O princípio da legalidade e o seu âmbito de aplicação
Antes de mais,
cabe-nos definir em que consiste o princípio da legalidade, sendo este um princípio que para a Administração Pública
significa que ao prosseguir o interesse público
tem de obedecer à lei. O princípio em si encontra-se materializado no
artigo 266º/2 CRP, assim como no artigo
3º/1 CPA.
Ao longo dos tempos a sua definição foi-se
alterando e numa aceção mais ampla podemos dizer que tradicionalmente era visto
com uma conotação proibitiva ou mesmo um limite à sua ação, isto é, era
proibido que a Administração Pública lesasse os direitos ou interesses dos
particulares, com exceção do casos que previstos na lei. A doutrina foi mudando
de opinião e, hoje em dia, o princípio da legalidade já é visto de uma forma
mais positiva, que engloba todos os aspetos da atividade administrativa e não
se cinge apenas à atuação, mas também ao fundamento. Concluindo, a ação da
Administração é legitimada através de normas proibitivas e de por outras normas
que se encontrem no bloco de legalidade.
Na minha opinião, esta definição mais recente
é mais completa e mais clara. Permite que
não se saiba apenas o que a Administração Pública está proibida de
fazer, mas também aquilo que pode ou
deve fazer, tornando-se mais abrangente no que toca aos pontos em que atua e dando um lugar de prioritário,
conjuntamente com os interesses dos particulares ao interesse público. Para além de que é
exigido ao fundamento da ação a obediência à lei.
Resta deixar claro
que o conteúdo deste princípio não diz respeito apenas à lei, mas a todo o bloco de legalidade (CRP, lei ordinária,
regulamentos, direitos resultantes de contrato
administrativo e de direito privado, entre outros) e que a sua violação
dá lugar a uma ilegalidade. Tendo que mencionar as duas modalidades que
este princípio acarreta na visão do Professor Diogo Freitas do Amaral:
- Preferência de lei
- Reserva de lei
A reserva de lei,
consiste em que nenhum ato de categoria inferior à lei possa ser praticado sem
fundamento no bloco de legalidade.
Já o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa, faz uma distinção entre validade e regularidade. A
validade diz respeito à conformidade dos atos da administração com o bloco de
legalidade e, consequentemente, na sua aptidão intrínseca do ato para a
produção dos efeitos jurídicos por si visados.
Já a regularidade tem a ver com a plena conformidade dos atos da
administração por si visados. Tendo em atenção que estas distinções apenas são
feitas quanto aos atos imateriais.
Pegando na distinção
utlizada pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, é algo que gera alguma
discordância, pois destaca-se mais em planos constitucionais. Porém, continua a
ter importância no direito administrativo enquadrando-se na competência administrativa com relevância
no quadro de relações entre o legislador e a administração, constituindo-se
como reserva parlamentar, pois se estiver constitucionalmente vedada ao governo
a intervenção legislativa em determinadas matérias nos artigos 164º e 165º CRP,
daí sucede-se a tal inadmissibilidade de a administração regular as matérias
que se encontram reservadas mediante regulamentos independentes.
Quanto a este princípio a
doutrina defende existirem 3 exceções:
-Teoria do Estado de Necessidade,
ocorre em situações como estados de guerra, estado de sítio ou em casos de
calamidade natural, onde se defende que a Administração Pública está dispensada
de seguir o processo legal exigido em circunstâncias normais, mesmo que isso
implique o sacrifício de direitos os interesses dos particulares, contudo,
poderão os particulares lesados recorrer a indeminizações consoante o artigo
3º/2 CPA, determinando este artigo a cobertura legal para este tipo de
situações determinando “ não poderia ser alcançado de outro modo”.
-Teoria dos Atos Políticos, que na
opinião do professor Diogo Freitas de Amaral não é uma verdadeira exceção, pois
esses atos que correspondem ao exercício da função política (atos políticos e
atos de governo) não suscetíveis de impugnação contenciosa perante tribunais
administrativos e segundo o artigo 3º/3 CRP, todos os atos tem de estar em
conformidade com a lei e com a Constituição.
-Poder discricionário da Administração,
também não se considera uma exceção ao princípio da legalidade, mas mais um
modo especial de configuração da legalidade administrativa . Pois este poder só
é utilizado onde a lei o permite, tendo em mente que há está sempre vinculado à
competência e ao fim.
Quanto à sua
natureza e âmbito encontramos uma distinção, que tem vindo a ser imposta pela
doutrina alemã, entre a administração agressiva e a administração constitutiva.
