O princípio da imparcialidade



O princípio da imparcialidade

Artigo 9.º
Princípio da imparcialidade

A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.

A Administração Pública procura satisfazer o interesse público da melhor forma possível, com o mínimo de custos e de lesões nos direitos e interesses dos particulares e ao mesmo tempo garantir a neutralidade e isenção da atuação dos seus órgãos e agentes, e para tal, apoia-se nos princípios administrativos.
O princípio da imparcialidade decorre do artigo 266.º, nº2 da CRP e do artigo 9.º do CPA, é um dos princípios constitucional e legalmente estabelecidos, subjacentes a atuação da Administração Pública que realça a importância do objetivo que é o interesse público.
Tendo este princípio a sua origem histórica na prática dos tribunais, veio estender-se à atividade administrativa, o que implica que a Administração Pública tome decisões exclusivamente determinadas pelo interesse público, sendo que não pode haver influências de interesses alheios à função, visto que pretende-se garantir que a tomada de decisões não deixa dúvidas, aos interessados, da neutralidade do órgão que interveio no processo em questão. A maioria da doutrina apoia a aplicação deste princípio quer no âmbito da atividade administrativa, quer na organização administrativa.
O professor Vieira de Andrade esclarece que a administração é imparcial quando uma determinada decisão emitida pela mesma resulta da ponderação, no caso concreto, do peso relativo de todos os interesses juridicamente protegidos, sem que haja qualquer influência ou distorção nessa ponderação pelos mais variados interesses particulares, ou seja, os órgãos e agentes não podem por em causa a isenção do seu comportamento por situações de interesse pessoal.
Deste modo, este princípio aponta para a atuação da Administração pública através de decisões determinadas exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas funções específicas, não se tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes interesses pessoais do órgão, funcionário ou agente ou, mesmo, interesses políticos concretos do Governo.
No entender do professor Freitas do Amaral, este princípio trata-se de uma concretização da ideia da tutela da confiança, na medida em que a imparcialidade visa, não apenas precludir a prática de atos injustos, mas também proteger a confiança dos cidadãos na seriedade e honestidade da atuação da Administração.
Assim, o princípio da imparcialidade impõe que os órgãos e os agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em relação as situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório.
Este princípio serve como limite interno ao exercício de poderes discricionários como defende o professor Freitas do Amaral e Sérvulo Correia, contudo alguns autores defendem que o princípio da imparcialidade pode aplicar-se no domínio da atividade vinculada, por exemplo, quando a administração viola uma norma constitucional da imparcialidade.
Este princípio tem 2 vertentes, uma negativa e outra positiva.
A vertente positiva corresponde ao dever, por parte da Administração Pública, de ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adoção. Tal obrigação de ponderação comparativa implica uma apreciável limite à discricionariedade administrativa.
No entanto, o princípio da imparcialidade não é uma mera aplicação da ideia de justiça. Independentemente de as decisões da Administração serem justas, ou não, a lei pretende que os cidadãos possam ter sempre confiança na capacidade de a Administração tomar decisões justas, ou seja, pretende-se que não haja razões para suspeitar da imparcialidade dos órgãos competentes que vão tomar a decisão. É de realçar que esta vertente esta presente no procedimento administrativo, especialmente na fase instrutória, onde há a recolher dos factos e interesses que devem ser ponderados na tomada de decisão pelo titular do órgão administrativo.
Na vertente negativa, a imparcialidade traduz, desde logo, a ideia de que os titulares de órgãos e agentes da Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou de pessoas próximas, ou de pessoas com quem tenham relações económicas, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta.
Esta vertente tem uma aplicação em toda a linha do procedimento administrativo, a qualquer momento haverá necessidade de averiguar se houve alguma violação ao princípio, sendo que há um regime próprio de aplicação tendente a averiguação da violação do princípio através do art. 69º e seguintes do CPA. Deste modo, na vertente negativa existem dois tipos de situações: de impedimento prevista no art. 69º do CPA, que são as mais graves por serem interesses mais evidentes do decisor administrativo e cuja substituição do órgão competente por outro é obrigatória por lei; e de sujeição, cuja substituição não é automaticamente obrigatória, sendo apenas possível quando requerida pelo próprio órgão, sendo que é possível ser  declarada suspeição por um particular interessado ou quando um órgão ou agente administrativo pede escusa de intervenção num dado procedimento, está presente no art. 73º do CPA.

