesse público, não podendo outros interesses
influenciar as escolhas. A doutrina salienta duas vertentes deste princípio:
uma negativa que se refere aos agentes da Administração pública, pois estão
impedidos de intervir em questões que podem ter interesse pessoal ou familiar,
ou até de especial proximidade, sob pena de haver suspeita de imparcialidade(quer
seja por impedimento ou mera suspeição); e uma vertente positiva que é o dever
da administração pública em ponderar todos os interesses em jogo, como os
interesses legítimos de cada particular, ou seja, funciona como um limite à
discricionariedade.
Segundo Freitas
Amaral[9]
o que se pretende com o princípio da imparcialidade não é decisões
administrativas justas, mas que não existam razões para suspeitar da
imparcialidade.
Quanto à situação exposta, não
havendo qualquer informação de interesses pessoais ou familiares, apesar do
telefonema realizado a dois candidatos, não temos conhecimento da existência de
grau de proximidade entre os agentes do CSM e os candidatos. Logo, é percetível
que não se possa afirmar que houve violação do princípio da imparcialidade na
vertente negativa tal como não se pode aplicar os artigos 69º e seguintes do
CPA. No entanto, quanto à vertente
positiva que é a necessidade de ponderar todos os interesses equacionáveis para
a adoção da decisão, através de uma ponderação comparativa. Não temos também
qualquer informação que nos possa indicar de que não foram todos ponderados.
Em conclusão,
parece-me que o CSM ao não seguir os critérios decorrentes do aviso, e ao ser de
conhecimento a existência de um contacto telefónico para determinados
candidatos, se possa desconfiar da atuação imparcial do CSM. Tal como que esta deliberação
ao estar submetida a várias questões e dúvidas quanto à sua atuação isenta, põe
em causa a segurança jurídica e a confiança por parte dos particulares na
administração pública. Contudo, o STJ concretiza
“por esta razão mesmo que o recorrente fosse o mais qualificado de entre todos
os magistrados judiciais que se disponibilizaram para a presidência dos
Tribunais Judiciais das comarcas de Aveiro, Braga, Porto, Porto-Este e Viana do
Castelo o CSM não estava vinculado a escolhê-lo.” e ainda que o “…que realmente
está em causa é a discordância do Recorrente face a uma decisão do CSM que lhe
foi desfavorável; mas daí até poder sustentar-se que foram violados os
princípios em análise, vai um passo muito largo…”
Bibliografia:
Aulas teóricas
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa lecionadas pelo professor
Vasco Pereira da Silva.
Aulas práticas
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa lecionadas pelo professor
Jorge Pação.
Amaral Diogo
Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição, Coimbra,
Almedina, 2012.
Soares, Rogério Ehrhardt, Direito administrativo, Porto: UCP
Sousa, Marcelo
Rebelo de, Lições de Direito Administrativo, vol. I, Lisboa, 1999.
Jurisprudência:
Trabalho elaborado por:
Maria Ana Pires
nº58526
[1] Aula
teórica
[2] Soares, Rogério Ehrhardt, Direito administrativo, Porto: UCP.
[3] Sousa, Marcelo Rebelo de, Lições de Direito Administrativo pág. 176
[4] Amaral Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo pág.63
[5] “Contudo
o Recorrente entende que foram violados os princípios que a própria entidade
recorrida havia erigido como norteadores do preenchimento dos lugares a
concurso, ao arrepio pois do princípio da autovinculação. A inobservância de
tais critérios traduz-se também na lesão do princípio da boa-fé a que estava
obrigado perante a recorrente”
[6] Seguindo
a terminologia de Marcelo Rebelo de Sousa pág.216.
[8] Amaral Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo pág.137
[9] Amaral Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo pág.160.
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