Quando nos referimos
a administração agressiva estamos a falar do lado da Administração Pública como
uma autoridade que impõe sacrifícios aos particulares. Porquê a designação
"agressiva"? Ao impor os tais sacrifícios aos particulares, como proibições,
imposições de ordens, revogação de licenças, entre outros, considera-se que a
Administração Pública está a "agredir" a esfera jurídica dos
particulares. Pois, está a sobrepor-se aos direitos e interesses do
particulares.
Já uma administração
constitutiva (ou prestadora de serviços) apresenta-se no lado oposto. Está
administração ganha visibilidade como constituidora de direitos ou vantagens
económicas ou sociais, prestadora de serviços ou bens ao funcionar com serviço
público através de subsídios, garantido educação aos cidadãos, entre as mais
diversas atuações. Tendo aqui uma presença de proteção e não agressão.
Sobre este tema
vamos encontrar alguma divergência doutrinária, pois existem autores que
defendem que tanto a administração agressiva como a constitutiva devem
obediência ao princípio da legalidade(1) e outros que sustentam que apenas a
administração agressiva é que deve obediência ao princípio (2).
1
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2
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Esta corrente é
encenada, principalmente, por Jesch. Ele defende que o princípio da
legalidade aplica-se tanto à administração agressiva, como à administração
constitutiva. Sendo que a Administração só poderia fazer aquilo que lei lhe
desse permissão.
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Esta corrente é
representada, essencialmente, por Wolff. Defendendo que o princípio da
legalidade só se aplica à administração agressiva. Já a administração
constitutiva seria regulada por normas de formulação negativa, isto é, poderá
fazer tudo o que achar necessário desde que não contrarie nenhuma proibição
legal.
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Como é este assunto
percecionado na doutrina portuguesa?
Pode-se dizer que a
doutrina maioritária segue a corrente encabeçada por Jesch, isto é, defende que
o princípio da legalidade aplica-se aos dois tipos de administração. Isto
porque se defende que o artigo 266º/2 CRP quando designa quem está subordinado
à lei e a Constituição não faz diferenciação quanto ao tipo de administração e
as suas respetivas atividades. Para além da letra da lei, temos que pensar no
que realmente a administração constitutiva faz, pois defende-se que é uma
administração centrada na prestação de serviços e na conceção de benefícios e,
consequentemente, não haveria violações dos direitos e interesses dos
particulares. Porém, ao observarmos melhor essa situação, nada nos garante que
não possam ocorrer violações como é um caso em que possa haver um erro na avaliação das mais diversas situações em
que envolvem atribuições ou reconhecimentos de um determinado cidadão. Aí
teríamos uma violação, em pela área de atuação da administração constitutiva.
Para além disso, podemos ainda falar, na minha opinião, de uma aparente
administração constitutiva, pois, como já foi referido, toda esta ideia assenta
numa administração defensora do cidadão que apenas proporciona coisas boas, mas
isso não é 100% verdade. Para a administração constitutiva exercer o seu
trabalho, ela terá sempre que sacrificar direitos ou interesses dos
particulares, pois os cidadãos não são tratados de forma igual, alguns têm
direito a bonificações, subsídios, ajudas enquanto outros não necessitam desse
tipo de apoios devido a condições financeiras melhores. Ora, nestes casos tem
que haver estabelecidos limites através lei para se saber atuar corretamente, o
que comprova que a Administração não pode fazer o que quiser. Voltando à ideia
inicial, uma administração constitutiva aparente, esta não parece existir.
Passo a explicar, para realizar as tais prestações de auxílio, essas têm que
advir do Orçamento do Estado, orçamento este que, por sua vez, advém, das
receitas públicas, receitas públicas que advém de todos os cidadãos através de
sacríficos económicos que lhes são forçados. Não teremos aqui apenas um ciclo
de atividades e não uma diferenciação de administrações? Na realidade todos os
cidadão por mais benefícios que recebam terão também que contribuir para estes
tais sacrifícios, seja menos ou mais.
Resumindo, o
princípio da legalidade deverá ser aplicado na sua totalidade em todas as
atividades da Administração. Não acreditando que exista, realmente, uma
diferenciação entre administração agressiva e constitutiva, pois ambas poderão
provocar benefícios ou desvantagens aos particulares.
Bibliografia
Consultada:
-AMARAL, Diogo
Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º Edição, Almedina
-SOUSA, Marcelo
Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2º Edição, D.Quixote
Bruna Gomes Chaves
2º Ano Subturma 17
Nº 58430
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