Existe um conjunto de sanções que são aplicadas quando a atuação da Administração Pública viola o princípio da imparcialidade. A sanção será a anulabilidade, por força do art. 163º do CPA, quando os atos em que intervieram titulares de órgãos ou agentes impedidos (vertente negativa) ou em relação ao impedimento relativo (suspeição), são atos anuláveis por serem ilegais, e para tal, podem ser levados a tribunal para se obter a sua anulação, segundo o art. 76º/1 CPA, sendo que a atividade dos titulares dos órgãos e os agentes vai ser suspendida e há a substituição imediata.
Outra sanção possível, presente no art. 76º nº2, é uma falta grave para efeitos disciplinares quando a conduta é a omissão do dever de comunicação quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão ou agente da Administração Pública (vertente negativa). Caso o titular do órgão cumpra e pronuncie-se quanto ao impedimento, este deve suspender a sua atividade, salvo ordem em contrário do seu superior hierárquico. Também pode ocorrer a perda do mandato a todos os órgãos autarquicos que violem as garantias de imparcialidade da Administração, que estão previstas na lei, sendo que essa proposta pode ser feita pelo Ministério Público.
Por último, pode ocorrer uma sanção de indemnizar a Administração Pública e terceiros de boa fé pelos danos resultantes da anulação do ato ou contrato, tal ocorre quando há a violação do art. 69º nº 3 a 5.
Por último, faço uma pequena referência ao direito comparado, no direito inglês o princípio da imparcialidade surge como uma forma de assegurar a independência da Administração e de modo a garantir a neutralidade política dos funcionários públicos, sendo que normalmente no direito inglês é designado como princípio da justiça natural, baseando-se em duas ideias principais, a de que ninguém pode fazer juízos sobre assuntos onde haja interesses pessoais e de que os administrados tem direito a ser ouvidos em matéria que lhes diga respeito.
No direito espanhol este princípio esta consagrado na constituição espanhola no art. 103º, contudo não lhe é dado grande relevância por parte da administração espanhola, surge como um simples dever geral dos funcionários públicos, mais do que com um princípio geral da Administração Pública. É importante salientar que antes do surgimento deste princípio na Constituição de 1978, já existiam várias referências para prevenir a violação deste princípio.
No direito alemão e francês, o princípio da imparcialidade não suscita grande interesse na doutrina, nem na jurisprudência motivado também pela falta de consagração constitucional, visto que aparece mais ligado a uma qualidade que é necessária nos funcionários administrativos, para garantir a neutralidade e a isenção, mais do que um princípio geral administrativo. É de realçar que há mais referência a este princípio em França, na medida em que vários atos administrativos são anulados pelo Conselho de Estado Francês com fundamento na violação do princípio da imparcialidade, apesar da falta de definição por parte da doutrina na caraterização como princípio ou como um mero dever dos funcionários.
A doutrina italiana restringe a eficácia do princípio da imparcialidade a sua vertente positiva.
Concluindo, tal como o professor João Caupers resume este princípio, por um lado pretende assegurar uma decisão administrativa que tenha em consideração todos, mas apenas, os interesses relevantes, quer sejam públicos ou privados, e evitar a prossecução de um interesse que se confunda com interesses privados, sem haver tratamentos privilegiados nem interesses dos próprios titulares do órgão ou agente.


Bibliografia
Freitas Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Volume II. Almedina, 3ª edição, Lisboa, 2006.
Caupers, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora, Lisboa, 2009.
Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo I, Lisboa, 1994/95.
Rebelo de Sousa, Marcelo, & Matos, A. S, Direito Administrativo Geral, D. Quixote, Lisboa - tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais, 3.ª edição, Dom Quixote, 2004.
De Melo Ribeiro, M.T, O princípio da imparcialidade da Administração Pública, Almedina, 1996.

Freitas Vieira, V.M, O Novo Código do Procedimento Administrativo (Perguntas e Respostas), Almedina 2016.


Raquel Cândido Oliveira, 58155

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